domingo, 25 de novembro de 2018

Convém não esquecer | A garantia dos direitos e a solidariedade


Perante o interesse do artigo que se segue, independentemente da data da sua publicação, continua actualíssimo, como tal pensamos que os nossos leitores vão apreciá-lo de novo, quiçá, muitos nem sequer o leram ou dele têm memória.
(NR)

É um princípio aceite que, não existindo a real separação de poderes que ilumina o constitucionalismo, nem a garantia dos direitos de várias gerações que foram sendo consagrados, não existe de facto uma Constituição. 
Por tudo, a garantia dos direitos é uma função essencial, e por isso também reveste várias formas nos textos fundamentais. Naturalmente, num Estado de direito, a primeira garantia é confiada à lei, de constitucionalidade fiscalizada, por vezes, como entre nós, dispondo de um Tribunal especialmente responsável, que é o Tribunal Constitucional. 
Se tivermos em conta que por isso as leis necessitam de ser claras e inteligíveis, é necessário compreender que a dimensão, força, e complexidade da legislação, de todas as espécies, que aflige o entendimento dos cidadãos e a capacidade técnica dos agentes responsáveis, não fortalece a confiança dos cidadãos nos aparelhos de governo. 
A garantia dos direitos pelos juízes, que é outro aspecto daquela vigência efectiva que as determinações constitucionais esperam, não parece muito reconhecida na convicção dos cidadãos, sobretudo dos que esperam tempos incontáveis por decisões que demoram e desesperam.
Qualquer especialista, e muitos o têm feito, pode, longamente, e com memória, tentar ajudar a opinião pública a compreender a situação da justiça, uma tarefa cívica de esclarecimento do eleitorado em tempo de eleições, mas nenhum poderá facilmente organizar uma doutrina de pacificação para o embaraço em que vive a sociedade respeitadora dos poderes e das instituições. 
A falha da confiança na justiça reduz necessariamente as visíveis dificuldades de funcionamento do sistema, mas tal justiça feita à Justiça não melhora a condição da sociedade civil mal servida. Porque a questão agrava-se, e ultrapassa, como aconteceu frequentemente na história dos países, a questão de a situação real não ser a pressuposta pelas leis, designadamente pela falta de recursos da sociedade e do Estado, sem ou com imputação de culpas a responsáveis pela gestão política, pela vigência do credo de mercado sem regras, pelas dependências criadas por uma globalização sem governança. 
Nesse caso, que na ordem internacional criou o direito-dever de intervenção, nem sempre usado com prudência, é obrigatório para os responsáveis estaduais enfrentar o imprevisto pelos seus programas aprovados, assumindo porém que tais factos necessariamente não suspendem o dever político e prudência de enfrentar com equilíbrio os desafios. 
É dificilmente aceitável que, como acontece na gravíssima crise económica e financeira que agora apenas tem início, os sinais, já muito sérios, da crise social crescente, designadamente o desemprego desesperante daqueles para quem o trabalho é também um direito, da degradação crescente do Estado social cujo efeito não é remediável com reformas constitucionais, sejam lidos com tranquilidade a respeito da paz social, ainda quando o mito do pacifismo do povo português é invocado como segurança da paz civil. 
A fronteira da pobreza que ultrapassou o Mediterrâneo, o crescente número de idosos dependentes, de pessoas carentes, de abandonados, e, muito relevantemente, de jovens sem futuro visível, fazem da solidariedade uma das ideias-força do direito contemporâneo, e, antes disso, um elemento do tecido social que socorre a debilidade mas não a deficiente visão do Estado. 
Antes do acolhimento pelas leis, tal solidariedade é um componente essencial do património imaterial de um povo com história, e com valores não atingidos pelo relativismo dissolvente dos ocidentais. 
Esta reserva está a ser chamada a um exercício extraordinário, não apenas por dever cívico, não apenas pela obediência a valores de crenças, também pela Declaração Universal dos Deveres Humanos, proposta pelo Inter-Action Council, em 1 de Setembro de 1997 à ONU, um trabalho assente "na sabedoria de líderes religiosos e de saberes acumulados ao longo dos tempos".
Autor: Dr. Adriano Moreira
Fonte: DN, 31-05-11

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