sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Mundo Segundo deu tudo o que tem às margens do Douro

Edmundo Silva, mais conhecido por Mundo Segundo, é, atualmente, um dos nomes mais incontornáveis do hip hop português. No passado dia 3 de Agosto, deixou todas as suas palavras no palco do Festival das Francesinhas, em Peso da Régua.
“Margens do Douro”, “Era uma vez” e “Nada dura para sempre” foram algumas das músicas que fizeram o público reguense vibrar. Na companhia de Maze Macaia, o artista gaiense marcou presença na segunda noite do festival num concerto que agradou a todas as faixas etárias.
Horas antes do concerto, Mundo Segundo deu uma entrevista ao Jornal Mira Online, onde falou um pouco do seu percurso profissional e artístico.
Fotografia: André Henriques ©Deck97
Costumas adaptar os teus concertos ao tipo de público que tens à frente ou à cidade a que vais atuar?
Há um conjunto de músicas que são a espinha dorsal do concerto. Quando é um público especificamente só de hip hop, por exemplo, o concerto leva algumas músicas para além das de um concerto que não é só para pessoas dessa cultura. No fundo, os concertos divergem ligeiramente consoante o público, mas há uma espinha dorsal que reside em todos os concertos.
Referiste diversas vezes que começaste a fazer rap devido a uma perda que tiveste na tua vida. É mais fácil expressar-nos através da escrita? Achas que isso é uma coisa comum a todos os músicos?
Sim, acho que sim. No meu caso, eu era um adolescente muito introspetivo, não era muito de conversar sobre os problemas que tinha e as palavras ajudaram-me a exteriorizar e a aliviar-me um pouco através da poesia.
Acabas por exteriorizar coisas mas, ao mesmo tempo, também chegas mais facilmente ao coração das pessoas que também já enfrentaram situações semelhantes?
Sim. As experiências são comuns a todos os seres humanos. Em alturas diferentes da vida, todos passamos mais ou menos pelo mesmo com alguma nuance consoante as vidas que cada um leva. Mas, sem dúvida, tudo o que são sentimentos e experiências atinge muito mais rápido as pessoas que se sentem identificadas.
Ao longo destes 20 anos de carreira notas uma diferença positiva na forma como as pessoas recebem o hip hop?
Sim, sem dúvida. Quando comecei éramos, como se costuma dizer, “meia dúzia de gatos pingados” e, hoje em dia, a qualquer lado que vás ouve-se hip hop. Mesmo na terra mais interior do país de certeza que há duas ou três pessoas que fazem e ouvem hip hop. E, por exemplo, há uns quinze anos atrás tu tinhas dois ou três sítios que abriam as portas ao hip hop. Hoje, o hip hop está em todo o lado: nos festivais, nas festas da terra. Por isso, sim, existe uma grande diferença, assim como no número de pessoas que o ouvem que é muito maior.
Porque é que achas que, hoje em dia, as pessoas são mais recetivas ao hip hop?
Sem presunção, eu acho que a culpa é nossa. Nós fomos desbravando o caminho, fazendo com que as pessoas percebessem que fazer rap na língua de Camões era credível e acho que isso foi um passo importante também para a música portuguesa. Porque o hip hop feito em português reavivou a língua portuguesa e, hoje, tu vês muitos grupos de rock que, se calhar, estavam a cantar em inglês e agora já cantam em português e eu sei que isso foi 90% culpa do hip hop. Acho que o facto de cantarmos em português faz com que as pessoas respeitem mais o hip hop.
O rap é um estilo muito característico. A nível mais técnico, que cuidados tens com a voz?
Há dez anos não tinha cuidado nenhum (risos). Fumava muito, dormia pouco... Hoje em dia, tenho alguns cuidados. Por exemplo, não beber coisas frescas, não apanhar frio, dormir bem, porque a voz precisa de descansar. Aquecer um pouco antes de entrar em palco. É preciso sempre ter algum cuidado.
Tu já trabalhaste com os Dealema e, entretanto, em 2006, lanças o teu álbum individual. Aprendes mais a trabalhar sozinho ou em equipa?
É diferente. Num projeto a solo, tu és a única pessoa que conduz. Num projeto com mais pessoas és só um pedaço do motor, digamos assim. E eu tanto sei trabalhar sozinho como ser parte de uma equipa. Adapto-me bem aos estilos e métodos de trabalho das outras pessoas, mas são experiências totalmente diferentes. Gosto muito das duas.
Numa época em que se produz tanta música, na tua opinião, o que é que tu tens que faz de ti um dos nomes mais incontornáveis do hip hop português?
Acho que não tenho nada de mais especial que os outros. Acho que a única diferença, se calhar, é que eu não tento ser ninguém que não sou. Eu sou só eu e não tento seguir uma tendência. Desde o início, sempre tentei definir o meu estilo, seguir a minha linha, os meus ideais e viver a minha realidade. Hoje em dia, há muitas pessoas que vivem de uma realidade inventada. E eu acho que o princípio de seres original é seres tu próprio e não teres que querer ser igual para seres aceite, porque esse é o princípio de marcar a diferença. O “seres tu” é o mais importante neste meio.
Ou seja, enquanto produzes a tua música não pensas tanto no que é que as pessoas querem ouvir mas no que é teu e no que queres transmitir...
Sim. Desde o início, e até hoje, eu faço música para mim. Por acaso tive sorte porque o resto das pessoas gostaram. Mas sempre que vou para o estúdio e vou escrever alguma coisa e produzir, eu produzo para o meu gosto e não porque alguém vai gostar. Se fores uma pessoa que tem conhecimentos e que percebe a arte, a tua auto-crítica e o filtrares o que achas que é mau e bom  já te dá um certo nível. Acho que é importante seres tu próprio a filtrar o que é que é bom para ti e, depois, os outros gostarem, ainda melhor (risos).
Qual é a tua maior “Obsessão”?
Criar. Ser criativo.
Consideras-te um “Anjo ou Demónio”?
Considero-me os dois (risos).
O que é que “Tu Não Sabes”?
Se serei sempre criativo.
Depois de Mundo Segundo, houve ainda espaço para HMB e Fingertips no festival que decorres de 2 a 5 de Agosto.
Fotografia: André Henriques ©Deck97

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