sexta-feira, 1 de setembro de 2017

História brasileira Carlos Lacerda: pensador do jornalismo em ‘A Missão da Imprensa’


Lacerda acreditava que a opinião pública é influenciada pela existência das massas que precisam ser despertadas para a inteligência
Lucas Berlanza Corrêa*
30 jun, 2014
Carlos Lacerda: pensador do jornalismo em ‘A Missão da Imprensa’
O jornalismo, na época de Lacerda, era extremamente amador e despido de uma consciência profissional (Reprodução/Internet)
Aloysio Castelo (2012) considera como a responsabilidade de quem participa ativamente da produção simbólica e informativa, especificamente na imprensa, para com a chamada “opinião pública”, isto é, para com as repercussões de ideias entre as massas. “A opinião pública é influenciada pela existência das massas que precisam ser despertadas para a inteligência, bem como conduzidas para os bons sentimentos”, diz o autor, analisando o pensamento emitido por Lacerda em seus editoriais na Tribuna da Imprensa.

Ele associa essa análise às correntes liberais do século XIX, utilizando autores como Stuart Mill, Tocqueville e José Ortega y Gasset para atribuir ao jornalista o receio daquilo que este último filósofo chamou de “rebelião das massas”. A teoria se refere a uma perigosa padronização dos indivíduos na coletividade, o que os autores liberais e conservadores-liberais entendem como sendo a matriz das diversas formas de totalitarismo, tais como o fascismo e o comunismo.  O “homem-massa”, “definido como solitário, completamente padronizado e possuidor de um sentimento de ódio em relação à superioridade dos outros”, como o define Aloysio, daria vazão à “tirania da opinião e sentimentos dominantes”, na terminologia de Stuart Mill, ou ao que se poderia chamar de ditadura da maioria.

O ideário da Tribuna da Imprensa se dedica, então, a defender instituições sociais, como a família e a escola, de uma forma engajada. Lacerda entendia que os interesses das ideologias totalitárias ameaçam derrubar a independência dessas instâncias comunitárias para produzir o totalitarismo e a padronização do “homem-massa”. Esse é, sem dúvida, um pensamento que faz eco com as ideias das tradições do liberalismo e do conservadorismo – encontrando defesa entre teóricos liberais mais recentes, como Hayek, e na longa tradição de um conservadorismo moderno, construída a partir do irlandês Edmund Burke.

O texto prossegue com críticas à prática jornalística no Brasil de sua época, visto como extremamente amador e despido de uma consciência profissional. As palavras que seguem não podem ser simplesmente descritas em discurso indireto, sem deixarem de extravasar toda a sua intensidade apaixonada:

Mas, por favor, não julguem por aí o jornalismo. Esses não são mais do que aves de luxo do jornalismo. O seu curso faz-se na sala de visitas, lugar em que se pendura o retrato de jornalistas mortos e se põe a mofar os falsos jornalistas vivos; nunca na redação, onde o jornal nasce e renasce todos os dias, com as misérias que lhe são próprias, mas não com essa que vem de fora. O jornalista, quero dizer, o homem que tem a paixão do jornal, e morre como tantos tenho visto, amarrado a um magro salário pelo pobre orgulho de renunciar a outro prazer que não seja o de dar prazer aos outros, privando-se de outro desabafo que não o do leitor, esse é o que o povo define, como por si definiu Rui Barbosa, “ao mesmo tempo um mestre de primeiras letras e um catedrático de democracia em ação, um advogado e um censor, um familiar e um magistrado” (…) “Maior responsabilidade, pois, não pode assumir um homem para consigo, para com o próximo, para com Deus”, concluiu o mesmo Rui, que por sinal nunca foi, a meu ver, maior do que sendo jornalista”. (LACERDA, 1950, p 15)

A visão lacerdista do jornalismo é em torno dessa responsabilidade hercúlea e quase messiânica da divulgação da verdade e da construção da opinião pública, e ele ratifica isso, apoiando-se nas ideias defendidas por Rui Barbosa, o que lhe evidencia a admiração por esse outro personagem da história política brasileira:

“Que atraía o Baiano para o jornalismo? Precisamente a função de ‘despertar no seio do país’ as forças morais, apelar para o poder da consciência, entorpecida, mas talvez ainda não morta, falar a essa intuição de justiça, a essa avidez de sinceridade, a essa simpatia pelo desinteresse, que não se extinguem na índole das nações cristãs”. (LACERDA, 1950, p. 16)

*É aluno da Universidade Federal do Rio de Janeiro, escreve para o Instituto Liberal, parceiro do Opinião e Notícia

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