terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Eu, Psicóloga | Exposição na Bélgica traz roupas de vítimas de estupro para romper mito de 'culpa da mulher'





Em 2016, uma pesquisa do Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que mais de um terço dos brasileiros acredita que "mulheres que se dão ao respeito não são estupradas". No mesmo estudo, 30% disseram que "mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada".

Uma exposição de roupas de vítimas de estupro na Bélgica, porém, contradiz essa lógica. Exibida em Bruxelas, a mostra traz trajes que mulheres e meninas estavam usando no dia em que sofreram a violência sexual e reúne calças e blusas discretas, pijamas e até camisetas largas.

O objetivo dos organizadores é derrubar o "mito teimoso" de que roupas provocativas são um dos motivos que leva a crimes de violência sexual.

A exposição levou o nome de "A culpa é minha?", em referência à pergunta que muitas vítimas se fazem depois de um ataque. Ela reúne 18 conjuntos doados à ONG CAW East Brabant, de apoio às vítimas de violência sexual. Ao lado de cada roupa está um papel, com uma pequena resposta à pergunta: “O que você estava vestindo?”.

À primeira vista, o público fica chocado, porque a exposição é muito visual. Num segundo momento, os visitantes se identificam com as histórias, o que torna o impacto ainda mais forte — contou Delphine.
"O que você percebe imediatamente quando vem aqui: todas as peças são completamente normais, roupas que qualquer um usaria", afirmou Liesbeth Kennes, que faz parte do grupo de apoio a vítimas de estupro CAW East Brabant, organizador da exposição.
O que você nota imediatamente é que são itens normais que qualquer pessoa vestiria, não roupas de látex. Existe até uma camiseta infantil do “My Little Pony”. Esta também é uma dura realidade: a maioria das vítimas de estupro lembra exatamente o que estava vestindo — apontou Liesbeth, à VRT Radio 1. — Algumas vítimas começam a pensar que elas são em parte responsáveis pelo que aconteceu como resultado do que estavam vestindo ou de como se comportavam. Mas só há uma pessoa responsável, uma pessoa que pode prevenir o estupro: o próprio estuprador.


Culpa da vítima

Kennes ressalta que "a culpabilização da vítima" ainda é um problema sério em casos de violência sexual. Ela cita que muitas mulheres se questionam se podem ter sido, de alguma forma, responsáveis pela agressão que sofreram por conta de alguma atitude ou de algo que estavam vestindo.

Em 2015, ela mencionou em uma entrevista a um veículo belga que apenas 10% dos estupros no país eram denunciados para a polícia e que, desses todos, somente um em cada dez resultava em condenação.

"Por trás desses números há pessoas de carne e osso. Mulheres, homens, crianças. Nossa sociedade não incentiva as vítimas a denunciarem ou a falarem abertamente sobre o que passaram", pontuou Kennes.
Eu realmente espero que as pessoas mudem suas visões sobre as vítimas — comentou Delphine Goossens, gerente de projetos do serviço de prevenção de Molenbeek. — O estupro não é sobre sexo, de um cara que não consegue controlar os seus desejos. É sobre poder.
Brasil

E a questão não se restringe à Bélgica. No Brasil, por exemplo, um relatório publicado em dezembro de 2016 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela que 30% dos brasileiros concordam que “a mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada”, e 37% acreditam que “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”. 42% dos homens disseram que "mulheres que se dão ao respeito não são estupradas", enquanto 32% das próprias mulheres acreditam nessa mesma premissa.

É um problema mundial. Nós ouvimos muitas histórias, dizendo que as mulheres "queriam" fazer sexo por causa da roupa que estavam vestindo — disse Delphine. — Espero que a exposição mude a forma como as pessoas pensam sobre o assunto e como conversam com as vítimas.

Outro dado alarmante mostra que no Brasil, estima-se que aconteça um estupro a cada 11 minutos - a subnotificação dos casos também é grande e somente 10% deles são levados à polícia, segundo o Ipea. São 50 mil casos registrados por ano, mas a estimativa é que existam pelo menos 450 mil.
“SÓ HÁ UM RESPONSÁVEL: O ESTUPRADOR”
Enquanto vítimas são acusadas de se vestirem de maneira provocativa ou de andarem sozinhas na rua à noite, Kennes reforça: "Só há uma pessoa responsável, uma pessoa que pode prevenir o estupro: o próprio estuprador".


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