sábado, 27 de maio de 2017

EDITORIAL Quo vadis, "geringonça"?

É claro que um casamento de conveniência se pode transformar num grande amor, mas este ainda tem à porta pelo menos três desafios.
David Dinis
A economia cresce, saudavelmente, o défice cumpre-se, os juros baixam, o país sai do procedimento por défice excessivo. Centeno passa de quase dispensável a quase líder do Eurogrupo, chegando a “Ronaldo do Eurogrupo”. Olhando em volta, parece que chegámos a um equilíbrio perfeito: a “geringonça” anda, tem destino traçado — o sucesso — e já tem marcada a renovação de votos em 2019 (“Mesmo que o PS tenha maioria absoluta”, disse António Costa na Renascença há um mês). Perdoem-me, porém: que não atire as pétalas para os noivos — na política não há algo como o “até que a vida nos separe”.

A “geringonça” bate forte, mas é bom lembrar que nasceu da conveniência. A de tirar de casa um outro par; e a de ter no momento da celebração um sacerdote exigente, que quis os três a assinar um papel para garantir uma legislatura. É claro que um casamento de conveniência se pode transformar num grande amor, mas este ainda tem à porta pelo menos três desafios. 

Larguemos a metáfora e vamos pô-los por ordem cronológica. O primeiro desafio é saber como lidar com a nova economia. E esta semana dois assuntos voltaram à tona: o arrendamento urbano e a Uber, duas questões que estão pelo mundo todo, mas que mostram como a revolução industrial não espera pela política para nos entrar pela porta dentro. Enquanto isso, o PS hesita, o PCP luta, o Bloco disputa. Será que a esquerda unida se afina nos temas mais cruciais do novo século? Haverá ali um pensamento comum sobre como deve ajustar-se o mercado de trabalho a eles? Há nova esquerda sem isso?

Falando em desafios, há mais este: é bom, é mesmo muito bom que Mário Centeno tenha ganho a primeira batalha. É melhor ainda que o ministro tenha, agora, posto todas as suas cartas na prioridade que interessa: baixar a dívida para tirar o país do “lixo”. A questão é se a equipa joga toda com o seu Ronaldo do Eurogrupo, puxando para o mesmo lado até ao fim do jogo. Vai?

E, mais um, para acabar: a renovação de votos. Como escreve a São José Almeida hoje no PÚBLICO, prolongar o casamento a três é mais do interesse de Costa do que do Bloco e PCP. E a segunda lua-de-mel sairá sempre mais cara do que a primeira. Dizia Ferro Rodrigues, na quinta-feira, nas jornadas do PS: “O que eu vejo da mesa da presidência da Assembleia da República é que ali amigo não empata amigo. Isto tem permitido ao PS garantir estabilidade e resultados sem perder a identidade.”

Eis o PS perante a questão essencial: a “geringonça” transformou a esquerda ou está de passagem?

Fonte: Público

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