domingo, 12 de fevereiro de 2017

Sociedade! As 50 sombras de Grey à moda dos guardas prisionais

Crónica semanal sobre decisões judiciais
Durante um mês e meio, o guarda prisional Joaquim, duas a três vezes por semana, saltava um muro no interior da cadeia feminina e dirigia-se à vacaria. Aí, as reclusas Rosa e Rosalina, que habitavam um quarto nesta "ala" da prisão feminina, esperavam-no para o habitual animado serão, recheado com vinho e televisão. Joaquim, segundo confessou o próprio, gostava da Rosa, mas, de acordo com o auto de interrogatório, "nunca manteve trato sexual com a mesma". Sim, um guarda prisional diz "trato sexual". "Apenas conversavam, os três ou os dois, caso a reclusa Rosalina adormecesse", continuou. Porém, o depoimento desta última tramou Joaquim.

É que segundo Rosalina "a situação vivida no quarto da vacaria era particularmente desagradável". A reclusa não se referia, no seu depoimento, ao cheiro, mas sim ao facto de o guarda Joaquim ir "a essas instalações para manter relacionamento de cópula completa com a Rosa". Cópula completa, disse. Das duas uma: ou esta prisão é usada exclusivamente para licenciadas em Direito ou as reclusas, em vez de a "Nova Gente" ou a "Caras", preferem ler a "Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça".

Sucede que, ainda de acordo com o depoimento de Rosalina, a tal cópula completa decorria no "exíguo quarto" que ambas partilhavam, sendo que as camas de ambas estão separadas por um escasso metro. Por isso, "para não ser incomodada e oferecer alguma privacidade" ao casalinho, Rosalina, naquelas duas, três vezes por semana, "tinha que permanecer deitada de costas" para o casal e "virada para a parede". Ao mesmo tempo, "para não ouvir os ruídos da intimidade" (ficamos a saber que a cópula completa provoca ruídos), Rosalina recorria a uns "phones", os quais "tinha que manter nas orelhas". Desta vez, falou claro. Disse "orelhas" e não "canal auditivo externo". Perante os factos, em 1998 o ministério da Justiça decidiu, após processo disciplinar, reformar compulsivamente Joaquim. Este ainda recorreu para o Tribunal Central Administrativo do Sul, que manteve a pena, num acórdão de 2001. Os juízes foram claros: Joaquim demonstrou "incompreensão" do que é ser "funcionário". A este, explicaram os magistrados judiciais, exige-se que "no local de trabalho" apenas persiga a "satisfação do interesse público". Ou seja, está vedada a cópula completa com interesses privados.

A triste vida sexual dos guardas prisionais foi ainda abordada noutro processo, que chegou ao Supremo Tribunal Administrativo em Outubro de 2006. Neste caso, os juízes tiveram que analisar outra aposentação compulsiva de um guarda prisional de 2ª classe. Encontrando-se escalado certo dia para fazer "vigilância" numa das torres da cadeia feminina, o rapaz, porém, foi apanhado noutros preparos.

Tudo começou quando na noite de 3 de março de 2002 a reclusa "Maria" (chamemos-lhe assim) "deslocou-se ao sanitário" da sua cela "a fim de satisfazer as suas necessidades", lê-se. Resolveu então fumar um cigarro, pelo que correu a cortina para abrir a janela. Neste movimento, avistou do lado de fora "um guarda com as calças despidas até aos joelhos a masturbar-se em frente à sua janela, tendo a metralhadora colocada no chão a seus pés". Ao aperceber-se de "Maria" do outro lado da janela, o guarda "fez-lhe sinal com os dedos junto à boca para que se mantivesse em silêncio". O acórdão do Supremo refere que "Maria" ficou "indignada com o comportamento do guarda" e alertou as outras guardas, não esclarecendo se a indignação resultou da visão da masturbação ou da metralhadora aos pés. Pormenores...

Certo é que as guardas dirigiram-se ao exterior da cela de "Maria" e lá estava o colega "com as calças pelos joelhos, a masturbar-se, encontrando-se a metralhadora junto aos pés". Pelo menos, a arma não desapareceu. As guardas "chamaram o nome do colega", contudo este ignorou-as "continuando nos seus propósitos". Tudo o que tem um princípio, tem um fim, já se dizia na trilogia Matrix, nem que haja uma metralhadora ao pés, acrescenta-se.

Respondendo à acusação, o arguido argumentou que, ao contrário que lhe foi imputado, não estava a masturbar-se, mas sim "teve necessidade de urinar", pedindo, em sua defesa, uma "inspecção ao local para prova destes factos e circunstâncias". Argumentou que a zona é de baixa visibilidade, logo nenhuma das testemunhas poderia afirmar com certeza o que afirmou. Poderia, mas não fez, ter requerido uma inspecção lofoscópica ao local. E aí, sim, todas as dúvidas seriam esclarecidas após uma análise científica ao que restou daquela noite de 3 de março de 2002. Os juízes do Supremo mantiveram a reforma compulsiva. Mas no meio disto tudo, ninguém quis saber da principal vítima: a metralhadora, talvez uma velhina G3, um modelo que, brevemente, será substituído. Mas aquela levará para um qualquer ferro-velho ou museu o trauma de 3 de março de 2002.

Fonte: DN
Edição de 12/02/2017

Comentários
Jorge Alves · 
Guarda Prisional na empresa DGSP
Além disso, a estória é engraçada para quem não sabe ou não conhece o meio porque um Guarda Prisional ir à vacaria é no mínimo estranho e alguem ver um Guarda Prisiona na torre a fazer o que diz o jornalista é mais estranho mas verem a metralhadora, nos pés isso sim, é o top e com um jeitinho ainda conseguiam ver quantas munições tinha o carregador. 
Espetacular
Excelente texto completamente aleatório sobre guardas prisionais que abusam da sua posição (quem imaginaria?) carregado de ironia e sarcasmo claro, não vá alguem tomar o jornalista por estupido.
GostoResponder1 h
Excelente crónica
GostoResponder6 min

Elsa Costa
N percebi......
GostoResponder2 h

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