terça-feira, 20 de outubro de 2020

São Pedro de Alcântara, Padroeiro do Brasil

“Conheci um religioso chamado Frei Pedro de Alcântara — que julgo um santo, já que sua vida e seus atos não deixam disso dúvida —, que passava muitas vezes por louco extravagante junto dos que o ouviam falar”; dizia desse santo, modelo de penitência e grande reformador a incomparável Santa Teresa de Jesus.

·         Plinio Maria Solimeo

Pedro Gavarito nasceu em Alcântara, na Espanha, em 1499, ano da publicação da Bula sobre as indulgências, que seria usada por Lutero como pretexto para sua rebelião contra Roma. De família nobre, seu pai era legista e prefeito da cidade.

            Diz um seu biógrafo que “o menino tinha feições agradáveis, era vigoroso, de porte esbelto e bem servido de dons naturais. Retinha de cor um texto depois da primeira leitura, o que lhe permitia citar sem enganos o verso mais curto que fosse, da Bíblia[i].

            Pedro estudou filosofia na Universidade de Salamanca. Apesar de estar na primeira adolescência, levava já vida de asceta. Dedicava a maior parte de seu tempo livre à oração, visita aos doentes e encarcerados, socorrendo os pobres com suas esmolas. Aos 15 anos, já era uma espécie de diretor espiritual de um grupo de condiscípulos.

            O ano de 1515, que assistiu a primeira revolta de Lutero contra a Igreja e o nascimento de Santa Teresa, viu também a entrada de Pedro, aos 16 anos, num convento franciscano observante. Para isso, saiu escondido da família. A noite estava escura. No caminho encontrou largo rio. Encomendou-se a Deus, e um súbito vento, envolvendo-o, transportou-o para a outra margem. Esse foi o primeiro grande milagre dos inúmeros de que foi objeto esse filho de São Francisco.

Mortificação na fonte da santidade

Pedro estava determinado a tornar-se santo pela mais estrita observância das regras, silêncio heróico, e total desapego desde o primeiro instante de sua vida religiosa. Seu superior ajudou-o, provando-o de todos os modos. Por exemplo ordenando-lhe, mesmo estando ele em êxtase, durante a oração, a executar as mais desagradáveis tarefas.

            Mas o pior era enfrentar o demônio do sono. Era só chegar o momento da oração em comum, que uma fadiga invencível o assomava. Como Frei Pedro confessará mais tarde a Santa Teresa, empreendeu ele uma heróica e tenaz luta contra o sono. E venceu-a graças às drásticas medidas que tomou: além da mortificação e jejuns contínuos, não concedia ao repouso mais que hora e meia; e assim mesmo, de joelhos, com o queixo apoiado em uma tábua; ou sentado, encostado na parede.

            O demônio não se deu por vencido, e o perseguiu de outros modos. Já que não conseguia dominá-lo pelo sono, perseguia-o com ruídos e estrondos no pouco tempo dedicado ao descanso. Algumas vezes chegava a derrubar o frade no chão, quase sufocando-o. Em outras ocasiões atirava-lhe pedras, que seus condiscípulos encontravam em sua cela no dia seguinte.

Pregador fecundo e alta vida mística

Aos 25 anos, apesar de sua relutância, Frei Pedro foi ordenado sacerdote. Com ele, muitas vezes a obediência tinha que vencer a humildade.

Diz seu biógrafo que “a missa de Frei Pedro de Alcântara valia por uma missão. Podia-se apalpar a sublime familiaridade que o unia a Cristo”.

            Recebeu ordens de pregar, e “todos se admiravam da profundidade de sua doutrina, do calor de sua palavra”, de sua “eloqüência máscula e robusta, toda embebida de Sagrada Escritura unindo estranhamente as graças das Bem-aventuranças com as chicotadas de João Batista”.          

O “pior” para Frei Pedro era que Deus se comprazia em mostrar publicamente as graças que lhe concedia. Às vezes era arrebatado em êxtase, em plena rua, quando estava esmolando para o convento. Ou na igreja, em frente a todos seus confrades e fiéis. Isso,  para ele, era o maior tormento.

Como São José de Cupertino, “às vezes uma só palavra o arrebatava de tal modo, que começava a lançar gritos ininteligíveis, saía fora de si, e ficava suspenso no ar[ii].

Penitência na raiz da glória celeste

As terríveis penitências, disciplinas, jejuns e demais mortificações de Frei Pedro, transformaram-no quase que num esqueleto. Santa Teresa o descreve como feito de raízes de árvore. Ela mesma testemunhou o quanto essa penitência fora agradável a Deus, vendo-o, logo após a morte, subir ao céu em meio a um brilho fulgurante, dizendo-lhe: “Oh! bendita penitência, que me valeu tamanho peso de glória!”

Se Frei Pedro era penitente, não era por isso um santo tristonho; pelo contrário, detestava a tristeza: “alegrava-se nos bosques, nos cimos dos montes, à beira dos regatos límpidos. Os passarinhos, em seus alegres rodopios, vinham pousar-lhe sobre os ombros”. E Santa Teresa testemunha: “Com toda a santidade, ele era muito afável, embora falasse pouco quando não interrogado; mas, nas poucas palavras que pronunciava era muito agradável, porque tinha boa visão das coisas”.

A nobreza, submissa ao grande Santo

            Frei Pedro fugia da fama, e a fama o perseguia. Seu renome chegou a Portugal, e D. João III o pediu como confessor. A obediência obrigou-o a aceitar. Transformou a Corte lusa em modelo de virtude. Ademais, foi incontável o número de fidalgos de ambos os sexos que tudo abandonaram para viver na mais extrema pobreza.

“A seu conselho, a rainha Catarina fez de seu palácio uma escola de virtude e de devoção. O Infante D. Luís, irmão do rei, mandou construir o convento de Salvaterra em seu favor, e nele se retirou para viver como o mais pobre dos religiosos, depois de ter vendido seus móveis e sua equipagem, pago suas dívidas e feito voto solene de pobreza e castidade”. E o santo teve que intervir para forçar o príncipe a moderar suas mortificações. “A infanta Maria, sua irmã, fez também voto de castidade e empregou todos seus bens no serviço de Nosso Senhor[iii], construindo, por exemplo, o Hospital da Misericórdia e um convento de Clarissas. Além disso, foram inúmeros os nobres, tanto em Portugal quanto na Espanha, que entraram para a Ordem Terceira da Penitência, por sua influência: “A estamenha [tecido do hábito religioso] que ele usava era demais afamada para que os grandes nomes de Espanha não disputassem a honra de um pedaço sob o arminho, sob a seda ou sob a púrpura”.

O Imperador Carlos V e sua filha, a princesa Joana, quiseram-no como confessor; mas Frei Pedro soube recusar essa onerosa honra sem feri-los.

Exímio Reformador de Ordens religiosas

No ano de 1538, o Capítulo dos Observantes descalços – que seguiam a regra primitiva – elegeu Frei Pedro de Alcântara como Provincial. Aproveitou ele para a reforma desse ramo franciscano, acrescentando maior severidade às regras e novos exercícios, dando maior facilidade àqueles que desejavam entregar-se ao recolhimento e à contemplação. Daí o nome que receberam de Franciscanos Recoletos.

Em breve sua reforma se difundiria pela Europa, estendendo-se aos confins da Índia e do Japão.

            Trabalhou também para que se fundassem na Espanha conventos de Clarissas, reformados por Santa Coleta, e foi um dos maiores apoios à reforma de Santa Teresa de Jesus.

Sustentáculo de Santa Teresa de Jesus

            Sóror Teresa de Jesus estava na maior desolação. Experimentando os mais elevados fenômenos da vida mística, não era compreendida por seus diretores, irmãs de hábito, nem pelo povo em geral, porque na Espanha do século XVI matéria religiosa era felizmente do interesse geral. Alertada por todo mundo, tinha receio de estar sendo vítima de ilusões e joguete do demônio.

Entrementes, Frei Pedro de Alcântara teve que ir a Ávila. Nas primeiras palavras trocadas com a carmelita, não só confirmou a origem divina de suas aparições como a incentivou a soltar velas à ação do Divino Espírito Santo.

            Quando a Santa enfrentou a mais terrível oposição ao seu projeto de reforma, ele foi seu grande aliado, aplainando os obstáculos e levando-a à vitória.

            Entre os dois santos estabeleceu-se uma amizade divina, que não terminou com a morte de Frei Pedro, profetizada por ela um ano antes.

            “Eu o tenho visto muitas vezes com grandíssima glória”, escreve Santa Teresa. E “parece-me que muito mais me consola agora que quando estava aqui [na Terra]”.

Uma afirmação que é um incentivo para sermos mais devotos desse grande Patrono do Brasil: “Disse-me o Senhor uma vez, que não Lhe pediriam coisas em seu nome que Ele não atendesse. Muitas, que eu lhe tenho encomendado que peça [por mim] ao Senhor, as vi atendidas”[iv]

Bendita penitência que me valeu tão grande glória!

Fazia tempo que Frei Pedro de Alcântara vivia praticamente de milagre,  consumido pelas penitências, jejuns e trabalhos. Devorado por uma febre e contrariando seus hábitos, aceitou um asno para ir até Ávila em socorro de Madre Teresa, que encontrara novas dificuldades para a fundação do seu primeiro mosteiro reformado.

Com um companheiro, pararam perto de uma estalagem. Com todos os incômodos da febre, o santo se estirou no chão, colocando o manto dobrado sobre uma pedra para lhe servir de travesseiro. Nisso surgiu a estalajadeira, injuriando-os aos gritos porque o asno entrara na sua horta, devorando algumas couves. Vendo que o frade se mostrava insensível às injúrias, a irada mulher puxou-lhe o manto colocado debaixo da cabeça. Esta bateu violentamente na pedra, causando profundo ferimento.

Mal momento escolhera a mulher, pois nesse instante chegou um fidalgo para encontrar-se com Frei Pedro, a quem tinha em conta de verdadeiro santo. Vendo-o com a cabeça sangrando, indignou-se contra a megera, ordenando incontinenti a seus homens que pusessem fogo à estalagem e passassem à espada seus moradores. Foi preciso que Frei Pedro usasse de todo seu dom de persuasão para evitar a catástrofe.

Sentindo que seu fim chegara, Frei Pedro pediu que o levassem para o convento de Arenas, onde saudou a morte com o Salmo: “Enche-me de alegria o saber que vou para a casa do Senhor”. Assistido por Nossa Senhora e São João Evangelista, entregou sua bela alma a Deus no dia 18 de outubro de 1562, aos 63 anos.

“Deus levou-nos agora o bendito Frei Pedro de Alcântara! exclamou Santa Teresa. “O mundo já não podia sofrer tanta perfeição[v].

Gregório XV  o beatificou  em 1622, e Clemente IX o elevou à honra dos altares em 1669.

ABIM

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 586, Outubro/1999.


[i] Frei Estefânio José Piat, O.F.M., São Pedro de AlcântaraPatrono do Brasil, tradução do francês  por Frei Clarêncio Neotti O.F.M., Editora Vozes Ltda., Petrópolis, 1962, p.  13. Os trechos que virão entre aspas e sem citação de fonte serão desta obra.

[ii] Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 3ª edição, 1945, tomo IV, p. 148.

[iii] Les Petits Bollandistes – Vies des Saints, d’après le P. Giry, por Mgr Paul Guérin, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo XII, p. 461.

[iv] Libro de la Vida, in Santa Teresa de Jesus, Obras Completas, B.A.C., Madri, 1951, vol. I, p. 761.

[v] Libro de la Vida,  cap. 27.

PADROEIRO DO BRASIL

            “Desde que Sua Majestade Real e Imperial recebeu, sob o nome de Pedro I […] a missão de governar e dirigir este povo […] esteve convencido […] e se persuadiu de que não poderia reger e administrar os negócios desta Nação, sem que antes se interessasse em ter um Padroeiro celestial que, por sua intercessão junto de Deus, lhe assegurasse os meios de bem agir, de bem dirigir e de bem administrar.

            “Não foi necessário longa reflexão. Já pela devoção especial que ele tinha por São Pedro de Alcântara […] já por trazer, como imperador, o próprio nome do santo, ele decidiu escolhê-lo como padroeiro principal de todo o império […]. [e] suplica a S.S. o Papa Leão XII que se digne com sua benevolência apostólica, confirmar a escolha”.

Isso foi feito a 31 de maio de 1826.

            É lastimável que essa festa, antes tão solenemente comemorada no Império, tenha caído no olvido com o advento da República, de modo tal que poucos são hoje em dia os brasileiros cientes de que São Pedro de Alcântara é o padroeiro de nossa nação.

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(Cfr. Pastoral Coletiva dos Arcebispos e Bispos das Províncias eclesiásticas de São Sebastião do Rio de Janeiro, Mariana, São Paulo, Cuiabá e Porto Alegre. Rio de Janeiro, 1911. Apêndice XXX, pp. 619, 620. In Frei Estefânio Piat, cuja citação bibliográfica da obra encontra-se na nota 1 da p. 20).

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