terça-feira, 23 de agosto de 2016

Cabo Verde. REVER A ATUAÇÃO POLICIAL

Expresso das Ilhas, editorial
A Segurança em Cabo Verde e, em particular na Capital, consti­tui um problema sério que deverá merecer do novo Governo medi­das urgentes. Quase todos os fins­-de-semana há registos de desaca­tos e mortos em assaltos, em guer­ras de gang ou em encontros com a polícia. Homicídios acontecem com uma frequência preocupante. Assaltos com utilização de armas de fogo passaram a ser o mais co­mum. Tem-se a impressão de que ataques dirigidos aos polícias com intenção de morte aumentam. O número de armas a circular desde as artesanais às mais sofisticadas é cada vez maior, indiciando cres­cente procura para compra das mesmas. A falta de cooperação das populações, se não mesmo hostilidade das pessoas em rela­ção à polícia torna o combate con­tra o crime ainda mais difícil. O acontecimento do fim-de-semana passado em São Pedro na cidade da Praia é paradigmático do que se nota em outros momentos em vários outros pontos do país. Dis­paros são feitos contra policiais, há uma resposta policial robusta, feridos são levados ao hospital, a população reage e desenvolve-se uma tensão entre a população e as forcas policiais que mina a con­fiança e diminui as possibilidades de cooperação para a manutenção de ordem e tranquilidade pública nas comunidades suburbanas.

O Governo já anunciou que vai avançar com a videovigilância no âmbito de um programa chama­do Cidade Segura e com a polícia municipal na luta contra as incivi­lidades. Poderão ser medidas sen­síveis que em articulação com ou­tras mais compreensivas tragam mais eficácia para a acção policial. As respostas, porém, quase nun­ca são simplesmente de natureza tecnológica, mas fundamental­mente de natureza organizacio­nal, de cultura institucional e de capacidade técnico-operacional para responder à complexidade dos problemas. Por outro lado, a experiência de outros países têm demonstrado que o restabeleci­mento da confiança na relação com as comunidades nos bairros periféricos das cidades deve ser um dos grandes objectivos a atin­gir para que, de facto, se consiga resultados duradoiros na preven­ção e na luta contra o crime.

As informações que são avan­çadas na página da Polícia Na­cional na internet revelam que a PN continua com as práticas an­teriores de, nos bairros, parar e revistar “stop and frisk” particu­larmente os jovens. São práticas que têm lugar no quadro das polí­ticas chamadas de tolerância zero e de “broken windows” e cujos resultados são hoje muito contes­tados. Não provam que realmen­te fizeram diminuir o crime, mas constata-se que aumentaram as denúncias de violência policial, os casos de descriminação (profiling) e também os sinais de degradação da relação com as comunidades. Os métodos militarizados das uni­dades tácticas da polícia envolvi­das nessas operações podem ser efectivas numa resposta pontual ao crime, mas não são os melho­res para desenvolver a relação de confiança que a polícia precisa de­senvolver com as comunidades. A proximidade das populações tem que ser feita de outra forma para que o objectivo fundamental de se ter ordem e tranquilidade pública seja atingido e reforçado nas pes­soas o sentimento de segurança.

Nos Estados Unidos, onde essa doutrina policial de tolerância zero surgiu e foi aplicada em vá­rias cidades a começar por Nova Iorque desde dos anos noventa, há anos que tem sido revista e em alguns casos completamente descartada. Os resultados mis­tos obtidos com a sua aplicação acabaram por revelar suas insu­ficiências e o seu lado negativo de discriminação social e racial e também da alienação das popula­ções que a polícia devia proteger. A última investigação feita pelo Departamento de Justiça à polí­cia da cidade de Baltimore divul­gada na semana passada trouxe a público com particular acuidade os problemas graves de violência policial, os efeitos nocivos da cres­cente militarização da polícia e as consequências do distanciamen­to das comunidades. Os recentes ataques a polícias em várias ci­dades, transformados em alvo a abater, constituíram um sinal de alerta de que se deve proceder a mudanças urgentes na actuação da polícia.

Também em Cabo Verde, em que o crime continua a aumen­tar, a sensação de insegurança é cada vez maior e até polícias são alvos de assaltos e de agressões a tiro, impõe-se que se reveja com urgência as práticas policiais. Cla­ramente que não estão a resultar, pelo contrário, tendem a provocar uma escalada de violência entre a polícia e os gangs ficando a po­pulação no meio sem segurança e sem confiança que a situação irá melhorar. As mudanças na polí­cia não podem ficar só pela troca de pessoas nas chefias. Há que mudar de atitude, de estratégia e da forma como se relaciona com o público e se utilizam os meios postos à disposição. Ponto assen­te é que não se pode deixar tudo na mesma e esperar que alguma coisa mude.

*Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 768 de 17 de Agosto de 2016

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