segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

O Menino Jesus é traído e abandonado

 

Dentro do processo de autodemolição da Igreja, a Sagrada Família foi neste último Natal recusada e humilhada

  • Luis Dufaur

No Natal de 2020, a data certamente foi comemorada pela Corte Celeste diante do Santo Presépio, cujas relíquias podem ser veneradas na Basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma. Porém devemos preparar-nos para uma dolorosa realidade, se procurarmos saber quantos fiéis ainda vivos nesta Terra acompanharam os festejos da Corte Celeste na Basílica; nas centenas de igrejas romanas; na própria Basílica de São Pedro; e também nos incontáveis templos católicos em todos os países.

Uma realidade histórica se repete

Numa noite gélida na Terra Santa, a Sagrada Família foi recusada com uma frieza quase criminosa. Só lhe restaram uma gruta e um estábulo com alguns animais

Em Belém, há mais de dois mil anos, o próprio Deus veio a nós como um Menino, Príncipe da Paz e Redentor da humanidade. Ele veio também para revelar as cogitações de muitos corações, conforme prenunciou o profeta Simeão: “Eis que este menino está destinado a ser uma causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações” (Lc 2, 34-35).

Assim foi desde o primeiro instante da existência do Menino Jesus. Em Belém ninguém se interessou pela humildade, nobreza e virtude de Nossa Senhora e São José, num momento em que estava próximo o aguardado nascimento do nosso Divino Salvador. Numa noite gélida na Terra Santa, a Sagrada Família foi recusada com uma frieza quase criminosa. Só lhe restaram uma gruta e um estábulo com alguns animais.

Ao longe se divisava Jerusalém, a cidade orgulhosa e sensual. Lá os chefes qualificados do povo hebraico diziam aguardar o Messias prometido. Mas todos estavam longe do presépio, e essa contradição coincidia com os pensamentos de seus corações. Foi o que profetizou Isaías: “O boi conhece o seu proprietário, e o asno o estábulo do seu dono; mas Israel não conhece nada, e meu povo não tem entendimento. Ai da nação pecadora, do povo carregado de crimes, da raça de malfeitores, dos filhos desnaturados! Abandonaram o Senhor, desprezaram o Santo de Israel, e lhe voltaram as costas” (Isaías, 1, 4).

No Templo de Salomão, o Sumo Sacerdote e seus auxiliares foram insensíveis ao acontecimento registrado nas estrelas do céu, discernido com segurança por três reis remotos. Com propriedade, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira ponderou “ser arquitetônico que o Menino Jesus devesse nascer num palácio como o de Herodes, ou em alguma dependência do Templo. O rei deveria ter-lhe cedido seu palácio; e tão logo nascido, deveria ter sido levado ao Templo para adoração de todo o povo de Israel. Nada disso aconteceu. Ele nasceu numa manjedoura, porque fora recusado. Mas Jesus é o centro de tudo. Recusado, Ele recusa; recusando, Ele julga; julgando, Ele divide os homens entre bons e maus. Aos pés do cândido presépio faiscou essa tremenda verdade bíblica”.[i]

No mundo cristão, o que aconteceu?

Do mesmo modo como em Belém, patenteou-se em todo o mundo, neste último Natal, a desolação, o vazio e a recusa com que havia sido repelida a Sagrada Família, quando necessitava de hospedagem na cidade de seu antepassado, o rei Davi. No Natal de 2020, o drama de Belém se repetiu no mundo inteiro.

Em 2020, inúmeros templos e lares ficaram interditados de dar as boas-vindas ao Menino Jesus. O Vaticano fechou as portas da Basílica de São Pedro e preencheu as formalidades com uma cerimônia simples, escudando-se para isso na pandemia que se abate sobre o mundo como um látego de Deus. Em dezembro, o presépio da Praça de São Pedro foi montado com figuras que horrorizaram os fiéis [fotos]. Muitos disseram que as imagens ‘parecem marcianos’, e para outros evocavam ‘os cultos satânicos condenados na Bíblia’. As crianças, sempre atraídas pelas belas figuras tradicionais do presépio, ficaram espantadas com o horror das estátuas. Foi mais uma afronta à Sagrada Família.

Tal simulacro de acolhida evoca a espantosa visão da Beata Isabel Canori Mora no Natal de 1813, já publicada em Catolicismo. Ela teve uma visão de um local inundado de luz, onde inúmeros santos rodeavam um presépio do qual o Menino Jesus docemente a chamava. Descreveu a cena ao seu confessor: “Só de pensar, me causa horror. […] Vi o meu amado Jesus recém-nascido banhado no próprio sangue […], nesse momento compreendi por via intelectual qual era a razão. […] A má conduta de muitos sacerdotes seculares e regulares, de muitas religiosas que não agem segundo o seu estado, a má educação que é dada aos filhos por parte dos pais e mães, como também por aqueles a quem incumbe uma obrigação similar. Estas pessoas, […] tão logo [o espírito de Nosso Senhor] nasce no coração das crianças, fazem-lhe uma perseguição mortal com sua má conduta e maus ensinamentos”.[ii]

Cessados ou reduzidos à mínima expressão os atos de culto ao Menino Jesus e à sua misericordiosa vinda à Terra, os católicos se escandalizam na consideração da dor e das injúrias a Ele causadas na festa do Natal, que deveria ser toda de alegria.

Um órgão executivo máximo da União Europeia impôs severas restrições às cerimônias de Natal e proibiu os cânticos corais, atribuindo à Missa o caráter de ‘danoso superpropagador’ do vírus para a sociedade. Recomendou que os fiéis assistissem emissões online, TV ou rádio. A ingerência laica no Santo Sacrifício da Missa tornou-se mais odiosa ainda, pois impediu a comunhão eucarística. Com tal imposição de um punhado de tecnocratas da União Europeia, foram silenciadas as vozes de 300 milhões de europeus. Foram impedidos de cantar unidos, afogando assim os restos de piedade ainda crepitantes em suas almas.

A Igreja fundada por Jesus Cristo tem sido traída, renegada, humilhada, pelo abandono do Filho de Deus. Essa generalizada não-celebração do Natal de 2020 deve incitar-nos a uma proporcionada reparação e pedido de perdão, acompanhada de um ato de amor que repare essa escandalosa proibição.

Podia-se imaginar recusa pior?

Na Bélgica, o ministro da Saúde Frank Vandenbroucke recusou-se a moderar as proibições dos encontros familiares durante as festividades de Natal. As pessoas sozinhas, em geral idosas, só podiam receber no máximo dois contatos próximos.

Nessa avalanche de atos contra os festejos do Natal em 2020, só nos é possível coletar, para o espaço destinado a este artigo, alguns poucos dentre os numerosos exemplos.

Na Bélgica, o ministro da Saúde Frank Vandenbroucke recusou-se a moderar as proibições dos encontros familiares durante as festividades de Natal. As pessoas sozinhas, em geral idosas, só podiam receber no máximo dois contatos próximos. Nas lojas, os clientes só poderiam permanecer durante 30 minutos; restaurantes e locais de festa foram proibidos. Cada lar só podia convidar uma pessoa. A polícia podia intervir nas casas, caso ouvisse ruídos festivos; as fronteiras dos países vizinhos foram fechadas. O primeiro ministro chamou a isso de ‘festejar um Natal mais íntimo’, mas o jornal Le Figaro definiu muito objetivamente tal atitude como ‘toque de recolher’, que só é praticado na guerra ou por ditaduras militares como as marxistas. Deram como pretexto para isso as medidas antipandemia; porém, muito significativamente, foram autorizados os museus e as piscinas…[iii]

Praça Roemerberg, em Frankfurt, durante as festividades do Natal. Acima em 2019, abaixo 2020…

No mundo atual, com sua odiosa e escancarada autodemolição, não espanta que os bispos belgas tenham acatado tais proibições. Sem negar que elas coarctavam a prática religiosa, sugeriram trocar as missas por cerimônias online (aliás, intrinsecamente inválidas); vetaram os batismos; e imploraram ao governo, como exceção, que os fiéis pudessem visitar os presépios, a título particular. O culto público está impedido até o dia 15 de janeiro. Canonistas julgaram ilegais as normas episcopais, definidas por Dom Athanasius Schneider como próprias de falsos pastores. Em sentido análogo se pronunciaram alguns cardeais e bispos — honrosas, porém isoladas exceções.

Na França — filha primogênita da Igreja — o presidente Macron ordenou o toque de recolher entre as 21 horas e 7 da manhã, suscetível de ser suspenso nas noites dos dias 24 e 31 de dezembro. O primeiro ministro Jean Castex sublinhou que “isso não quer dizer que poderemos comemorar o Natal e o Ano Novo como nos anos precedentes”. Atestados foram exigidos para qualquer movimentação, salvo raras exceções. Foram proibidas até o dia 20 de janeiro as festas tradicionais ou não, em locais públicos, restaurantes e outros locais de alimentação. Desaconselharam albergar membros da família, quando numerosos, e recomendaram limitar os parentes à mesa. De início, só 30 pessoas poderiam assistir simultaneamente a uma missa ou cerimônia. Até a progressista Conferência Episcopal julgou a limitação irrealista e inaplicável; e o Conselho de Estado — a mais alta jurisdição administrativa francesa — ordenou ao presidente suprimi-la. Em Lourdes, onde curas milagrosas reconhecidas pela ciência se contam aos milhares, até o juiz administrativo local julgou inadaptadas e injustificáveis as interdições. Houve em toda a França numerosos protestos diante das igrejas.[iv]

Na Alemanha esse criminoso processo anda muito avançado, e os estados de Baviera, Saxônia e Berlim fecharam as lojas no período natalino, exatamente quando se compram os presentes para alegrar a data. Os demais estados imitaram em graus diversos, enquanto a Chanceler Angela Merkel confessou em lágrimas que poderiam ser os últimos Natais com nossos avós. Só foram toleradas reuniões familiares de até cinco pessoas, fato que o prefeito socialista de Berlim celebrou. O primeiro ministro bávaro fechou lojas, escolas e creches, além de recusar uma suavização dos bloqueios às festas familiares.[v] O Reino Unido proibiu de vez as reuniões de família no Ano Novo.

Exceções que não compensam as proibições

Assim rumaremos à era grandiosa em que o mundo inteiro, como esperamos, celebrará o Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, com toda a devoção e todo o esplendor que Lhe são devidos.

Uma exceção proveio de um país composto por maioria de protestantes e uma quarta parte de católicos. Nos Estados Unidos, a Casa Branca comemorou brilhantemente o Natal, desafiando assim a onda anticristã da mídia e dando um bom exemplo ao público com o encorajamento das festas natalinas. Também nos EUA, em Salem, capital de Oregon, rumoroso protesto popular clamou ‘Queremos Deus’. O bispo limitou o comparecimento às missas a 25% da capacidade da igreja, como se fosse reação suficiente!

Proibições que não são exceções

Como era previsível, por corresponder ao que se sabe e se espera, repetiram-se também na China as proibições. Naquele diabólico reino igualitário, o Partido Comunista proibiu celebrar o Natal, considerado como ópio espiritual; interditou as ceias e cerimônias; ameaçou com punições; mandou que isso fosse substituído pelo estudo da doutrina do Partido. Na grande província de Gansu as árvores de Natal foram removidas até das páginas online, e na Universidade de Shenyang foi proibido até o canto do Stille Nacht.

Merece punição um mundo que recusa o Salvador

A onda universal de dolorosas recusas à comemoração do Natalício de nosso Redentor indica que os flagelos anunciados por Nossa Senhora em Fátima, La Salette e em tantas outras ocasiões podem ter começado a se abater sobre a humanidade, e de momento adquirem a forma de uma pandemia.

Ante o abismo de impiedade que se agigantava, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira costumava implorar a vinda do reino de Cristo por meio de Maria; pois o Menino Jesus veio em Belém por meio da Virgem das virgens, enquanto a Jerusalém orgulhosa recusava seu Salvador. A nossa profissão de Fé por meio do Credo, associada à profissão de nossa confiança em Nossa Senhora, por meio da Salve Rainha, devem ser nosso canal de comunicação com o Céu, para reparar com vigorosa resistência católica as ofensas e ingratidões perpetradas no Natal. Assim rumaremos à era grandiosa em que o mundo inteiro, como esperamos, celebrará o Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, com toda a devoção e todo o esplendor que Lhe são devidos.

Há dor maior que essa recusa?

Um motete que outrora se cantava na Semana Santa parece feito para o Natal de 2020: “Ó vós que andais pelo caminho, parai e vede se há uma dor semelhante à minha dor”. Isaías profetizou com essas palavras a crucifixão de Jesus no Calvário, tendo Sua Mãe a seus pés compartilhando as dores da Redenção. Poder-se-ia aplicar à Sagrada Família, em 2020, essas mesmas palavras: Parai, e vede se há dor igual.

ABIM


[i]) Apontamentos de 24-12-65, sem revisão do autor.

[ii]La mia vita nel Cuore della Trinità — Diario della Beata Elisabetta Canori Mora, sposa e madre, Libreria Editrice Vaticana, 1996, p. 158-160.

[iii]https://www.lefigaro.fr/international/covid-19-en-belgique-noel-sera-plus-intime-20201128

[iv]https://www.lepoint.fr/societe/le-conseil-d-etat-rejette-la-limitation-de-30-personnes-pour-les-ceremonies-religieuses-29-11-2020-2403172_23.php

[v]https://www.elmundo.es/internacional/2020/12/10/5fd26dc3fc6c8357608b4673.html

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