domingo, 23 de abril de 2017

VALORIZAR ESCOLA E PROFESSOR


Manuel Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias, opinião

No discurso político e social sobre a educação, o ensino e a formação, desde logo dos jovens, existe unanimidade quanto ao reconhecimento de que essa deve ser uma área prioritária de investimento para se alcançar o desenvolvimento da sociedade e do país.

Entretanto, quando observamos a forma como diversos governos trataram a escola e os professores, somos levados a concluir que a bota não dá com a perdigota. Também já constatámos que a aposta numa maior escolaridade e formação é sempre um ganho para quem as faz, mas se o país não tiver uma matriz de desenvolvimento que integre as formações adquiridas, pouco ganha numa perspetiva estratégica. As jovens gerações, com mais conhecimento e preparação, são "convidadas" a emigrar acabando por ir dar contributo ao desenvolvimento de outros países.

A escola pública portuguesa no global é uma boa escola, tem dado contributos extraordinários para avanços do país em múltiplos campos. O que nos tem faltado é um projeto de desenvolvimento que, por um lado, seja capaz de integrar formações e qualificações adquiridas e, por outro, seja gerador de dinâmicas propiciadoras de acertos (organizacionais, curriculares, pedagógicos e outros) em todo o sistema de ensino.

A escola portuguesa aguentou-se, apesar do chorrilho de suspeições e ataques aos professores ao longo dos anos. Tais práticas, prosseguidas por governantes obcecados por projetos pessoais prenhes de determinismos, mas sem sustentação empírica e científica, e apoiadas por formadores de opinião sempre ao serviço das "propostas inovadoras" do poder e da cartilha neoliberal, desgastaram violentamente uma geração de professores, facilitaram a amputação de meios humanos e materiais à escola, prejudicaram a necessária renovação do quadro de professores nos diversos graus de ensino, alimentaram perigosas roturas entre gerações, complicaram as condições necessárias para uma boa gestão das escolas.

O contexto político que se tem vivido nestas quase duas décadas que já levamos no século XXI e a panóplia de fundamentalismos transportados pela "crise" conseguiram distanciar os portugueses de uma observação objetiva sobre os rumos e opções seguidas. Entretanto, aquando do confronto de posições em torno da questão dos Contratos-Programa, sentiu-se um interessante despertar dos portugueses e das famílias que, de forma esmagadora, souberam rechaçar interesses egoístas (privados) e apoiar os interesses coletivos e a escola pública. Parece-me que, nas últimas semanas, a propósito de novas questões e de movimentações dos professores e seus sindicatos, esses sinais mostram amadurecimento e uma perceção bem melhor sobre como estão a funcionar as escolas, sobre as condições de trabalho e o papel dos professores.

O Ministério da Educação está sob fogo das forças de Direita e conservadoras, exatamente porque intervém numa área estratégica para o modelo de desenvolvimento do país. É por isso também que, ciclicamente, os sindicatos e, em particular, a FENPROF são vilipendiados e insultados, sendo as suas propostas, no fundamental, muito válidas. Será que o Governo e aquela equipa ministerial em particular, estão capazes de ultrapassar hesitações e, com coerência, coragem e empenho, encetarem paulatinamente a necessária correção de políticas?

A discussão do "Perfil do Aluno" pode constituir uma reforma de interesse se não ficar pela apresentação; se entretanto forem encetadas respostas que melhorem a rede escolar e tratem, nomeadamente, do número e rejuvenescimento dos professores, dos currículos, do sistema de avaliação; se for garantida autonomia às escolas e não mudança de subjugações.

É insustentável a precariedade de trabalho que afeta cerca de 20 000 dos professores tutelados pelo Ministério e milhares e milhares de outros trabalhadores das escolas - alguns destes pagos a menos de 3 euros por hora, mas a desempenharem importante papel de acompanhamento de crianças e adolescentes. Não se pode ter apenas 451 professores com menos de trinta anos num universo de 110 000. Os professores não podem continuar a trabalhar, em média, 46 horas por semana entre atividade letiva e não letiva e sem carreiras dignas.

*Investigador e professor universitário

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