segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Seria isto possível hoje em dia?

  • Plinio Maria Solimeo

Santa Francisca Xavier Cabrini é quase contemporânea nossa, pois faleceu em 1917. Fundadora e Superiora Geral das Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, era de pequena estatura e de uma constituição tão frágil, que a batizaram rapidamente no próprio dia do nascimento, de medo que falecesse pagã. No entanto, viveu 67 anos (1850-1917), atravessou o oceano 20 vezes em suas fundações, e seu corpo permanece incorrupto até os nossos dias.

Dela disse o Visconde de Chateaubriand “É um grande homem”, e o Cardeal Arcoverde: “Um verdadeiro General”.

Seria necessário volumes para falar de todas as suas obras e atividades. Restringimo-nos apenas a uma, que certamente interessará aos nossos leitores.

As obras de Misericórdia

         Hoje em dia são muito olvidadas as Obras de Misericórdia que, segundo o Terceiro Catecismo da Doutrina Católica, são aquelas “de que se nos pedirá contas no dia do Juízo”. Entre as espirituais, temos as de “dar bom conselho”, “ensinar os ignorantes”, “corrigir os que erram” e “consolar os aflitos”. E entre as obras de misericórdia corporais, ainda mais esquecidas, temos a de “visitar os presos”.

Com isso presente e no seu afã de socorrer seus conterrâneos italianos mais em perigo de perder a alma nos Estados Unidos, para onde emigraram, Madre Cabrini se voltou para um dos grupos mais desamparados e expostos às solicitações do mal: o dos presidiários.

Dada a grande fama de que ela já gozava entre os americanos, obteve das autoridades carcerárias licença para que suas Irmãs entrassem nas prisões a fim de se dedicarem a esse indispensável e dificílimo mister, para o qual escolheu algumas das Irmãs mais experimentadas, com muita força de caráter, e muito firmes na doutrina católica.

É preciso notar a coragem e determinação que precisavam ter essas religiosas para tal apostolado, porque no início do século XX, como em nossos dias, as prisões dos Estados Unidos regurgitavam com toda sorte de maus elementos — batedores de carteira (hoje “de celulares”), vigaristas (que enganavam o povo “vendendo”, por exemplo, o Viaduto do Chá), mafiosos e chefes de quadrilhas de gangsters, estupradores, assassinos, e até mesmo um “serial killer” (matador em série).

Dois cárceres icônicos pela severidade

Entre os mais famosos cárceres de então, estava o da cidade de Chicago, notório pela periculosidade de seus detentos. E o de Sing Sing, em Nova York, prisão de segurança máxima em uso desde 1826, na qual o famoso inventor Thomas Edison introduziu em 1901 a cadeira elétrica. Esta funcionou aí até 1963, quando foi transferida para a prisão de Green Haven. Nesse período, 614 homens e duas mulheres foram justiçados, entre os quais o casal Júlio e Ethel Rosemberg (em junho de 1953, por espionagem em favor da Rússia). A cadeira elétrica deixou de ser utilizada nas prisões americanas em 1972 com a abolição da pena de morte. Sing Sing funciona até os dias de hoje, conhecida como Centro Correcional Sing Sing.

Na época de que nos ocupamos, entre os anos de 1914 e 1916, foi diretor de Sing Sing o reformador Thomas Mott Osborne, que viveu entre os encarcerados durante um ano para estudar as reformas necessárias à melhoria da vida dos detentos. Foi provavelmente durante a sua direção que as filhas de Madre Cabrini tiveram apoio para seu apostolado com os presos.

Socorrendo espiritual e materialmente

Desse modo, segundo a biografia de Santa Francisca Xavier Cabrini escrita por “uma de suas filhas” membro de seu núcleo inicial — a qual vamos seguindo duas, três ou mais vezes por semana —, uma dupla de suas Missionárias transpunha a tríplice porta de ferro da prisão à procura dos condenados.

O mais notável é que, depois de se tornarem mais conhecidas, quando entravam no terrível cárcere, as Irmãs “eram logo rodeadas pelos presos ali reunidos: alguns lhes perguntavam por sua família, outros pelas providências tomadas em seu favor. Em presença delas cessavam as conversas, os rumores, as imprecações. Os detentos assumiam uma atitude tão respeitosa, que elas podiam caminhar desacompanhadas por aquela triste habitação” — relata uma das Irmãs encarregada desse apostolado. No início, para conquistá-los, levavam pequenos presentes, como cigarro, jornal para que se conectassem com o mundo exterior, um livro de doutrina católica ou de teor religioso, enfim, “o que tornasse lhes mais breves as horas tristes daquela interminável jornada”. É preciso dizer que elas lhes iam apresentando ao mesmo tempo, de modo atraente, as verdades de nossa santa religião, como os principais mistérios de nossa fé, mandamentos etc.

Esse apostolado encontrava extraordinária receptividade da parte dos presidiários. Eis como narra uma das Irmãs narra um fato que seria surpreendente em nossos dias: “Nos cárceres de Chicago, os detentos católicos se reuniam cada semana numa sala para ouvir uma lição catequética da Irmã. Era uma cena comovente ver mais de 100 homens, repletos de todos os vícios, pender como meninos dos lábios de uma humilde Irmã, para aprender o que talvez tinham sempre ignorado, mover objeções e interrogar para compreender melhor e saber mais, e depois refletir preocupados”.

Quase cem prisioneiros se confessam       

Por outro lado, Madre Cabrini verificou que os presos italianos de Sing Sing não se aproximavam dos Sacramentos por não terem um sacerdote que falasse a sua língua, com o qual pudessem se abrir. E o mais triste é que muitos deles, cedendo à pressão dos ministros protestantes, tinham abandonado a verdadeira religião. Ela então animou o capelão italiano de sua Ordem em Nova York a se encarregar da missão de atender aqueles prisioneiros, o que ele fez com muito zelo. Foi um conforto para os encarcerados poder abrir a alma com um sacerdote de sua pátria que, conhecendo seus costumes e mentalidade, podia melhor entendê-los e atendê-los. O resultado foi que 38 condenados se valeram de seu ministério logo na primeira visita. Dois anos depois, o número aumentou para 94, o que significava uma boa porcentagem dos presos italianos.

Em sinal de gratidão, os presidiários de Chicago deram de presente às Irmãs um cavalo e uma charrete, pois no inverno elas eram obrigadas a fazer uma longa caminhada na neve.

Por sua vez, na comemoração do Jubileu de Prata de fundação das Missionárias do Sagrado Coração de Jesus em 1905, os detentos da prisão de Sing Sing “quiseram dar uma prova de gratidão à Madre Cabrini, dedicando-lhe um opúsculo redigido e impresso por eles no próprio cárcere”, o qual foi assinado por todos. Pois além do preciosíssimo auxílio espiritual que as religiosas obtinham para os presos, também procuravam auxiliá-los materialmente. “Em alguns casos, as Imãs conseguiram a revisão do processo, obtendo uma sentença favorável para o condenado. Outras vezes, por meio delas, vieram à luz documentos dolorosamente ocultos, com dano para os pobres reclusos. Mais frequentemente ainda, foi-lhes possível a comutação da pena para seus protegidos”.

Consolam com a visita da mãe a jovem amargurado

No opúsculo escrito pelos presidiários, ao narrarem alguns dos benefícios que lhes foram obtidos pelas Irmãs, contam a história de um imigrante que havia deixado na Itália a mãe viúva, da qual era o único sustento. Tendo se envolvido um crime, foi acusado de homicídio e condenado à prisão perpétua. No isolamento da prisão, atormentava-o o pensamento da velha mãe, cujos últimos dias ele dilacerava. Não tinha paz nem consolação, vivendo amargurado. Ocorreu então que um dia “a veneranda senhora foi vista entrar chorando, apoiada por uma Irmã, entre aquelas tétricas paredes, e o jovem atirar-se em seus braços. As lágrimas de um e de outro se misturaram num longo e doloroso amplexo. As Irmãs haviam conseguido a viagem grátis para a pobre mãe, a qual não hesitara, em seus avançados anos, em atravessar o oceano para levar o abraço materno ao filho desventurado”, como narra a Irmã que estamos seguindo.

Ajudam um condenado à morte a bem morrer

Outro caso narrado pela autora da biografia de Madre Cabrini é o de um rapaz italiano de 29 anos, que fora condenado à morte na cadeira elétrica em Sing Sing e estava desesperado porque se dizia inocente. “As Irmãs, resolvidas a tudo tentar para que aquela pobre alma não comparecesse rebelde diante do Eterno Juiz, apresentaram um pedido ao governador, e obtiveram a prorrogação de um mês para a execução da sentença. A notícia transformou a atitude fria do infeliz em confiança filial para com suas benfeitoras”. Duas vezes por semana elas passavam o dia com ele, “lendo e rezando juntos”. Nos outros dias, o condenado lhes escrevia expondo suas dúvidas e lia os livros de piedade que elas lhe deixavam. As Irmãs fizeram então algo que lhe tocou até o fundo do coração: ele tinha uma filhinha pequena que deixaria órfã. As Irmãs a recolheram em seu orfanato, e um dia a levaram ao pai para revê-la uma última vez.

Entretanto, ao não terem sido reconhecidas as testemunhas que depuseram em seu favor e a sentença foi confirmada, o jovem se entregou de novo ao desespero “e concebeu o horrível intento de se matar. As Irmãs não o abandonaram então, e o potente auxílio da graça divina fez com que, na véspera da morte, ele se sentisse completamente mudado. Dali em diante viu-se em seu rosto a resignação. Nem mais uma palavra de queixa. ‘Sim, perdoo, repetia, e inocente aceito a morte, como Jesus Cristo aceitou a sua’”.

A religiosa continua narrando: “Um dia antes da execução, as Irmãs, tendo ido vê-lo ao amanhecer, encontraram-no ajoelhado com o crucifixo nas mãos, recitando as orações da boa morte. Ele quis rezar o Rosário inteiro. Durante todo dia sua postura foi admirável. No momento de subir na cadeira elétrica, pediu ao padre que o acompanhava que levasse às Irmãs o seu agradecimento, bem como o Crucifixo com o qual ia morrer. […] Subiu calmo e resignado à cadeira. Brilhou a centelha fatal, e ele entregou sua alma ao Criador”. Pode-se conceber um caso assim em nossos dias?

Ampara nos últimos instantes outro jovem condenado à morte

Terminamos com um último caso que fala por si. No cárcere de Chicago, cinco prisioneiros foram condenados à morte. Na véspera, o guardião da prisão, temendo uma sublevação de tantos presos, pediu às Irmãs que passassem a noite ao lado deles. Como isso não era possível, logo ao amanhecer foram ter com eles, e os acompanharam até o fatídico lugar da execução. “A presença das Irmãs reconduziu a calma àqueles corações agitados”. Entretanto, o mais moço deles, de apenas vinte anos, quando chegou sua hora, “agarrou-se como uma criança ao hábito de uma Irmã, suplicando: ‘Ó Irmã, acompanha-me e fica comigo até o fim’. Ela, com mão trêmula, ajudou-o a por o capacete fatal, murmurando uma última prece com palavras de encorajamento e de bênção”. E no momento fatal se afastou, rezando por aquela alma prestes a entrar na Eternidade.

Conclusão

Quisemos transcrever com detalhes esses comoventes episódios, pois eles falam por si da extraordinária formação religiosa recebida por essas abnegadas Irmãs, que a transmitiam através de gestos heroicos àqueles que se entregavam à sua influência.

No entanto, com a decadência geral — principalmente religiosa — de nossos dias, ainda haveria freiras dispostas e habilitadas a fazer tão grandes sacrifícios e apostolado em favor dos presidiários? Por outro lado, na imoralidade, prosaísmo, revolta e degradação moral atualmente existentes nas nossas prisões, haveria condenados suscetíveis às palavras e aos bons exemplos que delas recebessem?

ABIM

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