quarta-feira, 29 de junho de 2016

UE. PAI TIRANO

Mariana Mortágua* - Jornal de Notícias, opinião

Durante os últimos anos Portugal foi o "bom aluno" da Comissão Europeia. A submissão, que tanto humilhou o país, foi mesmo exibida com orgulho. Era a marca do Governo de PSD/CDS. Foi em nome dessa obediência, e dos benefícios que nos traria no futuro, que o país passou em viver em permanente estado de exceção. A Constituição foi atropelada, assim como os salários, o emprego, o Estado social e mesmo a nossa dignidade. Foi um vale tudo para que Portugal passasse a pertencer ao "quadro de honra" da UE. Um prémio para o país que obedece, que se conforma, que não questiona. O filho obediente de um pai cada vez mais tirano.
Mas a Europa para que o país olhava com esperança já não existe. As prioridades já não são - se é que alguma vez foram - o Estado social, a cooperação e o desenvolvimento. Sem entendimento possível, a política europeia assenta nos mínimos denominadores comuns: a obsessão pelo défice e a urgência de estancar a vaga de refugiados, mesmo que isso implique deixar milhões de pessoas à sua sorte, dependentes do regime turco, a quem se pagou para que fizessem o trabalhinho sujo que a UE sabe mas não quer fazer. Afinal, é preciso lembrar que ganharam o Nobel da Paz há uns anos. Há que manter a imagem.

A UE tornou-se numa aberração. As suas instituições estão hoje dominadas por uma estranha combinação de eurocratas agarrados ao poder, Estados autoritários e interesses financeiros. Crise após crise, esta fortaleza cerra fileiras sobre si mesma, protege-se de qualquer forma de escrutínio popular e tenta, das formas mais violentas, preservar a sua própria existência. A UE já só existe para si mesma.

Portugal está prestes a ser castigado pelo mesmo pai tirano que tanto tentou agradar. Se a Comissão sancionar o país pelo desempenho das contas entre 2013 e 2015, ou seja, pela aplicação das políticas que ela própria determinou, então é porque perdeu a noção da sua credibilidade, da necessidade de mínimos de aceitação popular, de gestão política e de autocrítica. Se forem aplicadas sanções apenas para mostrar quem manda, então é porque só sobra mesmo a tirania.

O Bloco sempre defendeu que cada passo deste processo de integração deveria ter sido referendado. O Tratado Orçamental ainda não é Tratado Europeu, mas será. Se é consensual - do presidente da República ao Parlamento - que as sanções são inaceitáveis, então, se forem aplicadas, é justo perguntar ao nosso país se aceita ou não o Tratado que as impõe. Contra a tirania temos o direito e o dever de responder com democracia.

*Deputada do BE

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