sexta-feira, 22 de junho de 2018

O mais recente Prémio Camões, Germano Almeida, é também o mais bem humorado

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Ipsilon
 
 
  Vasco Câmara  
A conversa começa com pastéis de nata.
É uma entrevista ao mais recente Prémio Camões, o cabo-verdiano Germano Almeida (O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo, 1989, O Meu Poeta, 1990, Os Dois Irmãos, 1995). Acaba de publicar um livro, O Fiel Defunto, em que protagonista é um escritor que é assassinado no dia em que vai lançar o livro que põe fim a anos de abstinência da escrita. Germano veio a Lisboa apresentar o seu livro (em termos de mise en abyme ficamos por aqui...). Encontrou-se com o nosso Mário Santos. Dos pastéis de nata, a conversa passa a um olhar satírico, pícaro, sobre a profissão, o meio literário ("Se não brincar comigo próprio, não tenho o direito de brincar com os outros"), o prazer e o funcionalismo. Porque o livro é um retrato paródico da instituição literária, da vaidade autoral, das mundanidades político-culturais. Germano, o mais recente escritor lusófono canonizado pelo Prémio Camões, não é só o mais lido e o mais traduzido dos escritores de Cabo Verde. Deve ser, também, o mais bem-humorado - Mário Santos, que o entrevistou, comprova-o. Germano "não se deixou apanhar pela nosso imp(r)udente siso".
Continuamos a ler. Alberto de Lacerda. O poeta nasceu na Ilha de Moçambique em 1928, veio para Lisboa em 1946, em 1951 foi viver para Londres. Passou a vida entre Londres e os EUA, privou com a elite cultural do mundo, viveu pobremente e reuniu um espólio único. Falta conhecê-lo. A antologia Labareda (colecção de poesia da Tinta da China) quer fazer isso, resgatá-lo para as novas gerações e estimular a curiosidade para uma poética e uma vida invulgares. Alberto de Lacerda morreu em 2007.
Isabel Lucas aproxima-se da personagem com testemunhos, memórias de amigos. Avista-o assim: "Há uma imagem que se vai construindo a partir da memória de quem conheceu Alberto de Lacerda: um homem caminha ao longo de uma rua, passo acelerado, levando quase sempre na mão um saco de supermercado cheio de jornais e livros. Na maior parte dos seus dias, a rua era Kings Road, em Chelsea, o bairro londrino de que mais gostava. Mas muitas vezes também foi a Commonwelth Avenue, a maior rua de Boston, cidade onde viveu e deu aulas na universidade. Um dia, no início dos anos 60, escorregou e caiu numa rua estreita de Lisboa, cidade onde viveu pouco tempo. Ou seja, esse homem coxeia." António Guerreiro completa o olhar no texto Um Esteticismo Exasperado. "Esta antologia tem um título, Labareda, que ilustra bem como a poesia de Alberto de Lacerda se situa do lado da transparência do sentimento em estado superlativo, do lado de um patético que está sempre a transbordar e não se contém nos limites do equilíbrio e do rigor formais."
Duas outras grandes histórias, dois grandes discos neste suplemento que, na edição impressa, tem 40 páginas:
Kids See Ghosts, a funda marca fraternal de dois amigos, Kanye West Kid Cudi, dando as mãos com força para não caírem. "Enfim, dois brothers in arms a voltarem ao estúdio para tentarem retomar a sua arte enquanto lutam com os seus demónios e fantasmas". Chama-se Kids See Ghosts por isso... mas é também pela forma (continuamos a citar o texto de Francisco Noronha) "de os dois humildemente reconhecerem, depois de os termos ouvido a fazer gala da sua megalomania (sobretudo West, claro), a sua imensa pequenez".
Oneohtrix Point NeverAge Of: "Parece estar aqui", escrevere Pedro Gomes, "toda a inteligência e informação, mais ou menos artificial, da Internet, e uma tentativa de a sincretizar junto com todos os seus interstícios, dentro de uma esfera esteticamente intimista (sempre em aglutinação) do universo Oneohtrix Point Never" - que é Daniel Lopatin. "É um trabalho cristalino de um enorme, e gloriosamente orquestrado, desamparo e desespero. Ele não está bem de alma; é gritante. Reflecte a dificuldade em estar aqui e agora nas grandes metrópoles do Ocidente". Oneohtrix Point Never tem o coração desfeito.
Atenção ao novo espectáculo dos Teatro Praga, o mundo em colapso: Jângal (de 26 de Junho a 1 de Julho) põe Gisela João a falar com uma cobra de igual para igual.
Aqui a polémica entrevista que nos concedeu António-Pedro Vasconcelos, cineasta cuja obra está a ser mostrada num ciclo da Cinemateca. "Polémica" não é exagero, o realizador diz que o seu cinema nunca foi desligado da realidade - ao contrário do cinema português... -, e que se há filmes políticos não são nem os de Pedro Costa, nem os de Miguel Gomes, nem os de Marco Martins... são os dele.
Às salas chega Spell Reel, ano e meio depois de viagens por festivais de todo o mundo, realizado por Filipa César, a investigadora das imagens perdidas. "O diálogo que abre com a história, de Portugal e da Guiné e de África e do colonialismo, é vital", escreve Jorge Mourinha.
O título pode parecer enigmático - "Os edifícios de José Adrião não levam ponto final" - mas este território em que a arquitectura, o civismo e a poesia se ajudam é o do arquitecto que recebeu o Prémio FAD Cidade e Paisagem pelo projecto de requalificação da Alameda Manuel Ricardo Espírito Santo, em Benfica. Desenhar uma praça numa cidade é o sonho de qualquer arquitecto. Desenhar uma praça em Lisboa debaixo de um viaduto não é para qualquer um. Conheçam-no, num retrato construído com empatia por Isabel Salema.

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