quarta-feira, 14 de julho de 2021

Livros | O Solilóquio do Rei Leopoldo: Mark Twain dá à tragédia do Estado Livre do Congo com as cores da sátira. Obra-prima.


Abjecto, megalómano e genocida. O regime de terror das sociedades comerciais do rei Leopoldo II da Bélgica, no Congo, na viragem do século xix para o século xx, causou milhões de mortos e deixa uma marca indelével na História como uma das páginas mais negras do colonialismo. A barbárie «civilizadora» despertou a revolta do escritor norte-americano Mark Twain, que, em 1905, publica O Solilóquio do Rei Leopoldo, uma preciosa sátira política, na qual o autor se coloca no papel de Leopoldo II e, através de palavras ácidas e de vitimização, condena veementemente o rei e senhor do Estado Livre do Congo. A obra é agora publicada pela Guerra e Paz, na colecção Livros Negros, que soma qualidade literária a um pendor de controvérsia ou de escândalo, e estará disponível na rede livreira nacional a partir do próximo dia 20 de Julho.
Três, cinco, oito, mesmo 15 milhões. Ainda estão por apurar, e dividem os historiadores, os números relativos às mortes grotescas causadas por Leopoldo II na viragem do século xix para o século xx, no território que, ofensiva e ironicamente, foi denominado «Estado Livre do Congo». Uma área setenta vezes superior à da Bélgica, concedida ao monarca, pela Conferência de Berlim, como propriedade pessoal, com o pretexto de «civilizar» e evangelizar o povo congolês, mas da qual só retirou riqueza e proveito próprio, através da produção de borracha, sob trabalho forçado.

Cedo, aquele morticínio, que não poupou sequer crianças, havia de chocar e revoltar o escritor norte-americano Mark Twain, crítico do racismo e que tanto exaltava a infância como a melhor das fases da vida humana. «A situação actual no Congo é atroz, como mostram as fotografias de crianças cujas mãos foram cortadas.»

A agonia do povo congolês já tinha sido denunciada pela obra imortal de Joseph Conrad, Coração das Trevas, mas a barbárie imposta pelo rei Leopoldo exigia gritos e revolta. É isso que Twain faz em 1905 com a publicação do quase insustentável panfleto satírico O Solilóquio do Rei Leopoldo. No meio de uma batalha das vozes livres da Europa contra a estratégia conspiratória de Leopoldo para impedir que a verdade fosse conhecida, o escritor dá a palavra ao monarca genocida, virando contra a si as suas habituais estratégias de vitimização. Um exemplo claro, provas faltassem, da genialidade do escritor norte-americano.

As reacções não tardaram a surgir e a este monólogo, de uma incisiva sátira política, o também escritor norte-americano Justin Kaplan chamou «a peça de propaganda americana mais eficaz e mais amplamente difundida para a causa da reforma do Congo.» E até o próprio Leopoldo II respondeu à provocação de Mark Twain, enviando uma carta ao editor do panfleto e lançando mesmo um livro a que chamou An Answer to Mark Twain. Mas a exposição dos crimes contra a Humanidade, viria a pressionar o rei belga, que acabou por entregar o Estado Livre do Congo à Bélgica e a alguma lei.

O texto de Mark Twain, pouco conhecido entre a maioria dos leitores, é agora publicada pela Guerra e Paz Editores, numa edição que recupera uma das páginas mais negras da História da África Central e do mundo e levanta questões ainda tão actuais como o racismo, a escravatura e o colonialismo.

O Solilóquio do Rei Leopoldo estará disponível na rede livreira nacional no próximo dia 20 de Julho. O livro pode ainda ser adquirido no site da editora. Além do texto original de Mark Twain, arrancado com raiva, esta edição conta ainda com um texto introdutório, O Coração de Leopoldo, do editor Manuel S. Fonseca.

O Solilóquio do Rei Leopoldo
Mark Twain
Não-Ficção / História
104 páginas · 15x20,5 · 12,00€
Nas livrarias a 20 de Julho
Guerra e Paz, Editores

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