segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

“Até à tragédia com o Chapecoense eu estava revoltado com uma escala na Namíbia”

A desgraça do Chapecoense mostrou-nos o outro lado de futebol, que tantas vezes se vê, é verdade. A solidariedade de adversários, com histórias que felizmente os jornais têm contado.
O 4x3x3, o 4x4x2, outro qualquer sistema que tanto gosto de abordar não vão ocupar este espaço, ao contrário do que é costume. E desculpem-me por isso. Hoje quero falar de futebol mas passar ao lado dele. A tragédia que viveu, que vive, o Chapecoense, em resultado da queda de um avião onde seguia uma equipa cheia de sonhos, tocou-me de uma forma especial, como julgo que tocou a muitos milhões de pessoas, ligadas ou não ao futebol. Na realidade, o acidente ganhou uma dimensão tremenda por estar envolvida uma equipa de futebol. Quando começaram a surgir as primeiras notícias, um dos meus filhos ligou-me a dizer que o Rafael Bastos, meu jogador no Cluj, estava entre as vítimas. Mais tarde confirmámos que não, o Rafa, como eu o conhecia, partiu em outubro para os Emirados. Foi uma nota de alívio porque, em casos destes, procuramos sempre a proximidade, surge sempre a preocupação de haver alguém que nos diz algo entre as vítimas. A nota de alívio não me tirou do pensamento a tristeza, o drama, de tantas famílias que viram desaparecer os seus, e não falo apenas das famílias e amigos dos futebolistas, ou dos 20 jornalistas que seguiam em trabalho; falo de todos os que seguiam naquele avião. Também me deixou a pensar sobre os riscos que corremos.
"Nessa viagem, parámos para abastecer na Namíbia, e nenhum de nós gostou daquela escala de uma hora. Foi para abastecer... Ninguém entendeu por que motivo não fomos diretos ao Lesoto, uma vez que o combustível daria para mais meia hora..."
Por exemplo, em África, pelo menos em algumas zonas, há a constante sensação de que algo de errado pode acontecer, mas também há bom senso. Quando ainda estava no Gabão, fizemos uma viagem para o Lesoto. O voo tinha cinco horas e meia de duração, o combustível estava programado para seis horas - sei isto porque, em algumas situações, só nos faltava mesmo fazer o plano de voo. Nessa viagem, parámos para abastecer na Namíbia, e nenhum de nós gostou daquela escala de uma hora. Foi para abastecer... Ninguém entendeu por que motivo não fomos diretos ao Lesoto, uma vez que o combustível daria para mais meia hora... Este recente acidente na Colômbia levou-me toda a revolta que ainda durava de cada vez que recordava essa escala na Namíbia. Ainda bem que houve alguém que teve bom senso.
A desgraça do Chapecoense mostrou-nos o outro lado de futebol, que tantas vezes se vê, é verdade. A solidariedade de adversários, com histórias que felizmente os jornais têm contado - e que nos levam a pensar que o mundo, mesmo o do futebol, tem muito de bom...
Fonte: O Jogo

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