segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Abusos sexuais na Igreja: as conclusões da comissão independente

Pedro Strecht, presidente da comissão independente, começou por referir que foram recebidos 512 testemunhos validados, com base nos quais foi possível identificar "um número mínimo" de 4.815 vítimas.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica divulga esta manhã as conclusões do trabalho realizado ao longo de 2022 e que resultou na recolha de centenas de testemunhos de vítimas. O documento foi entregue este domingo à Conferência Episcopal Portuguesa.
No primeiro relatório do género divulgado em Portugal, admite-se que terá havido “no mínimo” 4.415 vítimas de abusos sexuais na Igreja.
A apresentação do documento teve início com Pedro Strecht, que preside à comissão independente. O pedopsiquiatra começou por prestar um tributo e homenagem sincera pelas vítimas dos abusos" que “são muito mais do que números ou estatísticas” e avançou que foram recebidos 512 testemunhos validados, dos quais 25 casos foram enviados para o Ministério Público.
Com estas denúncias foi possível identificar "um número mínimo" de 4.815 vítimas, explicou Pedro Strech, sublinhando que não é possível definir a quantidade dos crimes "porque a maioria das crianças foi abusada mais do que uma vez".
A comissão independente recebeu mais de 600 queixas e 96% dos abusadores são do sexo masculino. As queixas são provenientes em especial de território nacional, em especial de cinco distritos: Lisboa, Porto, Braga, Santarém e Leiria.
A maioria dos abusos aconteceu em seminários e colégios e a idade média das vítimas é 52 anos, a maioria são do sexo masculino.
Pedro Strecht referiu que 48% das vítimas que falaram à comissão sobre os abusos de que foram vítimas, fizeram-na pela primeira vez.

Para estes abusadores "não basta um acompanhamento espiritual"
Daniel Sampaio, psiquiatra e membro da comissão independente, considerou de seguida que os resultados do estudo mostram que há uma prevalência de casos de abusos sexuais contra crianças, e que esse flagelo não se limita ao seio da Igreja Católica.
Os "números são muito impressionantes", disse Daniel Sampaio, acrescentando que no caso da Igreja, a prevalência é maior contra raparigas.
"O tratamento mais importante dos abusadores é uma justiça célere e eficaz (…) Precisamos de fazer uma denúncia destas situações para que a justiça possa atuar", afirmou o psiquiatra.
"O tratamento pode ser através de psicofármacos, mas é preciso uma psicoterapia intensiva", explicou Daniel Sampaio.
"Para estas pessoas abusadoras não basta um acompanhamento espiritual. É fundamental no seio da Igreja, mas estas pessoas têm de ser tratadas do ponto de vista psicológico", referiu.

Maioria das vítimas tinha entre 10 e 14 anos
As décadas de 1960, 70 e 80 do século XX foram as que registaram um maior número de casos de abuso sexual no seio da Igreja em Portugal, concluiu a Comissão Independente.
Segundo a socióloga e investigadora Ana Nunes de Almeida, 52,7% das vítimas são homens, 47,2% são mulheres e 88,5% são residentes em Portugal continental, principalmente nos distritos de Lisboa, Porto, Braga Setúbal e Leiria, "mas os abusos estão espalhados por todos o país".
Dos abusados, 53% continuam a afirmar-se católicos e 25,8% são católicos praticantes. A percentagem de licenciados é de 32,4%, enquanto 12,9% são pós-graduados.
Quanto ao tipo de abusos, os homens sofreram principalmente "sexo anal, manipulação de órgãos sexuais e masturbação", enquanto as mulheres sofreram, na maior parte dos casos, de "insinuação".
Ainda segundo os dados apresentados por Ana Nunes de Almeida, os locais onde a maior parte dos abusos ocorreu foi nos seminários (23%), na igreja, em diversos locais, inclusive no altar (18,8%), no confessionário (14,3%), na casa paroquial (12,9%) e em escolas católicas (6,9%).
Os abusados que deram os seus testemunhos, na altura dos abusos residiam com os pais (58,6%), 1/5 estavam institucionalizados, enquanto 7,8% pertenciam a famílias monoparentais.
Os abusos ocorreram principalmente entre os 10 e os 14 anos de idade (a média era de 11,2 anos, sendo de 11,7 no caso dos rapazes e de 10,5 no das raparigas).
Por outro lado, 57,2% foram abusados mais do que uma vez, e 27,5% referiram que o caso dos abusos de que foram vítimas durante mais de um ano.
No caso dos rapazes, um padre foi o abusador em 77% dos casos.
Reação da Conferência Episcopal Portuguesa marcada para esta tarde
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica começou a receber testemunhos em 11 de janeiro do ano passado.
Os casos de abusos sexuais revelados ao longo de 2022 abalaram a Igreja e a própria sociedade portuguesa, à imagem do que tinha ocorrido com iniciativas similares em outros países, com alegados casos de encobrimento pela hierarquia religiosa a motivarem pedidos de desculpa, num ano em que a Igreja se vê agora envolvida também em controvérsia, com a organização da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa.
Hoje será conhecida a primeira reação da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), presidida pelo bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, e para 3 de março foi já convocada uma assembleia plenária extraordinária da CEP para analisar o relatório.
Liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, a comissão independente é ainda constituída pelo psiquiatra Daniel Sampaio, pelo antigo ministro da Justiça e juiz conselheiro jubilado Álvaro Laborinho Lúcio, pela socióloga e investigadora Ana Nunes de Almeida, pela assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares e pela cineasta Catarina Vasconcelos.

SIC Notícias
Imagem: TSF

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