domingo, 1 de maio de 2016

S. Tomé e Príncipe. AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS

Adelino Cardoso Cassandra*, opinião

Um colega meu, perguntou-me, com um tom meio sério, meio jocoso, se eu conhecia o Pinto da Costa. Sem pensar, questionei-o, de chofre, se ele se referia ao presidente do Futebol Clube do Porto. Ele riu-se, deu-me uma palmadinha nas costas e rematou: «… Não, pá! Aquele que se vai candidatar ao cargo de presidente da república do teu país». Disparei, de seguida: «Ele é presidente da república e, que eu saiba, não é, ainda, candidato à reeleição nem sei se o será». Ele, meio atrapalhado, refez-se em explicações, pois não sabia que o presidente da república do meu país era o Pinto da Costa, e remeteu as causas, para a manifestação da referida ignorância, ao facto de ter lido ou ouvido algo na comunicação social, relacionado com o assunto em causa, que indiciava uma eventual recandidatura do atual presidente da república. Aproveitei a ocasião, durante alguns minutos, para lhe informar sobre os nomes dos protagonistas dos diversos órgãos de soberania do país bem como a arquitetura básica do nosso ordenamento jurídico-constitucional.

Tudo isto vem, agora, a propósito, tendo em conta a forma como os diversos líderes partidários têm gerido a questão das eleições presidenciais que se realizarão brevemente no país.

O Pinto da Costa que alguns líderes partidários e respetivas claques, reclamam não querer, mais uma vez, como candidato, ao referido cargo, transformou-se, por paradoxal que pareça, nos órgãos de comunicação social, nacionais e estrangeiros, na principal referência destas eleições. É dele que se fala, por melhores e piores razões. É ele que, aparente e surpreendentemente, ainda coordena as tropas, como um velho capitão de Danço Congo, e condiciona os movimentos e passos alheios.

Todos os dias aparecem notícias relacionadas com a provecta idade do senhor, eventualmente inibidora para o cumprimento de obrigações relacionadas com a função em causa.

Outros, pelo contrário, nas referidas notícias, defendem que ele é, provavelmente, o adversário ideal para qualquer candidato que o ADI vier a apresentar.

Até o líder do principal partido da oposição, Aurélio Martins, que já declarou apoio, político e institucional, a uma candidatura forte e com peso eleitoral específico, como a da Maria das Neves, entrou, também, nesta festa, e, sem meias medidas, convidou, publicamente, o presidente da república, Pinto da Costa, a apoiar a candidatura da Maria das Neves, sugerindo-o que, não se recandidatasse para o referido cargo, tendo em conta que o mesmo não solicitou apoio ao referido partido para tal ambição política e eleitoral, e, cumprindo tal premissa, este facto seria uma oportunidade ímpar, para o presidente Pinto da Costa reconciliar-se com o partido em causa.

Tenho a impressão que todas estas notícias e declarações foram a fonte de inspiração que estiveram na base da pergunta que o meu amigo me fez.

Eu não consigo perceber, por mais esforço que faça, a estratégia associada a este ato, sobretudo vindo do MLSTP/PSD e do seu líder, em total desfavor de uma candidatura, aparentemente forte, como a da Maria das Neves. Não se pode declarar apoio a uma candidata e depois cometer estes disparates todos revelando total amadorismo político, estratégico e tático. Tal só se compreenderia se, o próprio Aurélio Martins estivesse, com esta atitude tão amadora e própria de um principiante, somente preocupado com o seu “dia seguinte” após as eleições presidenciais.

Em primeiro lugar, se o MLSTP e o Aurélio Martins acham que a presidência do Pinto da Costa, nestes cinco anos, foi “desgastante” (como eu também acho) compreende-se mal que venha pedir apoio político e institucional deste, para uma candidatura que se quer mobilizadora e transversal como a da Maria das Neves, verbalizando, publicamente, este mesmo sintoma de desgaste, num tom jocoso, provocatório e humilhante, que desmobiliza mais do que mobiliza, que divide mais do que une, reiterando a ideia de que, o Pinto da Costa, caso candidatasse, “não estaria a desempenhar um bom papel”. Estas coisas não se fazem publicamente nem desta forma, sobretudo porque o protagonista em causa, ainda é, neste momento, presidente da república.

A eleição presidencial que, no nosso contexto constitucional, é a única em que os eleitores elegem os candidatos de forma direta e sem necessidade de utilização de um mediador, como os partidos políticos, deveria requerer, por parte destes, algum recato, contenção e sentido de responsabilidade. Os partidos políticos podem e devem apoiar os candidatos que queiram, nestas eleições, mas não são donos da nossa democracia ao ponto de condicionarem, voluntária ou involuntariamente, a liberdade dos cidadãos, quaisquer que eles sejam.

E, com pena minha, constato, que este condicionamento e tentativa de domínio do poder partidário sobre as eleições presidenciais, muito comum na nossa terra, é contraproducente, porque sendo as únicas eleições que se vota num rosto e num nome, a possibilidade de uma candidatura, como a da Maria das Neves, crescer e atravessar todas as franjas da nossa sociedade, pode ficar irremediavelmente comprometida com este assalto partidário feroz, desadequado, monolítico, excludente e radical. E isto é fatal sobretudo para um partido, momentaneamente muito fragmentado, saído recentemente de uma disputa eleitoral interna intensa, que contribuiu para a maximização deste processo de secessão, tendo, como líder histórico carismático, exatamente, aquele que foi publicamente rejeitado e humilhado.

Provavelmente, Maria das Neves e Pinto da Costa, por razões diferentes, representam, no MLSTP, formas ou modalidades de abordagem política e de capacidade de penetração eleitoral, no interior e no exterior do referido partido, que não necessitavam de um episódio insólito e radical, por parte da referida direção partidária, de negação pública de uma destas identidades para a afirmação da outra, num contexto eleitoral em que o papel partidário deveria ser menorizado e não há garantias de que este processo de negação acrescente valor a uma das candidaturas.

Aurélio Martins acabou por fazer, voluntária ou involuntariamente, exatamente aquilo que o Patrice Trovoada e o ADI queriam que ele fizesse, ou seja, transformar estas eleições presidenciais, numa segunda volta das legislativas, dando-lhe total caráter e abordagem partidária. Não é por acaso que o ADI proibiu qualquer gesto rebelde que contribuísse para dividir o partido nestas eleições, como habitualmente acontece no referido partido, e já inaugurou a sua principal mensagem eleitoral para estas eleições, que não se afastará muito disto: “queremos um presidente que trabalhe em sintonia com aquilo que o governo está a fazer e não seja um obstáculo”.

Para o ADI, isto é verdade, e politicamente relevante, como mensagem política, para assunção de uma candidatura do referido partido nestas eleições bem como de separação de águas relativamente aos candidatos da oposição. E, quanto mais “amarrados”, de ponto de vista político-partidário, estiverem os potenciais candidatos da oposição, às referidas eleições presidenciais, maiores serão as dificuldades que encontrarão para contrariar esta tese e afirmarem uma contraposição política com objetividade e assertividade.

Ao assumir, também, publicamente, em termos de conteúdo e forma, uma abordagem político-partidária para estas eleições presidenciais, Aurélio Martins contribuiu para limitar as ambições de Maria das Neves, neste âmbito, tornando mais difícil, agora, o seu esforço de distanciamento, por um lado, e abrangência, dentro e fora do partido.

Quanto mais o Aurélio Martins continuar a falar e a assumir a candidatura da Maria das Neves como uma candidatura partidária excludente menores serão as capacidades desta penetrar, de forma transversal, em determinados sectores do eleitorado que, justamente, por razões de desilusão com os partidos políticos na nossa terra, encaram o ato de votação nestas eleições presidenciais como uma forma de expressão de liberdade sem condicionamentos político-partidários.

Resta-nos, todavia, ainda, conhecer o rosto do candidato que o ADI apresentará para estas eleições que terá, como principal encargo político, segundo o perfil traçado pelo partido em causa, “trabalhar em sintonia com aquilo que o governo está a fazer e não ser um obstáculo”. É obra! Temos, neste momento, um governo de um único partido político, com uma maioria que o suporta na Assembleia Nacional que mina, com recurso aos mais diversos expedientes, as condições de fiscalização e controlo, por parte da oposição, dos atos do referido governo. Temos o mesmo partido político que, estando no governo, controla quase a totalidade das autarquias nacionais. Temos um governo que apresenta tiques insaciáveis (como a maioria de outros governos anteriores) de controlo total e desavergonhado da comunicação social e nega arrepiar caminho neste âmbito.

É o mesmo governo que não abdica de uma atitude predatória e irresponsável de governamentalização da função pública em função dos interesses partidários em causa. Até a Região Autónoma do Príncipe não foi poupada neste expediente predatório de governamentalização da função pública com prejuízos enormes para o funcionamento de determinados serviços nesta região. O ADI quer juntar a tudo isto a presidência da república.

É legítimo que pensem assim. Todavia, tendo em conta a fragilidade das nossas instituições, acho perigoso este caminho, tendo em conta, até, os múltiplos acontecimentos recentes que podem contribuir, paulatinamente, para colocar em causa o aprofundamento de uma vivência pluralista, no contexto nacional, em detrimento de manifestação de formas encapotadas de autoritarismo.

Passaríamos a ter, então, se tal acontecesse, tendo em conta as nossas limitações organizacionais e fragilidades institucionais, a concentração de toda a responsabilidade do Estado num grupo político restrito; por outro lado, a substituição da participação e intervenção política pela obediência e, por fim, a redução do debate à comunicação unilateral que, neste caso, só admitiria como resposta a cumplicidade ou o silêncio. Estamos, sem dúvidas, a caminhar neste sentido.

É com este propósito e denúncia destes factos que qualquer candidato às próximas eleições presidenciais deveria fazer o seu caminho, criando condições para trazer para o debate e discussão pública estes assuntos. Estariam criadas algumas condições com a finalidade de contribuir para a rejeição de qualquer ação política que tenha como finalidade o exercício de neutralização da pluralidade na nossa democracia bem como a criação de mecanismos que contribuíssem para melhorar a organização e funcionamento das nossas instituições.

Quem pode fazer isto, neste momento, como candidato presidencial, com legitimidade, credibilidade e eventualmente resultados positivos, tendo em conta a desilusão político-partidária instalada no país, tem de estar numa posição de algum distanciamento partidário. E quando digo distanciamento partidário não quero, com isto, dizer, que não usufrua de apoios de partidos políticos. Usufruir de apoios de partidos políticos, nestas eleições, não deve ser sinónimo de subordinação total aos ditames, mensagem, agenda e até liberdade para escolher o dia, hora e oportunidade para fazer o anúncio de tal propósito ao país.

O ADI sabe que a partidarização desta eleição presidencial serve os seus maiores interesses e não abdica de “obrigar” os seus opositores a cometerem este mesmo erro fatal. É o ADI que escolhe o seu candidato, o dia, a hora e a cerimónia ideal para a sua apresentação ao povo, depois de um passeio do seu líder pelas bases do referido partido com a finalidade de criação de um clima emocional e político (interno e externo) com propósito supracitado.

Para além disso, é o ADI que avisa, antecipadamente, ao seu virtual candidato, qualquer que ele seja, que ele “deve ser próximo do ADI, deve trabalhar em sintonia com aquilo que o governo atual está a fazer e não ser um obstáculo, em quaisquer situações”. Que liberdade terá este virtual candidato, do ADI, submetido a este espartilho, quadro ou guia de referências, tendo em conta o caminho recente que o país está a trilhar, para se comportar como garante do regular funcionamento das instituições democráticas, cumprindo e fazendo cumprir a constituição da república?

Adelino Cardoso Cassandra, em Téla Nón, opinião

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