sábado, 22 de julho de 2017

EUA, ESTADO DAS GUERRAS

Nicolas J. S. Davies [*]

Cada país destruído ou desestabilizado pela ação militar dos EUA é agora terreno fértil para o terrorismo.

Este é o estado de guerra nos Estados Unidos em julho de 2017.

A campanha de bombardeamentos dos EUA no Iraque e na Síria tornou-se a mais severa desde os bombardeamentos do Vietname, Camboja e Laos nos anos 1960-70, com 84 mil bombas e mísseis lançados entre 2014 e no final de maio de 2017. Quase o triplo das 29.200 bombas e mísseis lançados no Iraque na campanha "Choque e Pavor" ("Shock and Awe") de 2003.

A administração Obama procedeu à escalada de bombardeamentos em outubro passado, quando se iniciou o assalto americano-iraquiano a Mossul, sendo lançadas 12 290 bombas e mísseis entre outubro e o final de Janeiro quando Presidente Obama deixou o cargo. A administração de Trump agravou ainda mais a campanha, lançando 14 965 bombas e mísseis desde o primeiro dia de fevereiro. Maio pode vir a ser o mês de mais intensos bombardeamentos, com 4 374 bombas e mísseis lançados.

O grupo de monitorização Airwars.org, baseado no Reino Unido, elaborou relatórios em que entre 12 mil e 18 mil civis foram mortos durante quase três anos de bombardeamento norte-americano no Iraque e na Síria. Estes relatórios só podem ser a ponta do iceberg, o verdadeiro número de civis mortos pode muito bem ultrapassar os 100 mil, com base na relação típica entre mortes relatadas e mortes reais em anteriores zonas de guerra.
Com os EUA e os seus aliados sitiados em Mossul, no Iraque, e Raqqa, na Síria, e como forças dos EUA agora ocupam oito bases militares na Síria, o Estado Islâmico e seus aliados têm ripostado em Manchester e Londres; ocuparam Marawi, uma cidade de 200 mil habitantes nas Filipinas, e fizeram explodir um enorme caminhão bomba dentro das fortificações da "Zona verde" em Cabul, no Afeganistão.

O que começou em 2001 como um mal direcionado uso da força militar para punir um grupo de jihadistas anteriormente apoiado pelos EUA no Afeganistão pelos crimes do 11 de setembro, agravou-se numa guerra assimétrica global. Cada país destruído ou desestabilizado pela ação militar dos EUA agora é um terreno fértil para o terrorismo. Seria tolice acreditar que isto não pode piorar muito, muito, desde que ambos os lados continuam a justificar as suas próprias escaladas de violência como respostas para a violência de seus inimigos, em vez de tentar desintensificar a atual violência global e caos.

De novo estão presentes 10 mil soldados americanos no Afeganistão, acima dos 8 500 em abril, com relatórios que apontam para mais quatro mil poderem ser enviados em breve. Centenas de milhares de afegãos foram mortos em 15 anos de guerra, mas os Talibãs controlam agora mais partes do país que em qualquer momento desde a invasão dos EUA em 2001.

Os EUA estão a dar um suporte vital à guerra que a Arábia Saudita conduz no Iémen, apoiando o bloqueio dos portos iemenitas, fornecendo informações estratégicas e reabastecimento aéreo para a aviação militar da Arábia Saudita e aliados que têm bombardeado o Iémen desde 2015. Relatórios da ONU apontam para 10 mil civis mortos, certamente apenas uma fração do verdadeiro número de mortos e dos outros milhares que morreram de doenças e fome.

O Iémen enfrenta uma crise humanitária e uma intensa epidemia de cólera, devido à falta água limpa e de medicamentos causada pelo bombardeio e o bloqueio. A ONU está a alertar para o facto de milhões de iemenitas poderem morrer de fome e doenças. Um projeto de lei do Senado para restringir algumas vendas de armas dos EUA para a Arábia Saudita foi em junho derrotado por 53 votos (48 republicanos e 5 democratas) contra 47.

Mais perto de casa, o comando Sul (SOUTHCOM) dos EUA organizou recentemente uma conferência com os presidentes da Guatemala, Honduras e El Salvador em Miami. A reunião apontou para uma maior militarização da guerra dos EUA contra as drogas na América Central e os esforços para limitar a imigração desses países, mesmo que um relatório do inspetor-geral do Departamento de Justiça considerasse agentes do Departamento de Estado e do Drug Enforcement Administration (DEA) responsáveis pela morte de quatro civis inocentes (um homem, duas mulheres e um rapaz de 14 anos de idade) por fogo de metralhadora de um helicóptero do Departamento de Estado próximo de Ahuas em Honduras em 2012.

O Relatório do inspetor-geral detetou que funcionários da DEA repetidamente mentiram ao Congresso sobre este incidente, fingindo que os hondurenhos foram mortos num tiroteio com traficantes de drogas, o que levanta sérias dúvidas acerca da prestação de contas da escalada de operações paramilitares dos EUA na América Central.

Os protestos da oposição de direita na Venezuela tornaram-se mais violentos, com 99 pessoas mortas desde abril, dado que as manifestações não conseguiram mobilizar o apoio popular suficiente para derrubar o governo de esquerda de Nicolas Maduro. Os EUA apoiam a oposição de direita e conduzem esforços diplomáticos para forçar o governo a demitir-se. Há portanto o perigo de que tudo isto se possa transformar numa guerra civil apoiada pelos EUA.

Enquanto isto na Colômbia, esquadrões da morte de direita estão mais uma vez a operar em áreas onde as FARC depuseram as armas, matando e ameaçando pessoas para as expulsar das terras cobiçadas pelos proprietários ricos.

Pairando sobre nosso mundo cada vez mais devastado pela guerra há renovadas ameaças dos EUA de uma ação militar contra a Coreia do Norte e o Irão. Ambos têm defesas mais robustas que quaisquer outras que os EUA tenham encontrado desde a guerra no Vietname. O aumento das tensões com a Rússia e a China constituem riscos ainda maiores, até mesmo perigos para a existência da espécie humana, como simbolizado pelo Boletim dos Cientistas Atómicos, Doomsday Clock, nos ponteiros do relóagio que agora estão em dois minutos e meio para a meia-noite.

Embora as guerras dos EUA após o 11 de setembro provavelmente tenham matado pelo menos 2 milhões de pessoas nos países atacados, ocupados ou desestabilizados, as forças dos EUA sofreram um número de baixas historicamente pequeno nessas operações. Há um perigo real de que isso tenha dado aos líderes políticos e militares dos EUA, e em certa medida ao público norte-americano, uma falsa sensação acerca do nível das baixas dos EUA e outras consequências graves que devem ser previstas, dado que a liderança dos Estados Unidos procede a escaladas nas guerras atuais e estão a ser feitas novas ameaças contra o Irão e a Coreia do Norte e incitado o aumento das tensões com a Rússia e a China.



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