terça-feira, 10 de abril de 2018

Indignações de outros tempos

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4.0 Tecnologia, inovação e empreendedorismo
 
 
  João Pedro Pereira  
No final de 2002, um pequeno grupo de empreendedores lembrou-se de criar uma ferramenta bastante útil chamada Plaxo. Era um serviço online que permitia aos utilizadores manterem uma lista de contactos actualizada. Uma funcionalidade muito importante é que os contactos podiam, se aderissem ao serviço, serem eles próprios a actualizar a respectiva informação, partilhando-a com quem quisessem. Tudo isto sem custos para a maioria dos utilizadores – assumindo que, quando se pensa em custo de um serviço, se pensa em dinheiro.
Poucos anos depois, o Plaxo começou a granjear críticas na imprensa especializada. Vale a pena citar uma passagem de um daqueles artigos, para vermos o quanto subiu nos últimos anos a fasquia daquilo que provoca indignação:
(...) o Plaxo assusta-me. Há várias razões para isto. Em primeiro lugar, sempre que tenho um pedido do Plaxo de alguém a querer a minha informação, a mensagem diz-me quantos pedidos do Plaxo já recebi antes; já tenho 50 pedidos. Isto significa que o Plaxo está a registar meticulosamente a quem envia emails. O que me faz sentir que o Plaxo me anda a seguir. (...)
Antes de dar ao Plaxo a minha informação para que a guarde nos seus computadores, gostava de saber quais são os planos específicos da empresa para dar lucro, e como é que a minha informação encaixa nesses planos.
O que o Plaxo fazia na altura não serviria hoje para meio tweet de indignação. Hoje sabemos que empresas como o Facebook e o Google seguem o que fazemos – online e (tanto quanto possível) também fora da Internet, recolhendo muito mais informação do que aquele antigo serviço.
Este pequeno exercício de arqueologia tecnológica demonstra que a ideia de trocar privacidade por comodidade não é um conceito original de Mark Zuckerberg (que esta terça-feira vai depor no Congresso americano), nem de nenhuma das redes sociais em voga. Aliás, naquele grupo de empreendedores que criou o Plaxo estava Sean Parker. Parker é também um dos co-fundadores do Napster (a famosa rede de partilha de música) e foi uma espécie de mentor de Zuckerberg nos primeiros tempos do Facebook. Foi ele quem arranjou os primeiros investidores e foi também o primeiro presidente não executivo da empresa.
Mais de uma década depois, as questões de privacidade e de abuso no uso de dados têm uma dimensão muito maior. Mas os problemas que afectam o Facebook não apareceram agora. Já estavam a germinar antes de a própria rede social ter nascido.

Digno de nota

- “Sou obrigado a escrever aos meus vizinhos sobre a besta. (...) O homem tinha a pele de um baronete, e as nuvens do homem estavam na cabeça." Estas duas frases foram seleccionadas de um princípio de um romance e é possível encontrar na escrita ecos de autores conhecidos (Jorge Luis Borges?). Na verdade, a prosa foi escrita por uma rede neuronal, uma tecnologia de inteligência artificial que é vagamente inspirada no cérebro humano. Ainda há uma boa dose de absurdo naquele texto. Mas o facto de os computadores estarem a tornar-se capazes de tarefas como escrever literatura vai colocar-nos questões sobre como definir a inteligência humana.
- É um episódio que parece remoto, mas no qual vale a pena reflectir: uma reputada instituição académica sul-coreana fez uma parceria com uma fabricante de armas para trabalharem na área da inteligência artificial. A Coreia do Sul já tem armas com potencial de funcionarem autonomamente a defender a fronteira com a Coreia do Norte, o que levanta várias questões éticas (como já foi abordado nesta newsletter). Porém, um grupo de académicos ameaçou boicotar a instituição e a parceria acabou por ser suspensa.
- Os carros do Google Street View estão de volta às ruas e estradas portuguesas. A Karla Pequenino explica aqui o que pode fazer se for apanhado numa imagem ou se uma propriedade sua for fotografada.
4.0 é uma newsletter semanal dedicada a tecnologia, inovação e empreendedorismo. O conteúdo patrocinado nesta newsletter não é responsabilidade do jornalista. Críticas e sugestões podem ser enviadas para jppereira@publico.pt. Espero que continue a acompanhar.


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