sexta-feira, 13 de abril de 2018

COMENTÁRIO DA SEMANA | As redações de jornais como comunidades de prática

Sala de redação do New York Times, em abril de 2016. Foto: Ángel Franco/The New York Times





Carlos Castilho
Jornalista com doutorado em mídia e conhecimento, pesquisador associado do objETHOS, publica o blog medium.com/@ccastilho


O jornalismo é uma atividade iminentemente coletiva e agora também colaborativa por conta do tsunami de inovações tecnológicas surgidas nos últimos 30 anos.  Mas a maior parte dos resultados do processamento digital de notícias é perdido devido a dois tipos de distorções existentes dentro das redações.
A primeira delas é causada pelo sistema industrial de produção em grandes e médias empresas jornalísticas onde as redações acabaram se transformando em linhas de montagem de notícias. A outra distorção,  surgida já na era do jornalismo digital, é o enorme desperdício de dados e informações provocada pela ausência de políticas de produção de conhecimento nas redações.
O sistema industrial no jornalismo está em crise, mas as rotinas, normas e a cultura que ele gerou  ainda condicionam o trabalho da maioria dos profissionais da atividade.  No sistema linha de montagem, a produção de notícias segue a lógica mercantil, ou seja, a notícia serve para vender jornal e atrair anúncios.  Assim, tudo o que não está alinhado com este objetivo é descartável e vira lixo.
O jornalismo praticado na internet  ainda sofre os efeitos da herança analógica no processamento da notícia, mas a tendência mercantil perde espaço diante da necessidade, editorial e financeira,  de buscar uma relação mais próxima com leitores, telespectadores, ouvintes e internautas.  Um maior engajamento com o público valoriza o chamado jornalismo de soluções  onde a preocupação com os dilemas do público é mais importante do que a atração de anunciantes.
Ao oferecer insumos informativos para que as pessoas encontrem opções  inovadoras para seus problemas, o jornalismo de soluções  recorre às  técnicas de produção de conhecimento, o que representa uma ruptura com o modo tradicional de processar notícias. Atualmente, as redações vivem o conflito entre uma produção informativa socialmente relevante e a manutenção do sistema industrial voltando para a venda da notícia como commodity.
Uma das possibilidades em estudo, em universidades norte-americanas e em países nórdicos da Europa é a transformação das redações jornalísticas da era digital em Comunidades de Prática (CPs) , uma ferramenta organizacional , surgida no final do século XX, e foi desenvolvida para a produção de conhecimento.
Os dilemas digitais do jornalismo online
As CPs baseiam-se no princípio de que o conhecimento e a inovação resultam do aprendizado desenvolvido de forma coletiva e em situações específicas.  Atualmente o jornalismo enfrenta inúmeros dilemas como:  adaptar-se a uma nova forma de produzir informações, a uma nova função da notícia e a novos artefatos eletrônicos que estão alterando radicalmente as normas, rotinas e valores tradicionais da profissão.
Resumindo,  os jornalistas estão sendo obrigados a aprender a usar um grande número de sofisticados equipamentos de edição e comunicação, bem como desenvolver novos comportamentos para  conviver com um público cada vez mais proativo.  Não se trata apenas de decorar manuais e tutoriais, mas principalmente de adaptar hardware e software às condições específicas de cada publicação, a parte mais difícil e geralmente esquecida porque as empresas querem soluções tipo plug and play ( ligou, funcionou) .
Na era digital, a facilidade de publicação de material informativo gerou uma grande oferta jornalística, onde a sobrevivência depende da diversificação de linhas editoriais, o que exige pesquisa, estudo, aprendizado e conhecimentos.
As Comunidades de Prática, segundo pesquisadores como a norte-americana Amy Schmitz Weiss e o espanhol David Domingo são o instrumento ideal para preencher a lacuna de conhecimento gerada pelo imediatismo e tecnicismo na migração do jornalismo para o ambiente digital. As CPs permitem que repórteres, editores, designers e programadores troquem informações sobre a melhor forma de customizar as novas tecnologias à realidade de cada redação e às especificidades do público alvo da publicação.
Experiências feitas no jornal online holandês De Correspondentrevelaram também que as CPs funcionam como instrumento para recolher sobras de informações não usadas em notícias e reportagens para inseri-las em bancos de dados, onde podem dar origem a novos conteúdos jornalísticos. A direção do jornal admite que quase 20% das reportagens publicadas atualmente surgiram a partir de dados descartados de outras reportagens.
O projeto GPSJOR, desenvolvido conjuntamente pela UFSC e pelo IELUSC, de Joinville, incluiu a formação de uma Comunidade de Prática entre os instrumentos usados para desenvolver coletivamente conhecimentos sobre governança em projetos jornalísticos na era digital. Trata-se de um tema ainda pouco estudado onde os pesquisadores recorrem à produção coletiva de conhecimentos, a partir de experiências individuais.
A transformação das redações em CPs ainda é um processo muito novo,  mas ela se baseia numa evidência já consolidada: a de que o diferencial  futuro do jornalismo depende mais da produção de conhecimentos inovadores do que das regras empresariais que regem o funcionamento das linhas de montagem de notícias.
Para os interessados em aprofundar conhecimentos sobre Comunidades de Prática:
– Innovation processes in online newsrooms as act-networks and communities of practice. Artigo por Amy Schmitz Weiss e David Domingo, publicado em 2010 no periódico New Media Society. DOI: 10.1177/146144809360400
– Interactivity in the daily routines of online newsrooms. Dealing with an uncomfortable myth. Artigo de David Doming, publicado, em 2008, no Journal of Computer-mediated  Communication.  DOI 10.1111/j.1083-6101.2008.00415.x
– Communities of practice, Learning, Meaning and Identity. Livro de Etienne Wenger, considerado o criador das Comunidades de Prática voltadas para o aprendizado e produção de conhecimento. Publicado em 1998, pela Cambridge University Press.
– Communities of practice,  a brief introduction. 
 Texto publicado em 2009 por Etienne Wenger e disponível em http://neillthew.typepad.com/files/communities-of-practice.pdf
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