quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Pedido do Papa sobre cinzas dos mortos divide católicos

Documento do Vaticano dá indicações para que cinzas sejam guardadas em locais sagrados. Sacerdotes dizem ser uma orientação em tempos de excessos ou uma decisão pessoal
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Poucos dias depois de o pai ser cremado, quando a chuva deu tréguas, Maria reuniu a família mais próxima para lançar as suas cinzas ao vento, num pinhal perto do sítio onde nasceu e onde tinha uma casa. "Jamais deixaria de cumprir o desejo do meu pai", diz ao DN. Mário morreu em 2012, aos 62 anos, vítima de doença prolongada. Era católico e teve um funeral católico. "Era uma pessoa muito prática e não queria uma romaria para o cemitério. Falava disso com clareza. Não tinha medo de morrer."
De acordo com as orientações publicadas ontem pelo Vaticano, as cinzas dos defuntos não devem ser dispersas na natureza ou guardadas em casa. O documento elaborado pela Congregação para a Doutrina da Fé, e aprovado pelo Papa Francisco, dá instruções claras para que as cinzas dos defuntos sejam conservadas num local sagrado, como o cemitério, e para que não seja permitida a sua dispersão "no ar, na terra ou na água". Segundo o texto, pode mesmo ser negado o funeral religioso ao defunto, se este desejar a dispersão das cinzas na natureza "por razões contrárias à fé cristã".

"A Igreja continua a preferir a sepultura dos corpos, uma vez que assim se evidencia uma estima maior pelos defuntos; todavia, a cremação não é proibida", lê-se no documento. As cinzas "devem ser conservadas, por norma, num lugar sagrado, isto é, no cemitério ou, se for o caso, numa igreja" ou outro local destinado a esse efeito. "A conservação das cinzas em casa não é consentida", nem a sua divisão entre "vários núcleos familiares". Também não é "permitida a dispersão das cinzas no ar, na terra ou na água ou, ainda, em qualquer outro lugar", nem a sua conservação em peças de joalharia.

O padre Vítor Feytor Pinto explica que este documento é uma "instrução sobre sepultura e cremação" e surge numa altura em que "há vários excessos". Orientações que classifica como "muito interessantes". "A Igreja quer respeito pelos mortos", afirma. Deitar as cinzas ao ar, por exemplo, "dá a sensação de que se está a rasgar a relação com a pessoa que morreu" e é importante "manter a comunhão dos vivos com os mortos". Guardar as cinzas em casa também é uma prática "estranha". Para Feytor Pinto, o documento servirá para "prevenir desvios, erros que tiram sentido à relação com os que partem". Daqui em diante, prossegue, as pessoas "vão ser orientadas sobre como devem agir. Isto são orientações, não são proibições".

Já o padre Carreira das Neves não vê qualquer problema na dispersão das cinzas. "Tanto me faz que sejam lançadas ao mar como não. É uma questão pessoal", justifica, ressalvando que o mais importante é que haja "respeito pelas mesmas". Pessoalmente, não vê "qualquer problema" se forem guardadas em casa, mas admite que, "a nível psicológico", isso possa ter implicações para a família. O documento prevê que, "em casos de circunstâncias gravosas e excecionais", possa ser autorizada a conservação das cinzas em casa. Carreira das Neves diz que essas exceções estão relacionadas com questões culturais.

Aumentam cremações
Em Portugal existem cerca de 20 crematórios, diz Carlos Almeida, presidente da Associação Nacional de Empresas Lutuosas, destacando que houve um "crescimento exponencial" das cremações nos últimos 20 anos. Em Lisboa, 53% dos óbitos (entre 12 e 14 mil por ano) "resultam em cremação". E metade ou mais, sublinha, faz dispersão das cinzas na natureza. "São "romantismos", uma homenagem que se faz ao defunto. As pessoas devem ter liberdade para escolher", diz.
Ana, católica praticante, guarda há um ano as cinzas da mãe num vaso ecológico que será colocado na terra onde esta cresceu. "Ela não gostava de cemitérios. E adorava plantas." Conserva-o no quarto, enquanto resolve questões legais para depositar o vaso no local escolhido. "Não me faz confusão. Sinto que está próxima de mim."
DN


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