segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Moçambique | Descentralizando controlo e intimidação

 Por Joseph Hanlon

Foto de Adérito Caldeira
Esta eleição foi diferente. Cobri todas as eleições multipartidárias em Moçambique e a Frelimo sempre exigiu dos seus membros “vitória a todo custo”. Mas estas parecem que são as primeiras eleições gerais em que a Frelimo exerceu poder de forma organizada, mas descentralizada.

Relatos de observadores e dos nossos correspondentes, a partir das assembleias de voto, na quarta-feira, mostraram novo ambiente de controlo, muito mesquinho. Os presidentes de mesa insistiam que os observadores deviam se manter de pé (impedindo-os de sentar-se), ou porque não podiam permanecer nas assembleias de voto por mais de 30 minutos ou mesmo recusavam-lhes o acesso às assembleias de voto por alegadas irregularidades. Isto sucedeu depois das comissões provinciais e distritais de eleições recusarem credenciar observadores independentes e delegados de candidaturas de partidos concorrentes, enquanto emitia milhares de credenciais para grupos de observadores nunca mais vistos, mas leais a Frelimo como o Conselho Nacional da Juventude (CNJ) e SIM – em alguns casos sem sequer constar o nome dos observadores nas credenciais. Muitos destes observadores” são quadros locais da Frelimo e do Estado e nossos correspondentes reportaram que os “observadores” davam instruções aos Membros de Mesa de Voto (MMV).

Os observadores e delegados de candidaturas que questionavam alguns procedimentos no decurso da votação eram intimidados pelos MMVs, delegados de candidatura e pelos observadores ligados à Frelimo. Às vezes parecia intimidação por um grupo de pessoas que já se conheciam um ao outro. O presidente de mesa chamava a Polícia ou ameaçava chamar a Polícia para intervir. Embora não tenha havido uma ameaça directa, para os observadores esta era uma clara ameaça. Muitos observadores individuais ou delegados de candidaturas de partidos da oposição sentiram-se muito intimidados para emitir qualquer comentário ou levantar crítica.

Este clima da coordenada intimidação e controlo foi reportado pelos observadores e correspondentes em muitos lugares e foi algo novo que se vou nestas eleições. Esse clima de controlo e intimidação criou espaço para má conduta em pequena escala em grande nível do que o relatado no passado. A eleitores conhecidos da Frelimo não era exigido mergulhar os dedos na tinta indelével nem sequer pintar a ponta do dedo. Muitas pessoas foram surpreendidas com boletins de voto extras – e efectivamente foram encontrados nas urnas vários boletins juntos dobrados juntos durante a contagem, indiciando que foram introduzidos juntos dobrados. Os observadores relataram situação generalizada de inobservância das regras durante a contagem. Os editais de apuramento parcial não foram afixados à entrada dos locais onde funcionaram as assembleias de voto, conforme exigido por lei. Os MMVs foram vistos a preencher editais do lado de fora da assembleia de voto e até na traseira das viaturas que transportavam as urnas à sede do distrito. Observadores comentaram o quão comum era ver sacos contendo boletins de voto sem não selados.

As operações eleitorais de Moçambique estão agora totalmente politizadas. Por exigência da Renamo na última década, há representação de partidos políticos com assento parlamentar em todas as comissões eleitorais e no STAE a todos os níveis. A Renamo acreditava que tendo mais pessoas nos órgãos eleitorais poderiam impedir a fraude. Mas não teve o efeito desejado. Os assentos dos partidos políticos nos órgãos eleitorais são atribuídos proporcionalmente ao número de assentos no parlamento, e os assentos da sociedade civil nos órgãos eleitorais são, na prática, concedidos a pessoas de grupos da sociedade civil alinhadas a partidos, na mesma proporção. Isto dá à Frelimo uma maioria em todas as comissões eleitorais. Nas eleições anteriores, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) tentou ser equilibrada e relactivamente neutra, mas nas eleições autárquicas do ano passado e nas eleições gerais deste ano, a CNE votou de acordo com o alinhamento partidário. Assim foi hierarquicamente: as comissões de eleições provinciais, distritais bem como o STAE a todos níveis foram dominados pela Frelimo, e eles usaram seu poder para recusar credenciais a observadores independentes e colocar as pessoas da Frelimo nas assembleias de voto.

Dois acontecimentos consolidaram essa ideia de controlo e intimidação. Em Gaza, a CNE e STAE recensearam mais de 300.000 eleitores do que a população adulta em idade eleitoral, de acordo com o censo da população de 2017. Quando o presidente do Instituto Nacional de Estatística recusou-se a falsificar os resultados do censo para coincidir com o recenseamento, ele foi forçado a renunciar por Filipe Nyusi, presidente República da Frelimo. Era uma mensagem clara do controlo da Frelimo. Dez dias antes da votação, um esquadrão da morte da Polícia da elite matou o chefe da observação eleitoral da sociedade civil independente em Gaza, numa rua de Xai-Xai, em plena luz do dia. Era uma mensagem clara de intimidação à observação independente.

A Frelimo sempre foi muito descentralizada. A mensagem da liderança era simplesmente “devemos vencer a todo custo”, cabendo, às bases decidir o que fazer e como fazê-lo. E como as eleições locais mostraram, esta mensagem era interpretada de maneira diferente em cada lugar. Mas a diferença desta vez foi uma aparente segunda ordem superior, pedindo uma melhor organização a nível local e “goleada” nas eleições.

A Frelimo está a ganhar por uma grande margem, e a tomada de decisões e acções descentralizadas torna muito difícil avaliar o contributo da fraude. Ontem (17 de Outubro), porém, a União Europeia notou correctamente o “campo de jogo desnivelado” e o “clima de medo”. A nova demonstração de controlo e intimidação, sem dúvida, desempenhou um papel importante na victória “esmagadora”.

Fonte: Jornal A Verdade, Moçambique

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