sábado, 2 de setembro de 2017

Eleições 2017: Fraude como "modus operandi" não é surpresa em Angola, diz investigadora


ENTREVISTA

É a opinião de Paula Roque, que considera que Angola nunca teve eleições livres, justas e transparentes.

Depois da Convergência Ampla de Salvação de Angola-Coligação Eleitoral (CASA-CE), o Partido de renovação Social (PRS) admitiu, esta terça-feira (29.08), impugnar os resultados das eleições.

"Com certeza da nossa parte poderemos mesmo impugnar os resultados dessas eleições. Se não houver correção e demonstrações de como os resultados apareceram não estamos em condições de reconhecer esses resultados", afirmou Benedito Daniel, presidente do PRS.

A UNITA já anunciou também que não considera válidos os resultados e apelou à CNE que cesse a divulgação dos mesmos. A oposição efetua uma contagem paralela dos votos.

Assim, Angola está em fase de transição, mas uma transição que está em suspense. O país aguarda os resultados definitivos das eleições gerais de 23 de agosto – que, para já, atribuem a vitória de 61% ao MPLA. A UNITA obteve 26,72%, a CASA-CE 9,5% e o PRS 1,33% dos votos.

Em entrevista, a investigadora independente Paula Roque não descarta a hipótese de fraude nas eleições.

DW África: Os resultados provisórios dão a vitória a João Lourenço com 61%. Mas a oposição contesta, principalmente a forma como os resultados foram apurados e efetua uma contagem paralela. O que acha das críticas da oposição?

Paula Roque (PR): Eu acho que em Angola nunca houve eleições livres, justas e transparentes. Houve sempre irregularidades, por isso, não me surpreende que a fraude continue a ser o "modus operandi” para estas eleições. Isto não quer dizer que eu ache que o MPLA teria naturalmente perdido estas eleições.

Acho que o MPLA tem um grupo muito forte de apoio dentro de Angola, mas também revela que já não tem o poder hegemónico que tinha. Tanto a UNITA como a CASA-CE conseguiram, de facto, tirar muito apoio ao MPLA, mesmo dentro de Luanda, que sempre foi a parte mais forte do seu eleitorado. Isto deixa Angola numa situação muito complicada e, provavelmente, numa crise pós-eleitoral – que queremos que seja resolvida de forma pacífica.

DW África: Que conclusões é que podemos tirar dos resultados, até agora divulgados, que dão a vitória ao MPLA, com 61% - mas com queda na votação – e o crescimento nos votos da oposição, nomeadamente UNITA e CASA-CE?

PR: Estas eleições revelam duas coisas. Em primeiro lugar, revelam que a oposição ganhou muitos apoiantes. A UNITA saiu do pós-guerra muito enfraquecida, mas conseguiu nestes últimos 15 anos quase uma identidade nova, conseguiu redefinir-se politicamente, o que foi muito importante. A CASA-CE também emergiu como uma terceira opção. E o apoio que estas duas forças da oposição revela é que a sociedade angolana quer mudança.

O MPLA não conseguiu convencer a população angolana que ia haver de facto uma mudança. Neste caso, que ia haver continuidade de um sistema de governação que não estava a conseguir dar resposta às necessidades reais que a população angolana tem.

Em segundo lugar, estas eleições também demonstram a forma pouco preparada do MPLA para lidar com os resultados. Qualquer equívoco que há em relação à credibilidade e legitimidade dos resultados, em relação às atas síntese ou a outro qualquer elemento de contagem dos resultados mostra que, de facto, o partido no poder não só não estava à espera destes resultados, mas também não conseguiu legitimar as fontes dos seus resultados.

DW África: Perante uma nova figura na presidência de Angola, que impacto tem a manutenção de José Eduardo dos Santos na liderança do MPLA?

PR: Eu acho que ele (José Eduardo dos Santos) vai ter poder para definir a política de Angola. O rumo político de Angola foi definido unicamente, especialmente depois de 2002, e com algumas exceções de tecnocratas, pela visão do Presidente José Eduardo dos Santos. Angola vai ter, provavelmente, dois polos de governação. Se João Lourenço quiser fazer algumas reformas vai ter de assumir o poder da presidência que tem. Porém, vai só conseguir fazê-lo com a autorização do MPLA que está sob controlo de José Eduardo dos Santos. Por isso, João Lourenço vai ter algumas limitações no poder real que irá herdar.

DW África: Quais são os principais desafios do próximo Presidente de Angola?

PR: Como vemos em Cabinda e nas Lundas, Angola continua com populações que não se revêem na governação e Luanda, com populações que vêem os seus recursos naturais a serem usados de forma a reprimi-las e a mantê-las na pobreza. Essas são questões reais que têm de ser lidadas seriamente e de forma estrutural.

Angola tem uma realidade dualista: por um lado, temos uma elite política muito rica e depois temos uma maioria da população que ainda tem graves problemas em termos de saúde, educação habitação. E esta polaridade tem de ser lidada. Tem de se criar emprego.

Angola é um país muito securitizado, ou seja, o aparelho de segurança tem vários papéis: político, económico, estabilizador, partidário – e não deveria ser. Temos na Presidência, com a Guarda Presidencial e outros elementos sob controlo da Casa Militar, um exército paralelo. Temos três serviços de informação que também não estão a ser os mais eficientes. Os serviços de informação em Angola são partidários e não o deviam ser.

As Forças Armadas Angolanas têm de ser reformadas, pois têm várias fragilidades. Têm de ser reformadas a todos os níveis, especialmente para não serem politizadas nem veículos de enriquecimento das elites.

Outra área é as instituições do Estado que terão de ser reformadas em termos de melhoria de capacidade e de funcionar efetivamente para o que foram legalmente instituídas. No sentido de [por exemplo], a Presidência, Casa Civil não deviam ser informalmente estruturas que definem a governação e a política do país, desde a política económica até à política externa. Deviam ser os ministérios e o próprio Chefe do Executivo com o apoio e supervisão da legislatura.

A presidência de João Lourenço vai encontrar obstáculos gravíssimos, especialmente em relação à economia e em termos de segurança. A região da África Central e, em particular, os dois Congos [República Democrática do Congo e República do Congo] estão a enfrentar implosões políticas muito perigosas para a segurança nacional de Angola. Ou seja, o momento atual para Angola tem muitas fragilidades.

Glória Sousa | Deutsche Welle

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