quarta-feira, 12 de abril de 2017

O DIREITO À REFORMA PARA QUEM NÃO TEVE INFÂNCIA



Mariana Mortágua – Jornal de Notícias, opinião

Dijsselbloem não compreende porque se ofendeu tanto Portugal com as suas considerações preconceituosas sobre "copos e mulheres". Não compreende porque não lhe interessa a história da nossa gente. Porque ignora que, em Portugal, a pobreza sempre foi o produto de longas jornadas de trabalho por muito pouco salário. Não sabe nem quer saber que já em 1964 um operário do fabrico de telhas ganhava em Portugal seis vezes menos que na Holanda.

Talvez lhe fizesse bem ler os "Esteiros", de Soeiro Pereira Gomes. O livro dedicado aos "filhos dos homens que nunca foram meninos", sendo que muitos desses filhos e filhas também nunca chegaram a sê-lo. São os pais e as avós das gerações de hoje, que começaram na lida dos campos, das fábricas, das minas ou a servir em casas alheias, desde os dez, ou onze anos, às vezes mais cedo. Trabalho de dia inteiro, a "construir as cidades pròs outros, carregar pedras e desperdiçar muita força pra pouco dinheiro", escreveu o Sérgio Godinho. Mas Dijsselbloem também não conhece Sérgio Godinho.

Não são uma minoria. Mais de metade das pessoas que hoje se reformam começaram a trabalhar antes dos 16 anos. Nada mau, para um país de alegados preguiçosos.

Dijsselbloem e Schäuble, o ministro das Finanças alemão que encontra satisfação em fazer de Portugal o bode expiatório dos males da Europa, não devem nada a esta geração de trabalhadores a não ser um pedido de desculpas pelo insulto à sua vida de trabalho. Mas nós, sociedade, devemos-lhes muito.

Temos a responsabilidade de conquistar o direito ao descanso e à reforma para todos os trabalhadores depois de 40 anos de contribuições. E dentro desta reivindicação há uma urgência, que deve ser resolvida já, enquanto é tempo.

Não podemos aceitar que se penalize quem, apesar de ter quarenta ou mais anos de descontos, ainda não atingiu a idade da reforma porque começou a trabalhar em criança. A infância não pode ser devolvida, mas a reforma sem penalizações é um direito que não pode ser adiado.

* Deputada do BE

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