Nas sociedades modernas os avanços biotecnológicos são amplamente escrutinados procurando-se sempre lograr um equilíbrio entre os benefícios médico-científicos e as incertezas éticas e legais que acarretam. O Direito, enquanto última instância crítica da comunidade, não se furta a esta tarefa oferecendo um enquadramento legal e doutrinal à inovação científica. Perante a crescente necessidade de recolha, tratamento e conservação de amostras biológicas humanas em infraestruturas dedicadas à investigação científica e/ou à prestação de cuidados de saúde, tornou-se premente definir regras desta atividade designada por Biobanco.
O termo que se tornou comum no seio da comunidade médica e científica, corresponde ao conceito legal de “banco de produtos biológicos”, que nos termos da lei portuguesa (Lei n.º 12/2005 de 26 de Janeiro), designa qualquer repositório de amostras biológicas ou seus derivados, com ou sem tempo delimitado de armazenamento, quer utilize colheita prospetiva ou material previamente colhido, quer tenha sido obtido como componente da prestação de cuidados de saúde de rotina, quer em programas de rastreio, quer para investigação, e que inclua amostras que sejam identificadas, identificáveis, anonimizadas ou anónimas. Atualmente, para constituir um biobanco é necessária uma autorização prévia de entidade credenciada pelo departamento responsável pela tutela da saúde, bem como ainda, para o perfeito preenchimento dos requisitos legais, de um parecer favorável de uma Comissão de Ética. Os biobancos em território português devem ser constituídos apenas com a finalidade da prestação de cuidados de saúde, incluindo o diagnóstico e a prevenção de doenças, ou de investigação básica ou aplicada à saúde. Sendo expressamente proibida a recolha, armazenamento de material biológico não anonimizado por parte de entidades com fins comerciais.
É provável que uma parte considerável de cidadãos seja titular de uma amostra biológica, seja ela de sangue, urina, tecido, saliva ou de outro tipo, conservada num dos biobancos em atividade em Portugal. São exemplos: o Biobanco-iMM, fundado em 2012, enquadrado nas atividades do Centro Académico de Medicina de Lisboa (CAML), congrega amostras biológicas (provenientes de biopsias, cirurgias, colheitas de sangue, etc) que são doadas voluntariamente com autorização dos titulares para preservação e uso futuro em investigação biomédica. Outro exemplo, o biobanco do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), fundado em 1995, com o propósito de facilitar a investigação dos determinantes da saúde humana em áreas como a diabetes, doenças cardiovasculares, doenças reumáticas e cancro ou obesidade e perturbações do comportamento, com centenas de milhares de amostras biológicas de diversas tipologias. Já em 2017, foi constituído o Biobanco da Universidade da Beira Interior (UBI), uma ferramenta idealizada para perceber como atuar na identificação e combate aos problemas de saúde típicos da região da Beira Interior, agregando na sua coleção além de amostras biológicas humanas, amostras de origem animal e ambiental. Por fim, o mais importante consórcio nacional nesta área, no qual participa a Universidade de Coimbra, o Biobanco.pt é uma infraestrutura de investigação biomédica, que tem por objetivo maximizar colaborações científicas nacionais e internacionais baseadas no uso de amostras biológicas humanas e respetiva informação clínica.
Desde cedo o legislador português entendeu por legítima a imposição de deveres de proteção especiais para a atividade de investigação científica desenvolvida com recurso a amostras biológicas e dados associados (como sejam os dados de saúde ou de estilo de vida dos titulares das amostras biológicas). Por isto mesmo, a regulação da atividade de biobanco em Portugal espelha esse esforço de garantia de que a investigação científica em saúde humana é realizada de forma transparente, de acordo com os mais exigentes princípios ético-legais. Não obstante, a ciência jurídica deverá prosseguir neste esforço de acompanhamento da evolução das biotecnologias, oferecendo enquadramento regulatório a todas as fases do biobanco, desde a colheita, processamento, análise, disponibilização e utilização, armazenamento e destruição de células e tecidos de origem humana, promovendo assim a excelência e credibilidade das ciências biomédicas, sem descurar a proteção da sociedade e do indivíduo.
Andreia da Costa Andrade
Investigadora Associada do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
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