segunda-feira, 30 de novembro de 2020

António Canteiro: O Homem dos dois mil livros…

O autor gandarês tem novo livro publicado. “Vamos então falar de árvores” foi o pretexto para a primeira edição da rubrica “Casa de Artista”, onde cada um dos entrevistados abrirá o coração e as portas das suas casas, numa reportagem intimista, que levará o leitor ao mundo de cada um dos entrevistados...


O AMOR À LITERATURA

Na enorme sala da casa, existem duas estantes. Já no escritório, são três. Ao cimo das escadas, mais uma. Junto às lareiras, uma imensidão de livros, que podem ser encontrados bem perto dos sofás ou nas mesas de cabeceira (onde estão “as leituras futuras”, como ele diz). E, claro está, nas casas de banho da casa onde João Carlos Costa da Cruz (mais conhecido como António Canteiro reside, também é possível encontrar exemplares daquilo que o autor “que ama a leitura” chama de “vício bom”: os seus livros!

É impossível não dar de caras com Saramagos, Torgas e outros monstros sagrados da literatura como Cervantes, por exemplo, ou com José Luís Peixoto ou Valter Hugo-Mãe que também têm espaço reservado nas suas prateleiras, porque escrevem “de forma deliciosa” e emprestam ao ambiente uma multiculturalidade que António Canteiro faz questão  de preservar, já que, como o próprio autor afirma, lê “sem ideias pré-concebidas, sem distinção de estilos.”


O longo percurso de vida que levou António Canteiro um dia, a escrever, teve início ainda na adolescência quando, com um amigo, começou a adquirir livros que ambos julgavam “fantásticos”. Só que, naquela altura a leitura ocupava-lhe a mente de tal forma que só começou a “pensar em escrever” bastante mais tarde, tendo iniciado a sua carreira, efetivamente, após os 40 anos de idade “ainda muito pouco seguro”, confessa.

Homem de arte, toca flauta transversal como “forma de escape para o quotidiano” bem como escreve “para guardar as minhas memórias. Assim, não terei necessidade de escrevê-las um dia, visto que já o fiz neste período!”, afirma.

Para Canteiro, “na escrita de memórias, os mais velhos devem saber socorrer-se do poço inesgotável da juventude e da infância, pois ela é o alicerce, é a base que funda a casa, é o fundamento que estrutura o ser e, como diz Reiner Maria Rilke: “temos de conceder-lhe (à infância) o lugar mais alto de tudo o que vemos à nossa volta, pois só as crianças nos darão lições de simplicidade... a começar pela escrita, e quão complexo é escrever o simples”. A seguir, e um pouco mais aprofundadamente, este homem que adora citações remata-nos uma lição de Buda, para que possamos entender um pouco os meandros da sua busca pelo simples, para transmitir aos seus leitores, a sua mensagem: “Só o sábio, a criança e o idiota são simples e sem grande esforço!”

Mas, desenganem-se os que pensam que o ato de escrever requer somente a criatividade em uníssono com as memórias que o autor guarda. Segundo este homem de fala calma e pausada, que parece estar a ditar um parágrafo enquanto concede ao jornalista a oportunidade de vivenciar um pouco dos seus gostos, das suas lembranças e da pacatez do lugar onde reside e se inspira para novas estórias, “escrever é mais que o ato de reescrever... é corrigir, ler, reler, alterando o que atrapalha a língua, o que não soa a música. A escrita literária é música”. Em “O Aprendiz de Feiticeiro”, de Carlos Oliveira, citando Afonso Duarte, aconselhava: “a palavra que digas, a carta que escrevas, que sejam obras de arte”, e, sublinha António Canteiro, “tem de ter música, se não, ela é somente escrita, seja informativa ou jornalística”.

O NOVO LIVRO

“Vamos então falar de árvores” é o mais recente romance deste autor que se autodefine como “um metódico que exige muito de si próprio na vida e na escrita”. Diversas vezes premiado, ele sabe mais que ninguém, o preço a pagar pela expectativa dos seus leitores a cada obra que nasce das suas pesquisas, vivências e, obviamente, da sua criatividade.

“Vamos então falar de árvores” é a verdadeira prova de que uma literatura rica de qualidade não necessita de muitas páginas. Em apenas pouco mais de cem, António Canteiro transporta o leitor para ambientes duros onde a dureza da sobrevivência quase nos obriga a uma leitura de uma só assentada, para que possamos saber o desfecho!

Pelas suas páginas, o leitor chega a comover-se com o que as personagens vão transmitindo a cada capítulo como se também fizesse parte da história ou fosse, também ele, uma outra personagem do livro.

“... era poucochinho o rendimento das colheitas, apesar da nova maquinaria de lavrar as terras, o chão era peco a vingar a semente, na feira, a venda não dava pró frete e, feitas as contas, não se amealhava nada...”. Aqui não há espaço para a vivência fácil ou o amanhecer dos deuses. Aqui, os homens lutam a cada dia para que outro dia possa chegar e, mesmo sem facilidades, também possa ser suplantado.

António Canteiro é mestre nisto: com um vastíssimo vocabulário escolhe as palavras com pinças e mostra-nos, com as que escolhe sobriamente, quer o mundo da Gândara quer o lindo e duro Trás-os-Montes, sem pieguices, emoldurando as suas tramas, capítulos e páginas como se, para além de escritor e músico, também fosse o pintor capaz de, numa só imagem, contar tudo o que se passará logo a seguir!

“Vamos então falar de árvores” está disponível na livraria/papelaria Kiosque, loja 17 – Freixial Shopping, em Cantanhede.

Também pode ser adquirido em https://www.bertrand.pt/livro/vamos-entao-falar-de-arvores-antonio-canteiro/24504233

ou em https://www.wook.pt/livro/vamos-entao-falar-de-arvores-antonio-canteiro/24504233?fbclid=IwAR1Du5zpZMec4RmTF_YmrUxhC1E9fuTG2yzP3SmDe3wb5h3VQdKT0JpKm4k


Fonte: Francisco Ferra / Jornal Mira Online

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