quinta-feira, 27 de outubro de 2016

RATO COSTA E GATO COELHO

Desatar a fugir pode ser bom remédio em estados de emergência caso não estejamos acossados por um agressor armado num beco sem saída. Com um muro nas costas, o melhor é mesmo dar provas contínuas de vida. Fazer de morto contra um muro de nada vale e continua a causar-me espanto como tantas pessoas (e tantas vezes) se alinham contra muros pelo seu pé, perfilados para a fatalidade, quando podiam desatar a partir tijolo antes da construção. É também por isso que me custa compreender como pode António Costa colocar-se na posição de quem tem algo a esconder na proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2017, quebrando as mais elementares regras de transparência e informação num debate em democracia.

O jogo do rato e do rato é uma estória infantil de inteligência e ilusão, desaparecimento e perseguição. O rato raramente se deixa apanhar a não ser que assim queira. Para especialistas é um jogo que os acompanha até ao fim da vida. Para as crianças, começa por ser só um jogo de duas personagens numa roda de mãos, uma porta e um relógio, que apenas termina quando o gato apanha o rato ou desiste. Num OE que devolve rendimento às famílias e aprofunda - ainda que de forma ténue - a reversão da escalada punitiva sobre os mais desfavorecidos de que o Governo de Passos foi executor-mor, Costa resolveu deixar-se apanhar por Passos da forma mais acriançada: parecendo ter algo a esconder, omite dados e quadros relevantes e limita-se a comparar o OE17 com o OE16, atirando para o caixote das dúvidas a execução do OE16 até Setembro que permitiria actualizar as estimativas para os derradeiros meses do ano. Quando o gato parecia ter já desistido, transformando-se num abutre pelo mal que o diabo traria, eis que o rato resolve abrir um buraco no queijo, parênteses democrático na sua roda de mãos.

A apreciação do OE17 fica assim condicionada a apresentação periódica, numa espécie de termo de identidade e residência parlamentar. O ministro das Finanças está disponível para uma nova audição e esse é um elemento relevante. Mas coloca a esperança deste Orçamento cativa de desconfiança. Passos teve a coragem dos fracos: foi mais além do que a troika exigia, sem dó nem piedade, num país intervencionado que era o seu e que por pouco não quebrava a espinha com tanta deferência aos algozes. Costa, com condições excepcionais para enfrentar a moribunda oposição à direita, resolveu comparar com estimativas, omitir despesas com ministérios e as contribuições da Segurança Social. Por muito pouco, arrisca-se a quebrar a espinha pela fraqueza dos fortes.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

*Músico e advogado

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