domingo, 23 de outubro de 2016

Assexualidade: Quando o sexo não comanda a vida

Se o sexo sem amor é possível, o que dizer em relação ao amor sem sexo? No arranque da semana da Consciencialização Assexual, o Notícias ao Minuto ouviu testemunhos na primeira pessoa sobre o que significa viver sem atração sexual.

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Noémia e João (nome fictício) são imunes a sex symbols. Não seriam capazes de sentir, em relação a um estranho, a força magnética da atração. Ambos são assexuais e partilharam as suas experiências com o Notícias ao Minuto.
Como Noémia e João há muitos outros. Um estudo recente permitiu concluir que a atual geração de jovens adultos é a mais sexualmente inativa desde 1920.
Caracterizar a assexualidade não é fácil, esta “é uma definição chapéu: dentro dela cabem muitas outras definições”, explica Rita Alcaire, investigadora a trabalhar num doutoramento sobre a assexualidade em Portugal, cofinanciado pelo Fundo Social Europeu.
“Entre as pessoas assexuais há quem tenha relações sexuais e quem não tenha; há quem sinta algum tipo de atração sexual numa circunstância específica e pessoas para quem esta atração nunca surge”.
Rita entrevistou dezenas de pessoas para tentar desenrolar o “novelo” que diz ser a assexualidade. Tudo começa com “um tropeção em relação ao que é socialmente expectável, a ideia de que as pessoas devem sentir-se atraídas por outras”.
Como é que alguém sabe que é assexual?
Ao contrário da castidade, a assexualidade não é uma escolha. Em muitos casos, tudo começa na escola: enquanto os colegas têm conversas sobre sexo e namoros, típicas de adolescentes, um assexual pensa ‘eu não sinto isso’.
Estudante de biologia, Noémia Santos, de 23 anos, sempre encarou a ausência de atração com naturalidade. Tudo mudou quando se apaixonou pela primeira vez e percebeu que era demisexual, ou seja, apenas capaz de sentir atração sexual por pessoas com quem tenha um vínculo emocional muito forte.
Rita Alcaire refere o caso de pessoas que tiveram várias experiências na busca de uma identidade sexual, acabando por perceber que a assexualidade era o termo que lhes assentava. Instalada a dúvida, também uma procura na internet ajuda a encontrar pessoas com experiências semelhantes.
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AVEN é a maior comunidade de assexuais online do mundo. Por sua vez, Noémia Santos é fundadora do GAAP – Grupo Assexual e Arromântico Português.
Já para João, de 32 anos, a falta de atração esteve sempre lá, mas “achava que era só esquisito”. Apenas descobriu a definição para o que sentia há três anos: é heterorromântico, isto é, pode sentir atração sexual associada a um sentimento romântico por uma pessoa de sexo oposto, nunca fora desse contexto.
Devido à falta de conhecimento geral sobre assexualidade, muitas pessoas ficam “isoladas”, considera.
A assexualidade pode ser encarada como um problema físico ou psicológico?
Quando existe um problema, este surge na sequência de um trauma físico ou psicológico e, nesse caso, perante um “desconforto”, a pessoa procura ajuda. No caso dos assexuais, contudo, “não há um sofrimento em relação às suas circunstâncias. É este o seu reportório íntimo, é esta a forma como se sentem bem”.
Além disso, “fisiologicamente não existe nada de diferente – são pessoas que lubrificam e têm ereções. O que não sentem é atração por outra pessoa, esse ímpeto para o outro, vontade de ter relações sexuais”, explica Rita Alcaire.
A masturbação pode existir mas não é encarada de forma sexual nem parte de uma fantasia. É um apelo que é necessário satisfazer, “como coçar uma comichão”, compara Rita, “como ter sede”, diz Noémia, "apenas fisiológico", explica João.
Como é namorar com um assexual?
“É complicado explicar a situação às pessoas que estão connosco. Eu não tinha as palavras para lhes explicar, apenas podia dizer que tinha o meu ritmo e havia coisas que não podia forçar. Das duas uma, ou aceitavam, ou fugiam a sete pés”, conta João.
“Pensamos muito no sexo sem amor como possível, mas não pensamos em amor sem sexo”, nota Rita, mas para um assexual esta é uma hipótese.
Uma relação com um assexual pode ser “romântica, estética, afetiva. O amor não se traduz necessariamente em sexo mas em nada é diferente de outras relações noutras componentes, como a cumplicidade, partilha, intimidade, atração estética e psicológica”.
Há quem determine desde o início da relação que “não vai haver sexo”, o que não quer dizer que exista “uma aversão, pudor ou versão negativista do sexo”, ideia muitas vezes associada aos assexuais.
Numa relação a dois, especialmente se uma das partes não se identificar como assexual, o sexo, a frequência e o tipo de prática que se tem, pode ainda ser “negociado”.
Noutros casos, como o de Noémia, o sexo surge numa relação duradoura. “Quando comecei a namorar tive receio de não sentir nada sexual pela pessoa, porque nunca tinha sentido nada antes, mas à medida que o tempo foi passando, comecei a sentir a necessidade de intimidade física”, conta.
Como é ser assexual em Portugal?
“Vivemos vários momentos de revolução sexual pelo direito a amar quem queremos e ter sexo com quem queremos, mas não se fala no direito a não o fazer”, considera Rita.
Socialmente, a assexualidade é encarada como falta de maturidade ou incapacidade de definir uma orientação sexual e “há muitos relatos de violência verbal e psicológica, alguns de violência física, porque as pessoas querem provar que o outro está errado”.
Noémia confessa que os amigos e família demonstraram sentir “estranheza” face à revelação da sua identidade sexual, mas acabaram por aceitar. A assexualidade é “invisível” na sociedade portuguesa e falta informação dos profissionais de saúde e maior representação nos media para a melhor dar a conhecer, considera.
"Tu estás mas é a inventar coisas" , "é tudo na tua cabeça" e "isso [a assexualidade] não existe", foram algumas das frases que João ouviu dos amigos.
Criada para desmistificar estas dúvidas, a semana da Consciencialização Assexual arranca este domingo e termina dia 29.
Fonte: Notíciasaominuto
Foto: iStock

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