terça-feira, 26 de julho de 2016

Macroscópio – As contas nacionais e as preocupações internacionais. Mais outra leitura para a eternidade

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


Há gráficos que dizem muito. Às vezes quase tudo. O que abre este Macroscópio está na página 46, e última, do relatório de Análise da Execução Orçamental de Junho de 2016 hoje divulgado pela Direcção-Geral do Orçamento. O que este gráfico mostra é uma tendência, em 2015, para ir recuperando as dívidas em atraso, tendência que se inverteu em 2016 para aumentar essas mesmas dívidas. O significado desta inversão de tendência é o centro dasdivergências entre Governo e oposição no dia em que se conheceram as contas públicas do primeiro semestre deste ano. E em que o Presidente da República recebeu os partidos (recebe amanhã os parceiros sociais) num ambiente de alguma tensão política, prenúncio de um Agosto que pode ser mais quente do que este final de Julho está a ser – e não me refiro só às elevadas temperaturas que fazem as delícias de quem está de férias e o desespero de quem está a trabalhar.

Comecemos por isso pela execução orçamental, pois o que se pode estar a passar com as contas públicas é precisamente o ponto de partida do texto que eu mesmo escrevo hoje no Observador, Já vimos este filme. E não acabou bem. Aí noto que “De repente o "optimista irritante" passou a pessimista envergonhado” – uma referência à recente inflexão de discurso de António Costa – explicando depois, que, na minha perspectiva “isso não deveria surpreender quem conhece os alçapões que se podem esconder por trás do discurso da "execução orçamental exemplar". 

No Observador há mais alguns textos que, de uma forma ou outra, referem a actual situação política e que importa referir:
  • A culpa? Fica para o próximo governo de Passos, de Rui Ramos, para quem “Demasiada gente entre os mais pessimistas julga que o pior que nos pode acontecer é repetir 2011: novo resgate, o Passos outra vez. É a maior ilusão. O mundo, a Europa e Portugal não são os mesmos.”
  • A política das sanções ou a sanção das políticas, um texto com que se inicia uma colaboração semanal da CATÓLICA-LISBON – a Faculdade de Economia da Universidade Católica –, escrito pelo seu director, Francisco Veloso. Nela se defende que “As sanções não vão ajudar o país a recuperar a sua situação económica e a resolver o défice. Mas a razão das sanções é penalizar políticas que claramente se desviam dos objetivos do Tratado Orçamental”.
  • Eleições? Costa está preparado, a direita não, onde Alexandre Homem Cristo já analisa o dia seguinte de uma eventual crise, chamando a atenção para os limites da política da direita: “À direita falta construir um projecto reformista que envolva PSD e CDS, porque só com uma coligação maioritária regressarão ao poder. Era bom que Passos Coelho e Assunção Cristas percebessem isso.”
  • Não íamos “virar a página da austeridade”?, de André Azevedo Alves, onde se destacam algumas notícias recentes que mostram que nem todas as contas estarão a ser pagas pela administração pública: “À medida que a demagogia dos propagandistas da esquerda radical que impulsionaram a “geringonça” vai colidindo com a realidade, o “virar de página da austeridade” dará lugar a ainda mais austeridade.”

De outros órgãos de informação, ainda sobre este tema, o meu destaque vai para algumas reflexões que também merecem a vossa atenção. Por exemplo:
  • Perigo! Está a chegar o tempo de Marcelo, de Paulo Baldaia no Diário de Notícias, onde o future director daquele jornal analisa o significado da convocatória dos partidos a Belém: “Vamos voltar a ter um Verão Quente. Politicamente falando, é claro! Já está, aliás, em curso a grande encenação, com meias palavras das principais lideranças, tudo a marcar terreno para a tragédia que pode chegar. Politicamente falando, é claro! E, no meio disto tudo, Marcelo quer auscultar a temperatura, tentando perceber se vai haver mortos e feridos. Politicamente falando, é claro!”
  • A inutilidade da instabilidade, de Tiago Freire no Jornal de Negócios, onde faz um apelo às diferentes esquerdas: “É preciso mais juízo. É preciso que os partidos à esquerda do PS entendam que não podem fazer de cada Orçamento do Estado uma "wishlist" vinculativa para o país. É preciso que o PS saiba resistir, impondo como limite a razoabilidade e as durezas da matemática. E é preciso que o Governo escute as vozes da Europa (...) e perceber que guerras valerá a pena comprar.”
  • Ficção política, de Vital Moreira no blogue Causa Nossa onde, a propósito de um cenário em que o PCP e o Bloco entrassem para um governo liderado pelo OS é lapidar: “Mesmo que cada um desses partidos aceitasse colaborar com o PS num governo comum (o que é muito problemático...), já nenhum deles concebe compartilhar com o outro uma mesa de conselho de ministros num "ménage a trois" com o PS. Imaginar um ministro do BE ao lado de um ministro do PCP pertence à ordem da ficção política.”
  • A popularidade de Marcelo tem um objetivo claro, de Ricardo Costa no Expresso desta semana (paywall), onde se regressa ao papel que o Presidente pode vir a ter: “A popularidade do Presidente tem, neste caso, um objetivo claro: o Presidente acha que cedo ou tarde vai ter de atuar em condições muito difíceis e num quadro de grande divisão política e partidária. Nesse contexto, impossível de antecipar com precisão, Marcelo quer ter uma popularidade à prova de bala e desligada dos partidos. É esse o seu objetivo e é isso que o move de forma tão constante.”

Mas deixemos a política e a economia doméstica para incluir algumas referências (por enquanto apenas retiradas da imprensa portuguesa) aos temas internacionais que nos têm atormentado, com destaque para os diferentes atentados (ou simples incidentes) dos últimos dias. Começo por António Barreto, que no Diário de Notícias agrega diferentes crises para nos falar do que considera ser A pior crise. Notou ele, a propósito dos recentes atentados, que “É talvez, desde o fim da Segunda Guerra, a maior e a pior crise da Europa. E estamos longe de ver o seu termo. Lentamente, o terrorismo alastra e procura novos alvos e novos sítios, com diversidade de meios e de métodos. Organizado ou espontâneo, mas quase sempre islâmico. Os povos europeus, de todas as crenças e origens, começam a ter receio. E começam a comportar-se como tal. Não há nada pior do que um povo com medo.”

No Expresso diário, Henrique Raposo defende que O multiculturalismo está morto, evitemos o nacionalismo (paywall). Em concreto: “Ainda vamos ter de lidar durante muito tempo com os problemas criados por este apartheid progressista que recusava a integração do Muçulmano, mas a raiz do mal está a secar. O tribalismo antiocidental, que levou a esquerda a apoiar ou ignorar o islamismo misógino e homofóbico, está a morrer. Agora há que evitar que o pêndulo deslize para o gémeo siamês do multiculturalismo, o nacionalismo.”


Deixei para o fim algo de completamente diferente, porventura mais próprio de dias com muitas horas livres para ler: a reedição pela Relógio d’Água do romance de Marcel Proust Em Busca do Tempo Perdido, nada menos do que sete volumes. O que faz alguém escrever tanto? E o que leva tantos a continuar esses sete volumes mais de 100 anos passados? E que motivações pode ter uma editora para julgar que ainda encontra – em Portugal! – leitores suficientes para mais uma reedição? Se alguma destas perguntas lhe ocorreu, então leia o especial do Observador O que faz de “Em Busca do Tempo Perdido” um clássico? Nele Miguel Tamen, Luísa Costa Gomes e Jorge Almeida procuram a necessária resposta em três textos de que deixo breves passagens:
  • Miguel Támen: “O teste para saber aquilo que nos interessa, num livro ou numa pessoa, não é a informação fidedigna que coligimos a seu respeito mas aquilo de que nos iremos lembrar a propósito de outras coisas. Naturalmente pessoas diferentes lembram-se de coisas diferentes; no romance de Proust porém só poucas pessoas se lembram da história; e menos ainda se lembram da história toda. (…) Muita gente confundirá lembranças, aliás como a personagem principal confunde pessoas; ou perceberá que duas memórias diferentes se referem afinal à mesma pessoa. (…) E no entanto qualquer leitor descobre que, mais filosofia menos filosofia, o que se mostra no livro é que as nossas memórias não são de fiar: são parte do “erro perpétuo a que se chama vida.”
  • Luísa Costa Gomes: “Mas volto a Proust sempre, porque as descrições são extraordinárias, e aquelas tias (mas aqueles salões, as conversas nos salões!…) e a linguagem banha tudo, transforma tudo, empapa tudo, e o que se me impõe é apenas o fantasma de um homem fechado num quarto e em si próprio, a escrever.”
  • Jorge Almeida: “Um dos muitos méritos pelos quais Em Busca do Tempo Perdido é um romance que deve ser louvado como poucos é o de mostrar que quem tem apenas ‘uma visão sobre a vida’, seja optimista ou pessimista, é sempre cego e que essa cegueira não se deve somente a problemas de ordem física ou intelectual, mas também à existência de um defeito moral a que Proust chama ‘cobardia’.”

Serão sete volumes dose a mais mesmo para umas férias longas, como as que já não há? Não sei. Mas ler, como sempre se advogou no Mocroscópio, é das melhores partes na vida. Tenham por isso um bom descanso e, com reforçadas razões, boas leituras.

 
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