terça-feira, 31 de maio de 2016

Macroscópio – Uma obra-prima para distrair um pouco da actualidade

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

Hoje esta newsletter vai começar de uma forma pouco comum. O tema do dia, a que já iremos, foi a divulgação dos números do INE sobre o crescimento e o investimento, mas de temas por vezes “irritantes” – decidam os leitores pelo optimismo ou pelo pessimismo – temos aberto demasiadas vezes estas mensagens diárias. Por isso vou até ao sul de Itália, até Reggio Calabria, para vos dar conta do tesouro que aí guarda o seu Museu Arqueológico.

Há coincidências, e foi uma coincidência que me convenceu a fazer esta opção. E essa coincidência foi ter sido comentado num jantar com amigos o indispensável que era ver um dia os dois bronzes de Riace, as duas famosas estátuas gregas descobertas em 1972 por um mergulhador amador na baía dessa povoação italiana. Essa descoberta permitiu trazer à superfície duas magníficas esculturas, naquilo que muitos consideram ter sido um dos mais importantes achados arqueológicos do século XX. Poucas horas depois desta conversa encontrei no Wall Street Journal desse mesmo dia uma reportagem, The Riace Bronzes: Warriors Rescued From the Sea. Se antes de ler este artigo – e daquela conversa – já tinha aqueles dois bronzes no topo da lista das obras de arte que um dia gostaria de ver ao vivo, depois ainda fiquei com mais vontade de no futuro o poder fazer. Por isso aqui fica um pouco desse artigo, sublinhando as subtis diferenças entre as duas estátuas:
Warrior A looks off to his right—on the alert, ready for battle, his anatomy taut, breath retracted. The emphatic line running between his pectoral and abdominal muscles and down to the navel, an enduring vestige of archaic linear technique, is thus vertical, while there is a slight convexity to the abdomen’s profile. B, who some consider a later work, represents a counterpoint—and not just in terms of the much simpler treatment of his beard and hair. He reads as a commander after a battle. His body is relaxed as he exhales: hence the conspicuous curve to his pectoral-abdominal line, and the concavity in his abdomen. His head, tilted slightly downward and to his right, indicates a pensive mood, perhaps even weariness, rather than military readiness.

Feita esta espécie de interlúdio, temos de descer à terra e, nesta, aos números hoje revelados pelo Instituto Nacional de Estatística sobre o crescimento e o investimento em Portugal no primeiro trimestre. Houve uma pequena correcção em alta, de uma décima, da medida do crescimento face à anterior estimativa, mas os números mais detalhados revelam uma realidade mais preocupante, que este título sintetiza: INE. Afinal a economia cresceu 0,2% no primeiro trimestre, investimento cai pela primeira vez desde junho de 2013

É com estes números como pano de fundo que recomendo a leitura de alguns dos textos que o Jornal de Negócios reuniu na sua edição de hoje, comemorativa do 13º aniversário do jornal – aproveitando para dar os parabéns a esse jornal, que nasceu no online ainda no final da década de 1990 e só depois evoluiu para o papel. Dos muitos textos desta edição – que procuravam responder à questão O que é que Portugal tem de fazer para não depender da sorte? –, aqui ficam algumas passagens que me pareceram mais merecedoras de uma reflexão:
  • Portugal precisa de não contar com a sorte, de Teodora Cardoso: “Em Portugal, temos oscilado entre as duas posições, mas sempre na fase errada do ciclo: somos otimistas – mais exatamente despreocupados – enquanto tudo corre bem; analisamos riscos e somos obrigados a combatê-los quando o ciclo se inverte. Nessa altura, agravamos o clima depressivo e a ansiedade pelo regresso à anterior despreocupação. Deste modo acentuamos os arranques e as travagens em vez de os suavizar e, se é certo que temos podido contar com uma extraordinária capacidade de adaptação do país a estes solavancos, é já mais do que tempo de reconhecermos que essa escolha política é um tremendo fator de atraso que o país não merece”.
  • Um consenso político que assuma as dificuldades, de João César das Neves “A esmagadora dívida pública e privada actual traça-nos um percurso que pouco depende da sorte. Nos próximos anos é certo e seguro que vamos viver em austeridade e venda de património, até conseguirmos recuperar a nossa independência. A alternativa de revolta e calote, que alguns recomendam, resultaria numa situação com ainda menos sorte, no isolamento, descrédito e caos. Nos próximos anos, portanto, dependeremos pouco da sorte.”
  • O desafio de Portugal no pós-crise, de Subir Lall, que foi chefe da missão do FMI: “A recente dinâmica do crescimento e do desemprego servem para lembrar que continua a ser extremamente importante elevar o potencial de crescimento da economia no longo prazo. E isso só é alcançável com a implementação de reformas estruturais perfeitamente focalizadas na melhoria da competitividade externa da economia e na flexibilidade necessária em todos os membros de uma união monetária. Este é o melhor caminho para o sucesso de Portugal não depender da sorte”.
  • Portugueses têm de sentir que é possível fazer mais e melhor, de António Horta Osório: “Temos de ter como objetivo prioritário crescer mais e subir  significativamente o nível de vida dos portugueses, como fez, por exemplo, a Irlanda. Para isso, é necessário trabalhar mais ou trabalhar melhor (aumentar a produtividade). Costumo dizer à minha equipa que o único sítio onde o "sucesso vem antes do trabalho" é no dicionário. Ao mesmo tempo, o país tem de estimular a concorrência, baixar o peso do Estado e libertar espaço para baixar impostos e estimular a iniciativa privada. E temos de viver dentro das nossas possibilidades para não aumentarmos a dívida para níveis incompatíveis, como aconteceu no passado, o que, como vimos, se traduz inevitavelmente em impostos no futuro.”
  • Sistema bancário - de onde vem e para onde deve ir, de Carlos Costa: “O sistema bancário português não tem um problema de solvência. A sua capitalização aumentou e situa-se hoje em 12,4%, acima dos mínimos prudenciais. Isto depois de ter registado e absorvido imparidades de mais de 30000 milhões de euros no período de 2010 a 2015. Há, no entanto, o risco de termos bancos capitalizados para o volume de negócios que têm, mas com baixa rentabilidade e, por consequência, incapazes de crescer. Esta realidade penaliza o "price to book value", gerando grande vulnerabilidade a ‘takeovers’ e riscos de o sistema bancário nacional ser apanhado num processo de consolidação à escala europeia com elevado desconto”.
  • Portugal depende das decisões que seremos capazes de tomar, de Carlos Moedas: “Conheço bem a dificuldade de consolidar as finanças públicas numa época de fragilidade económica, e sei também que têm sido feitos esforços consideráveis neste domínio. Portugal está inserido numa União Económica e Monetária, com uma política monetária e um Banco Central. É fundamental que seja seguida uma política orçamental responsável, não só para assegurar o cumprimento das regras, mas também, desde logo, para garantir a reputação internacional do nosso país, cuja perda seria catastrófica para a economia real.”

A seguir deixo-vos uma lista, não exaustiva, dos textos escritos para essa edição especial:
Mas se nestes textos, mesmo nos escritos por responsáveis políticos, se nota um forte pendor para tratar os temas da economia, complemento-os com uma sugestão mais política, relativa ao texto que Rui Ramos escreveu hoje no Observador, O presidente, Costa e os outros. Onde defende, por exemplo, que “Não é por acaso que desde Novembro muita gente espera que o PCP e o BE despeguem, senão neste, então no próximo orçamento. Porque isso permitiria ao presidente e a Costa clamar que bem tentaram, mas que esta maioria, com esta composição ou nas actuais proporções, não serve para governar na UE. (…) O problema é que não é claro que o PCP e o BE queiram fazer o favor de sair. Com o actual arranjo, o PCP salvou os seus sindicatos de um declínio irremediável, e voltou a tutelar ministérios (…); o BE aumentou os seus tempos de antena e deu carreiras mediáticas à sua “nomenklatura”. Henrique IV, quando se converteu ao catolicismo para chegar ao trono de França, terá dito que Paris valia bem uma missa. E se o poder, para o PCP e o BE, valer bem a austeridade?

A terminar saio de novo de Portugal para vos introduzir uma polémica que vai dar que falar, estou seguro. Refiro-me à publicação numa das principais revista do FMI de um artigo com um título no mínimo provocatório: Neoliberalism: Oversold?. Artigo que era assim introduzido: “Instead of delivering growth, some neoliberal policies have increased inequality, in turn jeopardizing durable expansion”. O editorial de hoje do Financial Times é bastante crítico desta publicação. Em A misplaced mea culpa for neoliberalism defende-se que “The International Monetary Fund should stick to its knitting and tackle the decline in productivity” mas vai-se mais longe ao atacar directamente a frase que serve de mote ao trabalho: “The word “some” did a lot of work in that sentence. When it came to favoured IMF policies, the authors from the fund’s research department conclude that competition, global free trade, privatisation, foreign direct investment and sound public finances in the vast majority of countries all pass muster. That exonerates most of what passes as neoliberalism. Instead of this vast array of settled good practice, the article calls into question two policies: unfettered international flows of hot money, and excessively rapid efforts to reduce public deficits. None of this navel-gazing is remotely new or innovative.”

Não custa a prever que este trabalho faça correr muito mais tinta, e o Macroscópio continuará atento, mas por hoje despedimo-nos, com o nosso habitual “até amanhã”. A que hoje acrescento um voto especial: o de que possa o maior número dos leitores um dia apreciar, em Reggio Calabria, os portentosos bronzes de Riace.

 
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