As formalidades na tomada de posse deram lugar a uma série de concertos à noite. Marcelo Rebelo de Sousa teve um primeiro dia na Presidência em cheio.
© Global Imagens
E de um dia para o outro a figura da Presidência da República mudou. Não
falamos apenas da troca de cadeiras, simbólica e literal, que marcou o fim de
mandato de Cavaco Silva e o início do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa. O
Presidente mudou. E, com ele, o discurso cansado, até irritado, de que “os
políticos são todos iguais” parece ter sido suspenso por momentos.
Depois de um discurso de 10 páginas na Assembleia da República que escapou
ileso a críticas, quer à Esquerda, quer à Direita, Marcelo Rebelo de Sousa, já
Presidente, cumpriu as tradições esperadas – como o depositar de flores no
Mosteiro dos Jerónimos onde jazem Luiz Vaz de Camões e Vasco da Gama – e fundou
outras tradições.
A celebração da tomada de posse que ontem teve lugar na Praça do Município,
em Lisboa, juntou artistas como José Cid, Paulo de Carvalho, Pedro Abrunhosa ou
David Piçarra. Houve ainda Mariza a cantar ‘A Portuguesa’. Na audiência, cerca
de 300 crianças de escolas da capital.
E Marcelo lá estava. Um avô entre muitos netos. Sentado, com uma boina na
cabeça e manta sobre as pernas - a noite estava fria -, o Presidente da
República distribuiu autógrafos entre os miúdos. No meio de alguns beijos e
afagos, pediu carinhosamente silêncio aos mais novos. Afinal, cantava-se o
Fado.
Outro dos heróis da noite para as crianças foi Anselmo Ralph: um fenómeno
musical que pode escapar a muitos. Certo é que nas rádios e televisões eram bem
audíveis os gritos “de Anselmo! Anselmo”, que, a dada altura, mereceram uma
inovação: “Marcelo! Marcelo”. Não é fácil emprestar o carinho de fãs de um
artista. "O país está bem entregue", disse o cantor. Alguém consegue
imaginar o nome de Cavaco Silva, no ano de 2016, ser cantado com o mesmo vigor?
Os dois mandados de Cavaco Silva a Presidente não foram fáceis. Das
‘guerras’ com José Sócrates ao episódio do Estatuto dos Açores, passando pelos
anos da troika e a recente e demorada formação de Governo socialista, Cavaco
Silva viu a sua popularidade descer a níveis históricos para um
Presidente. Marcelo, por seu lado,
entra em autêntico ‘estado de graça’.
Pelas redes sociais era possível ler comentários de quem assumia que, mesmo
não tendo votado em Marcelo, tinha agora a sensação de ‘ter’ um Presidente. E
Marcelo, que várias vezes salientou o desejo de ser um “Presidente de todos”,
fez questão de estar entre o público. Os artistas que atuaram abraçaram-no. E
no final da noite foi possível vê-lo rodeado de crianças.
E 30 anos depois do lema “Soares é fixe” ter contribuído para construir a
imagem de Mário Soares enquanto homem do povo na Presidência da República,
surge agora Marcelo Rebelo de Sousa com o seu próprio estilo.
Daqui a cinco anos não terá por certo o voto das centenas de crianças que
marcaram presença nos concertos de celebração da tomada de posse. É uma questão
de idade. Mas a imagem de proximidade, com um pequeno toque de ‘pop star’,
perdura na memória deste 9 de março de 2016.
Num país desgastado pelos anos de crise, de críticas aos políticos e de uma
tensão quase palpável entre Esquerda e Direita, Marcelo parece ter escapado
incólume a tudo isto. O futuro ditará o quão difícil será o seu mandato. Mas a
pose de Estado em tom austero de Cavaco Silva foi substituída num ápice.
Marcelo, visivelmente sorridente durante as celebrações da tomada de posse,
dá a ideia de se sentir bem entre quem olha com distanciamento e relativa
desconfiança para os políticos, sejam eles pequenos ou graúdos. Aconteça o que
acontecer, este primeiro dia já lhe deu um trunfo: a tomada de posse de um
Presidente também pode ser uma festa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário