Projeto
revela
pelo menos 78 casais de abutres-pretos a nidificar em Portugal, êxito
reprodutor é ainda relativamente
baixo
Existem
em Portugal 78 a 81 casais nidificantes de abutre-preto, segundo os
últimos dados do projeto LIFE
Aegypius Return.
Destes, sete casais encontram-se já no lado espanhol das colónias,
com ninhos localizados a menos 1000 metros da fronteira. Iniciado há
um ano com o objetivo de consolidar o regresso da espécie, de
estatuto Criticamente em Perigo em Portugal, este projeto reúne
várias entidades e parceiros a trabalhar coordenadamente para a
conservação do abutre-preto.
Em
2022 estimava-se existirem apenas cerca de 40 casais nidificantes em
Portugal; o elevado aumento deste número é fruto de uma apurada
prospeção de novos ninhos, monitorização e coordenação de dados
de várias entidades. O êxito reprodutor é ainda relativamente
baixo, comprometendo a continuidade da espécie a longo prazo. Em 50
crias nascidas este ano, apenas 35-37 foram recrutadas para a
população, um sucesso reprodutor que se cifrou em 0.47. É objetivo
do projeto garantir condições favoráveis à espécie para que, até
2027, este parâmetro aumente para um valor superior a 0.5, ou seja,
que pelo menos metade das posturas resultem num juvenil voador,
recrutado para a população, assegurando a renovação e a
continuidade do efetivo.
População
de abutre-preto distribui-se em quatro colónias
O
abutre-preto é a maior ave de rapina do continente europeu. Com uma
envergadura de quase três metros, esta ave necrófaga detém o
estatuto de Criticamente em Perigo, em Portugal. Após
a sua extinção como espécie reprodutora no país,
na década de 1970, a
espécie estabeleceu o seu primeiro ninho em território nacional em
2010, no Parque Natural do Tejo Internacional. Distribui-se
atualmente em quatro colónias ao longo da fronteira leste com
Espanha. Cada casal reprodutor de abutre-preto põe apenas um ovo. A
eclosão da cria não significa necessariamente que irá sobreviver e
desenvolver-se até se tornar voadora, fase em que se considera que
integra efetivamente a população. Todos estes parâmetros são
detalhadamente monitorizados pelas equipas do projeto, em trabalho de
campo por vezes complexo, uma vez que todas as observações têm de
ser feitas à distância e sem perturbar as aves.
As
equipas de monitorização confirmaram um total de 78 a 81 casais
nidificantes de abutre-preto em 2023, nas quatro colónias
portuguesas, embora, em rigor, sete ninhos se encontrem já do lado
de lá da fronteira, em território espanhol, embora ecologicamente
integrando as colónias portuguesas. Um dos principais marcos do
projeto foi estabelecer uma situação de referência robusta quanto
à reprodução do abutre-preto em Portugal. Os trabalhos permitiram
monitorizar detalhadamente cada uma das quatro colónias atualmente
existentes no país, promovendo a coordenação de esforços entre os
parceiros de projeto, mas também com outras entidades,
cujo contributo é inestimável para a aferição da situação.
Dados
de cada colónia:
Parque
Natural do Douro Internacional: 3 casais, 2 crias recrutadas
Serra
da Malcata: 14 casais, 8 crias recrutadas
Parque
Natural do Tejo Internacional: 44-46 casais, 20-22 crias recrutadas
Herdade
da Contenda: 17-18 casais, 5 crias recrutadas
Parque
Natural do Douro Internacional tem três casais de abutre-preto
A
colónia mais limítrofe, isolada e frágil é a do Parque Natural do
Douro Internacional, monitorizada pela Palombar em colaboração com
a Delegação Regional (DR) do Norte do Instituto de Conservação da
Natureza e Florestas (ICNF). Esta colónia teve este ano, e pela
primeira vez desde o regresso da espécie à região, em 2012, três
casais a nidificar. No entanto, apenas
dois se reproduziram
com êxito.
Oito
crias de abutre-preto voaram com sucesso este ano na Serra da Malcata
A
colónia da Serra da Malcata foi aquela em que se registou um maior
aumento no número de ninhos conhecidos e de casais nidificantes
identificados. No ano passado foram registados dois casais
nidificantes e, este ano, 14, dos quais resultaram oito crias
recrutadas para a população.
Embora
se verifique um efetivo aumento no número de casais nidificantes
nesta colónia, estes resultados demonstram principalmente a
importância da coordenação de esforços de monitorização. Em
2023, os técnicos e vigilantes do ICNF – DR Centro e a Rewilding
Portugal articularam as metodologias de prospeção e monitorização
da espécie na Zona de Proteção Especial (ZPE) da Serra da Malcata,
definidas conjuntamente no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return,
tendo obtido impressionantes resultados. O parceiro Associação
Transumância e Natureza (ATNatureza) reforçou a prospeção de
ninhos noutras regiões potencialmente adequadas à espécie, como,
por exemplo, em Almeida e nos vales dos rios Coa e Águeda.
44
casais de abutre-preto na maior colónia do país, Parque Natural do
Tejo Internacional
O
Tejo Internacional é a região que alberga a maior colónia de
abutre-preto em Portugal, tendo-se este ano registado um total de 44
a 46 casais nidificantes (cinco dos quais localizados do outro lado
da fronteira), o que representa um aumento de mais de uma dezena de
casais nidificantes conhecidos. Nesta colónia foram recrutadas 20 a
22 crias para a população (cinco das quais nascidas nos ninhos em
território espanhol).
Foi
no Tejo Internacional que a espécie estabeleceu o seu primeiro ninho
em território nacional, em 2010. A prospeção de novos ninhos e a
monitorização em 2023 esteve a cargo da Sociedade Portuguesa para o
Estudo das Aves (SPEA) e contou com o precioso apoio da Quercus e dos
vigilantes do ICNF – DR do Centro, que já asseguravam a
monitorização da espécie, desde o seu regresso. A SPEA fez ainda a
prospeção de habitats com condições favoráveis à espécie nas
regiões de Serra de São Mamede, rio Sever, Serra das Talhadas, Vila
Velha de Ródão e Serra de Penha Garcia, no entanto nestas regiões
não se confirmou a nidificação da espécie.
Herdade
da Contenda com 17 casais de abutre-preto
A
Herdade da Contenda, localizada na ZPE de Mourão/Moura/Barrancos,
recebe a colónia mais meridional, e
também registou um aumento no número de ninhos conhecidos e
ocupados
por abutre-preto.
Aqui, os trabalhos de monitorização estão a cargo da Liga para
Protecção da Natureza (LPN), e contam com a colaboração da
Herdade da Contenda, E.M. e os vigilantes do ICNF – DR do Alentejo.
Em 2022, esta colónia registou 10 casais nidificantes, número que
este ano aumentou para 17 a 18 (dos quais, dois já em território
espanhol), e dos quais resultaram 12 posturas e cinco crias voadoras.
Monitorização
do lado espanhol
O
projeto, através do parceiro Fundación Naturaleza y Hombre (FNYH),
está também encarregue pela monitorização da reprodução do
abutre-preto nas ZPE Sierra de Gata y Valle de las Pilas, e Canchos
de Ramiro y Ladronera, em Espanha. No total destas duas áreas foram
contabilizados 157 casais nidificantes que produziram 103 crias
recrutadas para a população.
Na
ZPE Campo
de Azaba, a terceira ZPE em Espanha abrangida pelo projeto, a espécie
não tem nidificação confirmada, mas a FNYH acompanha o número de
abutres-pretos, grifos e outras espécies que se deslocam ao campo de
alimentação para aves necrófagas ali existente.
Monitorização
e marcação de crias no ninho
Durante
o período de nidificação, as equipas de veterinários e biólogos
de entidades parceiras do projeto retiraram momentaneamente do ninho
18 crias de abutre-preto, para recolher amostras
biológicas e analisar a sua condição. Adicionalmente, as crias
foram anilhadas e 15
foram marcadas com emissores GPS,
o que permitirá à equipa fazer o seguimento das aves e analisar
padrões de movimento e dispersão. A informação recebida permite
ainda detetar situações anómalas e, em caso de necessidade,
intervir atempadamente.
As
recolhas de amostras permitem analisar parâmetros biológicos,
toxicológicos, genéticos, entre outros, para aumentar o
conhecimento científico disponível sobre a espécie e melhorar as
ações de conservação ou de cuidado veterinário de que necessita.
Na sequência de uma visita ao ninho, uma cria precisou
de uma intervenção cirúrgica
e de cuidados veterinários no CERAS – Centro de Estudos e
Recuperação de Animais Selvagens, onde esteve em reabilitação até
poder ser devolvido à natureza.
Melhorar
o sucesso reprodutor da espécie
O
significativo aumento do número de casais traz renovada esperança
para o futuro da espécie em Portugal. No entanto, com um sucesso
reprodutor ainda relativamente baixo, os parceiros do projeto estão
empenhados em favorecer o habitat e as condições de nidificação
da espécie. No
terreno, os trabalhos de conservação incluíram já a gestão
florestal de mais de cinco hectares, com vista à prevenção de
incêndios em áreas de ocorrência e nidificação da espécie. A
manutenção de ninhos naturais ou artificiais é também uma das
iniciativas que garante segurança para as aves. Este
ano, mais de dez
ninhos foram alvo de intervenções, alguns com resultados
imediatos
e utilizados por casais, estando planeadas para breve intervenções
adicionais.
“O
primeiro ano do projeto demonstra que estamos no caminho certo, com
um esforço coordenado entre muitas organizações a contribuir para
o conhecimento científico, para a melhoria das condições de
habitat e alimentares para a espécie, reduzindo também as ameaças
a que está sujeita. Queremos consolidar a população de
abutre-preto em Portugal e garantir a sua viabilidade a longo prazo.”
Milene
Matos, coordenadora do projeto LIFE Aegypius Return
Garantir
o futuro da espécie em Portugal
O
projeto inclui ainda uma forte componente de redução de ameaças à
espécie, de onde se destaca o combate anti-veneno, uma vez que os
envenenamentos são a principal causa de morte dos abutres. Neste
âmbito, para além da colaboração com a GNR e o programa
Antídoto,
o projeto pretende apoiar o setor da caça na transição para o uso
de munições sem chumbo. Adicionalmente, a capacitação de agentes
de autoridade e a sensibilização das populações locais é também
um dos objetivos do projeto. O projeto LIFE Aegypius Return,
co-financiado pelo programa LIFE da União Europeia, está a
trabalhar com diferentes setores e entidades para consolidar a
espécie em Portugal, de forma a garantir que o seu estado de
conservação passe de “Criticamente em Perigo” para “Em
Perigo”.
*Milene Matos
LIFE Aegypius Return Project Manager
Vulture Conservation Foundation
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