quinta-feira, 25 de abril de 2019

OPINIÃO | Liberdade e determinismo



Joaquim Carlos*
Todos os seres humanos desejam, mais ou menos, a riqueza, o poder e a saúde; aspiram vivamente a ser amados, ter vida longa, gozar de repouso bem ganho. Contudo, cederiam de bom grado um ou todos estes privilégios se, por esse sacrifício, pudessem obter a liberdade. 
Precisa-se ter descido muito baixo, por vontade própria ou à força, na escala dos valores humanos, para aceitar a submissão total a um homem ou grupo de homens. Esta necessidade de liberdade é tão profunda, tão imperiosa, que não só o ser humano consente enormes sacrifícios para a satisfazer mas até nunca alcança, quaisquer que sejam os seus esforços e êxitos, considerar-se satisfeito com o grau de liberdade de que goza. 
Por toda a parte e sempre é obcecado pela ideia que não pode fazer absolutamente tudo o que quer. Está sob o peso de constrangimentos; uns aceitados porque são irresistíveis, outros suportados a praguejar porque não parecem impostos a todos indiscriminadamente.
Por exemplo, aceitemos as leis da Física porque são universais e a sua violação arrasta contrariedades, sofrimentos e até a morte. Além disto, a observância destas leis é tão imperiosa para o rei como para o mais baixo dos seus escravos ou o mais infeliz dos seus prisioneiros. Em contrapartida, não aceitamos trabalhar quando os outros descansam, aborrecer-nos quando os outros se divertem, ficar em casa quando os outros viajam ou pagar a preço elevado o que os outros obtém de graça. 
Mesmo sem sermos completamente livres, pretendemos gozar de um grau de liberdade igual ao dos nossos vizinhos o que, à falta de melhor, satisfaz pelo menos a nossa necessidade de justiça. Ora, esta necessidade extraordinária de liberdade formula vários problemas. Examinemos os dois primeiros.
O primeiro é saber se esta necessidade incomprimível de fazer o que se queira poderá conciliar-se com a não menos imperiosa necessidade da obediência e da disciplina. O problema não é muito debatido quando formulado a respeito das crianças. Para os adultos, o problemas é muito mais delicado. Ao chegar à idade adulta, pensa-se que cada um pode conduzir-se sem mais entraves, segundo a vontade pessoal. Até chegam a gostar de ter bastante liberdade para exercer o direito e o poder de fazer o que queiram, quando queiram e como queiram. Toda a disciplina torna-se então um atentado contra a liberdade individual.
Contudo ninguém ousaria admitir e defender uma tal definição de liberdade. Não só esta concepção é praticamente inaplicável mas nem poderia obter o nosso assentimento íntimo. Sentimos bem que o nosso ser corpóreo deve agir segundo certas leis inscritas em nós e cuja transgressão provocaria consequências dolorosas. Esta lei íntima é a consciência moral que nos adverte da existência de certas coisas que precisamos não praticar e de outras que precisamos em absoluto fazer para conservarmos a nossa dignidade humana, o respeito individual, a estima dos outros e a aprovação divina, - principalmente os que nela acreditam.
Parece-nos que é sob este ângulo que convém encarar a consciência moral. Fomos criados por Deus. Somos uma máquina maravilhosa e delicada. Pascal comparou o ser humano a uma cana, o ser mais fraco da natureza que basta um vapor, uma gota de água, para a matar. É bem natural que quem nos fez nos instrua sobre o que convém ou prejudique a nossa pessoa. 
Por outros termos, ensina-nos Ele sobre nossa natureza e diz-nos como viver para nos conformarmos a ela. Estas instruções, inscritas na nossa consciência, na Bíblia e na natureza, estendem-se à nossa conduta, bem como à nossa alimentação, bebidas, repouso, trabalho e sentimentos, porque é verdade que no ser humano tudo está ligado: físico, moral, espiritual, social.
Ora, seja qual for o ser livre quando nada o impede de viver conforme a sua natureza. Causa-nos pena ver, em jardim zoológico, uma águia na jaula, quando foi feita para voar no azul em direcção ao sol; ou camelos, tigres, elefantes, encerrados em espaços ridiculamente pequenos, em relação ao deserto e ao mato que gostam de percorrer.
Do mesmo modo, o ser humano é livre, não na medida em que possa fazer o que quiser, mas em que pode fazer o que é conforme à sua natureza íntima, isto é, ao que deve fazer. Chegamos portanto a uma definição da liberdade, que talvez não agrade a todos mas nem por isso deixa de ser a única a que se chega racionalmente: a liberdade é o direito de fazer o que se deve e não ser obrigado a fazer o que não se deve.
Estamos a ouvir uma objecção do nosso leitor. «Ao que acaba de dizer, pretende que o ser humano deve obedecer a leis e que a sua liberdade consiste precisamente em poder submeter-se a elas. Estará isso, na verdade, na natureza humana? Será natural obedecer, trabalhar, sofrer, esquecer-se de si mesmo em favor dos outros, morrer? Bem vemos que precisamos consentir em tudo isso mas fazemos tudo para não sermos obrigados a tal. Sentimos no mais profundo de nós uma espécie de revolta contra todas estas obrigações; sofremo-las contra vontade, no sentimento doloroso da nossa impotência. 
Como explicar que nos ergamos com todas as nossas forças contra necessidades que devem, no final das contas, estar bem inscritas na nossa natureza, porque são tão universais e não sofrem excepção alguma»?
No fundo está aqui um problema da liberdade. Seremos na verdade livres ou o sentimento que temos da nossa liberdade provirá da ignorância das causas que a determinam? A noção da liberdade perde-se e com ela o hábito de ser livre. Vem disto a desordem actual que analisaremos no próximo artigo.
Vivam a liberdade que vos foi oferecida com estima, sejam felizes com os pés bem assentes no chão, porque mesmo sendo livres não vale tudo.

*Director


Nenhum comentário:

Postar um comentário