quarta-feira, 29 de março de 2017

Marçal Grilo: "Formamos gente de topo e os alemães levam aos 30 engenheiros"

GUSTAVO BOM / GLOBAL IMAGENS

O presidente do Conselho Estratégico da Futurália e ex-ministro da Educação defende que é inevitável que as escolas se digitalizem e que esse processo "é imparável". Eduardo Marçal Grilo defende, na antecipação do arranque da décima edição da Futurália, que os jovens têm de ser preparados para "a imprevisibilidade" do futuro.

Esta é a décima edição da Futurália. O que é que a feira tem de novo?

Vamos ter as instituições de ensino superior, as escolas profissionais, toda a oferta do Instituto do Emprego e Formação Profissional, enfim tudo o que está relacionado com a oferta de formação. Depois há toda a parte do entretenimento, o palco vai estar muito animado. Aquilo que é relativamente novo é o trabalho que resultou da reflexão de como é que em torno da Futurália podemos contribuir para o debate sobre as formações do futuro, as exigência do futuro e o processo de digitalização a que o mundo está a assistir e em que Portugal também está inserido.

Esse pensar o futuro é mais para as instituições e empresas ou é também pensar o futuro para os jovens?

Elas são complementares. Aquilo a que se podia chamar uma espécie de revolução 4.0 é algo que vai afetar muito as empresas que vão ter de investir e utilizar processos, equipamentos, procedimentos que são diferentes daqueles que utilizam hoje, mas também para a administração pública. Não podemos confinar o processo da digitalização às empresas, temos de alargar a todos os setores da sociedade e designadamente em tudo o que sejam serviços públicos de relação com o público, a educação, a saúde, a justiça, a segurança social. Esta questão da digitalização é algo que vai tocar a todos.

Este processo está mais avançado no ensino do que nas empresas?

As empresas têm muito trabalho feito. Vamos ter no primeiro painel de sexta-feira um representante da Ernest & Young, Miguel Fernandes, que coordenou um projeto de digitalização das empresas, com Portugal, EUA, Índia e Inglaterra. Houve redes de interação sobre esta matéria com experiências de vários setores, e esse processo nas empresas, em alguns setores, está muito avançado. Agora, está muito longe daquilo que se perspetiva, e não é só na área da digitalização como o processo industrial que é a robotização, as impressoras 3D. O que importa é expandi-las, fazer uma espécie de consolidação deste processo, e julgo que as instituições de educação têm muito ainda a fazer. O sistema de ensino e aprendizagem, a sala de aula, a organização da sala de aula, o relacionamento professor-estudante, o relacionamento entre estudantes e o conhecimento estão a alterar-se. Isto é um processo imparável, querer parar isto é como querer parar o vento com as mãos. A ideia que tenho é que a alteração nas escolas vai-se fazer muito por ação dos alunos. Os miúdos têm os tablets como nós temos o lápis, eles convivem com isto desde que nascem. Portanto, o processo vai ser mais ou menos rápido, mas tem de ser escola a escola.

Não acontece muitas vezes os alunos aprenderem com tecnologias de ponta e depois não encontrarem isso nas empresas?

No final dos anos 1970, o país tinha uma universidade incipiente e o tecido empresarial tinha mão-de-obra barata, tecnologias muitos simples, indústrias tradicionais, uma agricultura muito retrógrada. Isto evoluiu nestes últimos 40 anos. A educação no seu conjunto evoluiu mais rapidamente, no sentido positivo, do que o sistema empresarial. O sistema empresarial passou por momentos muito difíceis, sobretudo após a adesão à Europa. Trinta anos depois da adesão, houve alguns setores como o calçado, o têxtil, a agroindústria e a metalomecânica que fizeram grandes progressos e hoje são setores de ponta. Numa qualquer universidade, esta gente tem hoje contacto com o topo e obviamente que vão para uma pequena ou média empresa e chegam lá e sentem-se 15 anos à frente. Isso pode-se traduzir numa coisa que é menos boa para o país, que é estas pessoas terem tendência para emigrar. Estamos a formar gente de topo, e depois os alemães vêm cá e levam 30 engenheiros de cada vez. Mas isto é um bocadinho inevitável se não houver um grande esforço de investimento nos setores públicos.

A Futurália mostra aos jovens as qualificações de que o país precisa?

Precisamos de dar aos mais novos a ideia de que o futuro é imprevisível. Como é que nos preparamos para esta imprevisibilidade? Com uma boa formação de base. Seja na biologia, na matemática, nas engenharias, nas tecnologias, seja no que for, as pessoas têm de saber. Depois para encarar também o futuro - penso que a Futurália também tem esse papel - é mostrar aos jovens que eles têm de acreditar neles próprios. Ninguém fará o trabalho por eles, e se quiserem manter um nível de vida a que estão habituados ou que gostariam de ter precisam de trabalhar muito. E o país dá-lhes as condições para eles poderem estudar. Antigamente estudava-se, trabalha-se e depois havia a reforma, agora não é bem assim. Agora estudam e trabalham ao mesmo tempo e o trabalho é estudo e estudo é trabalho. Quando uma pessoa vai para um curso superior ou profissional tem de ter a noção de que está lá para aprender determinados conceitos, saber pensar e que isso é valorizar-se.

Disse quer os jovens façam um curso superior ou um profissional. É importante esta ideia de que há vários percursos válidos?

Precisamos de tudo, não precisamos só de gente com cursos de ensino superior. O país é diversificado, não precisa só de engenheiros, só de médicos, em cada um dos setores nós precisamos de ter os vários níveis de formação, com vários tipos de perfil. Há um conjunto imenso de formações que se podem adquirir aos mais diversos níveis e importa dizer também que não há formações mais nobres do que outras. As formações são todas nobres.

Fonte: DN

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