Índia Kaynã Munduruku |
Depoimentos obtidos por dois jornalistas de Catolicismo, Paulo Henrique Chaves e e Nelson Ramos Barretto, e publicados na edição Nº 825, setembro/2019.
Manaus — capital do Estado do Amazonas, cidade moderna com dois milhões de habitantes — está cercada de águas e florestas quase intactas. Eis aí, já no início da nossa viagem, uma constatação visual oposta à falácia de que estamos queimando a Amazônia. E o fato concreto é que 97% do Estado do Amazonas encontra-se preservado!
Andando pelas ruas, encontramos brasileiros indígenas dispersos no meio da população. No dia 19 de junho, na Assembleia Legislativa, participamos de um Seminário das populações mestiças. Após nossa palestra, cujo tema foi “Princesa Isabel, a Redentora — mito ou realidade”, fomos procurados pela simpática índia Kaynä Munduruku, 41 anos, conhecida jornalista e radialista. Ela ficara encantada com a história da Princesa Isabel, que infelizmente não é contada nos livros escolares.
Depois de gravarmos uma entrevista para a sua rádio Tribos do Norte, conversamos longamente e nos impressionamos com o relato da sua vida pessoal, um verdadeiro depoimento para a história. Ela descende de várias etnias, como Munduruku, Sateré-Mawé e Mura. Seus antepassados são originários do Pará, onde o povo está enraizado e mantendo muito viva a sua língua.
Como qualquer amazonense do interior, Kaynä não calcula as distâncias por quilômetros, mas por dias de viagem em barco; e a essa informação um tanto imprecisa acrescenta-se uma particularidade pitoresca: rio acima ou rio abaixo. Até os 14 anos, quando faleceu seu pai, ela habitava em plena selva, em local isolado num dos braços do Rio Madeira, município de Manicoré. A que distância? Três dias de barco até Manaus… rio abaixo.
Perseguição e denúncia
Kaynä possui uma personalidade e capacidade de expressão fora do comum, a julgar pelo tempo de contato que tem com a cidade. Foi muito perseguida pela estrutura indigenista petista, mas não abre mão de sua independência. Gravou um vídeo num linguajar cauteloso e ponderado, mas também corajoso, em que faz uma denúncia contra a FUNAI e as ONGs indigenistas.
Ela mostra que a situação mudou para os povos indígenas. Eles estão despertando, querendo mais liberdade, e não aceitam que antropólogos e indigenistas “imponham a nossa identidade”, pois “sabemos quem somos”. Também as ONGs se meteram muito na questão indígena, fazendo com que milionários donos de ONGs, e os indígenas que se aliaram a eles, estejam muito bem de vida, enquanto os povos indígenas que realmente precisam estão na mais extrema miséria. Não têm nada, e muitos vivem como mendigos na rua, viciados em álcool.
Kaynä conclui: “O que precisa ser feito para os povos indígenas é dar-lhes oportunidade de trabalhar. Quem vai conseguir comprar suas coisas com uma bolsa família, ter uma vida boa e saudável? Não consegue. O índio precisa produzir. Não é preguiçoso, é capaz e tem uma inteligência grande. Sabe plantar, sabe produzir, só precisa de oportunidade. Com seu trabalho, os indígenas darão uma grande contribuição para a economia do Brasil”.
A fala da Kaynä contrasta com as imposições dos indigenistas e da nova eco-teologia, que propagandeiam o isolamento e a vida primitiva na pobreza. No vídeo de Kaynä* aparece o cacique Miguel de Santarém protestando contra o procurador Luís de Camões Boaventura, do Ministério Público Federal, por ter declarado abertamente que os índios devem viver na aldeia, na pobreza e na subsistência.
*Sínodo da Amazônia: Os índios querem mesmo ficar na selva? Veja o que eles dizem:
Mudança de Kaynä para Manaus
Sair da selva para morar numa cidade como Manaus foi, para Kaynä, como emigrar para outro país, pois no meio da selva tudo é diferente, a pessoa não tem conhecimento do que se passa fora dela. Não há estudo, nem se sabe qual é a sua utilidade; não há política, e é grande a dificuldade em entender para que ela serve. Pão, manteiga, luz elétrica, dinheiro, são desconhecidos. Havia um sistema de trocas. Depois chegou o rádio a pilha, do qual aproveitavam a música, porque nem faziam ideia do que se falava no noticiário.
“Assim começou a minha história. Quando cheguei a Manaus, com 14 para 15 anos, foi muito difícil para mim. Acabei sendo devolvida para minha aldeia, pois quase morri. A culpa teria sido minha, tenho a marca ainda na cabeça. Fui morar numa casa de família daqui, não como empregada, mas para ser formada. Eu não sabia o que era pão, o que era manteiga, o que era luz elétrica, não conhecia casa de alvenaria, não conhecia outro piso que não fosse a terra-batida. Certa vez a dona da casa me deu uma garrafa de detergente para limpar o chão. Eu não sabia o que era detergente, derramei a garrafa toda no local, e tomei um tombo ao caminhar sobre o piso escorregadio. Feri-me na cabeça, e passei muito mal. Outro dia a senhora me pediu que passasse manteiga no pão, para as crianças. Não sabia como fazer isso, então peguei o pão e o abri com as mãos. Enfiei uma colher na lata de manteiga, e comecei a encher com ela o pão. Não conhecia estas coisas mais elementares. Aprender tudo isso foi muito difícil.”
Um despreparo assim para a vida na cidade deixa a pessoa exposta a abusos de toda ordem, pois é indefesa e facilmente enganada. Kaynä achava que na cidade não havia noite, pois na selva a diferença entre dia e noite é muito nítida: “A gente usava uma lamparina, que ilumina pouco. Fiquei apavorada, imaginava que na cidade as pessoas não dormissem, não descansassem, e que a luz elétrica fosse uma espécie de eterno dia. Quando alguém desligava a luz, eu me assustava, pois não entendia como aquilo podia se passar numa fração de segundo”.
Sobre o motivo de sua ida para a cidade, ela contou que havia sido antecedida por umas primas, e quando estas iam à aldeia visitar os parentes, tinham a pele bonita, voltavam “falando bonito”. Então, era “legal” vir para cidade. Isso se tornou o sonho de toda menina lá.
Sobre a língua, ela esclarece: “Falávamos uma mistura, palavras do português que mudavam totalmente de significado, mas que eram utilizadas entre nós e nos entendíamos bem”.
Escola e saúde na aldeia
“Certa vez chegou na aldeia uma prima do meu pai, levando um livro, uma cartilha de poucas páginas. Sem escola, ela nos ensinava as letras, e a gente ia desenhando na lama da beira do rio. A água vinha e apagava as letras que a gente tinha feito. Escrevíamos com o dedo, ou então com um pedaço de pau, pois não tínhamos acesso a nada do que era conhecido e utilizado fora da aldeia. Não conhecíamos nem tínhamos dinheiro.
“Barcos passavam pelo Rio Madeira, mas nós morávamos longe de sua margem. Depois de algum tempo meu pai se mudou para próximo do rio, e lá plantou melancias, pois assim os frutos poderiam sair para os centros consumidores por via fluvial. Meu pai chegou a colher certa vez umas quatro mil melancias, e as levou ao porto para o embarque. Mas o barco estava com excesso de peso, e não pôde aceitar a carga. O outro barco só passaria dentro de alguns dias, com isso ele perdeu toda a produção.
“Até hoje tenho parentes vivendo lá, mas muita coisa já mudou. Tenho uma prima que estuda em faculdade, dessas que não exigem presença”.
A educação dos filhos era melhor
“Eu ficava muito assustada com a forma de criação dos filhos na cidade, se comparada com a forma pela qual fui criada. Penso que os pais hoje em dia não têm pulso firme para educar um filho, e as crianças chegam a bater no rosto dos seus pais. Entre nós, indígenas, havia respeito total. Quando chegavam pessoas adultas em casa, todas as crianças iam correndo para o tapiri, uma casinha de palha para as crianças brincarem e se abrigarem nessas ocasiões. Era proibido às crianças aproximarem-se de pessoas estranhas adultas conversando; e se chegassem perto, quando a visita fosse embora a gente apanhava. Fomos criados assim, e quando percebi como era a criação das crianças da cidade, para mim foi um choque muito grande. Não entendia nada da cidade, por isso passei de tudo e por tudo aqui. Isso deixou uma grande ferida, que fica aqui na alma e não cicatriza.”
Os programas radiofônicos de Kaynä
Kaynã numa transmissão ao vivo
“Decidi cuidar de meus parentes e amigos que já estão aqui, fazendo um trabalho voltado para a comunicação dos povos da floresta. Meu trabalho é voluntário, pois o meu público é habitante das selvas, e não tem como me pagar e ajudar. Minha rádio se chama Tribos do Norte. Procurei dar nomes aos programas utilizando a linguagem dos povos da floresta. O primeiro programa chama-se ‘Popa da canoa’, expressão que tem muito significado para os povos da floresta. Quando eu era criança, meu pai vinha na proa, enquanto eu ficava na popa. Mas quando ele vinha para a popa, eu ficava lá em cima na proa, onde o vento soprava forte. Era confortável e gostoso passear desse jeito.
“Outro programa se chama ‘Fala, parente!’, quando dou a eles ocasião de falar. Há muita participação dos ouvintes, com perguntas de tudo e sobre tudo.
“Não tenho meios de medir a audiência. Tive um pouco a noção de meus radiouvintes quando comecei a viajar pelo interior, pois bastava eu chegar para que uma pessoa avisasse a outra, e dentro em pouco todas sabiam que eu estava lá. A partir daí eu percebi que todo mundo me conhecia, as crianças vinham e ficavam acanhadas, com vergonha de se aproximar, talvez pensando que eu fosse uma pessoa importante, que está lá no rádio falando coisas complicadas; e agora, ao nos aproximarmos dela, ela vai falar com a gente. Eu ficava olhando, ria, e pouco a pouco elas vinham para perto de mim, me abraçavam, queriam tirar foto comigo”.
Os meios de comunicação na selva
“Quando fui cursar jornalismo na faculdade, não encontrei professores que me dessem aulas sobre comunicação dirigida ao público indígena, pois davam aulas focadas no público da cidade: como escrever uma boa matéria, como falar bem, ensinavam-se técnicas, etc. Mas eu pensei que, se falasse de forma muito técnica, ‘complicada’, iria perder o meu modo simples de falar, e assim prejudicaria o meu contato com o público da floresta.
“Saí da faculdade e fui estudar sozinha, tornando-me eu mesma a minha professora, embora vivendo num centro como Manaus. Mas a partir de minhas observações lá da selva, fui estudando como fazer para levar notícias aos meus ‘parentes’. E deu muito certo, pois de povos da selva eu entendia.
“Foram quatro anos de pesquisas sobre o modo de levar a comunicação aos povos da floresta. A internet é um instrumento muito útil de comunicação, mas no meio da selva amazônica… Pesquisei sobre a comunicação por meio do telefone celular, quis saber se os ‘parentes’ tinham acesso a um telefone, como eu poderia atingir a cabeceira do rio e do igarapé, aonde não chega TV, rádio, mas chega WhatsApp, etc. Mas o homem da floresta fala umas vinte línguas diferentes, e a comunicação se tornaria ainda mais difícil.
“Comecei por pedir a Deus inteligência e sabedoria, e isso me deu uma espécie de visão de Deus. Foi Deus mesmo quem me deu forças, me deu fé. Eu estava caída, achava-me muito pequena, não sabia falar direito, não tinha sabedoria, não tinha entendimento. Nesse período fui ser articuladora política. Pedia sabedoria a Deus, porque não tinha argumentos para tratar com políticos, não entendia nada. Rezei durante seis meses. Deus não me falava nada, eu não sentia qualquer mudança, pois continuava mesmo pequenininha”.
Deus fala também aos índios
“Eu rezava ao Deus universal, Criador do Céu e da Terra, pois antes eu não sabia quem era Deus. Sou cristã. Quando menina, cheguei a pensar que Deus fosse uma árvore: a árvore maior e mais bonita, que se destacasse entre as outras, era Deus. Fui criada achando que Deus fosse árvore, só mais tarde entendi que não era assim.
“Ao cabo de seis meses pedindo a Deus, quando estava a ponto de desistir, numa madrugada eu me levantei e implorei a Deus que me desse entendimento, pois não queria ser ‘mais uma’ no movimento indígena, queria ser diferente. E aí a voz falou comigo. Foi como se eu tivesse saído do meu corpo e ficasse flutuando.
“A partir daquele dia entendi que eu iria me tornar comunicadora para o meu povo, entendi tudo o que tinha de fazer. O nome Rádio Tribos do Norte me surgiu como sugestão clara, e por meio de um celular comecei a constituir o meu grupo de seguidores. Depois que entendi tudo, como faria o meu primeiro programa? Eu não sabia por onde começar.”
Meus recursos tecnológicos
“Eu tinha uma televisão velha, grande, que eu precisava esmurrar para que soltasse o seu característico ruído. Minha lista de contatos contava com apenas quinze nomes, não possuía estrutura alguma, meu celular com a bateria viciada, não sabia mexer direito com o WhatsApp. Mas as vozes que ouvi diziam que a solução estaria na palma da minha mão.
“A hora chegou, e tinha de rodar o meu primeiro programa na Rádio Tribos do Norte. Comecei mais ou menos assim: ‘Bom dia meus parentes, está começando na Rádio Tribos do Norte o programa Na popa da canoa, apresentado por Kainä Munduruku’. Eu havia ligado a música, utilizando-me do som da velha televisão. Dei os costumeiros tapas nela, e quando fui ouvir o áudio, saiu a coisa mais linda, parecia ter sido gravado num estúdio de alta tecnologia, não havia um chiado, som limpo, limpo! Coisa de primeiro mundo! (risos).
“Naquele momento, pareceu-me que todos os quinze ‘parentes’ pararam para ouvir. A partir daí iniciaram-se os pedidos para colocação de nomes na minha lista: primo, pai, avó, cacique, tuxaua… Em poucos minutos o grupo estava lotado, não podia introduzir mais nomes na lista. Uma história bem-sucedida.
“Minha rádio vai completar quatro anos, com repercussões até nos Estados Unidos, Portugal e vários outros países da Europa. Mas lá na cabeceira do Igapó, aonde a TV não chega, aonde o rádio não chega, nós chegamos por meio da comunicação que se encontra na palma de minha mão, o celular.
“Há casos em que, na aldeia, apenas um indígena possui celular com WhatsApp. O que ele faz? Vai duas vezes por semana à cidade, conecta-se na internet por meio da energia elétrica, recolhe as mensagens com as notícias e as leva para a aldeia. Ao voltar, alguém traduz do português para aqueles que não o entendem.
“Agora a minha rádio vai transmitir a notícia da palestra sobre a Princesa Isabel, a entrevista do Sr. Nelson Barretto sobre as atividades da Campanha Paz no Campo,e sobre o papel da Princesa Isabel na abolição da escravatura no Brasil. Daqui a pouco eles saberão lá do fundo das selvas o que aconteceu aqui, tomarão conhecimento da questão dos mestiços. Faço vídeos pequenos, vou cortando, pois não podem ser grandes. Os indígenas não têm celulares potentes, e se os vídeos forem grandes eles não conseguem abrir.
“Mesmo com internet fraca, todos podem ter essas informações, que passo com muita responsabilidade. O programa é feito por amor, não é patrocinado. Já pensei várias vezes em desistir, mas os ‘parentes’ mandam áudios implorando que, por favor, não os abandone. Sou a única fonte que sabe levar comunicação da forma que eles entendem, pois não sabem ler e escrever”.
Serviço social voluntário e eficiente
Kaynã transmitindo de uma canoa
“Faço vários serviços sociais, como pedir às famílias daqui alimentos, roupas, calçados. Faço campanhas de arrecadação de objetos para os indígenas. Graças a Deus, já consegui até geladeira para os que não têm. Muitas vezes, quando eu não recebia ajuda, ia lançando mão dos meus próprios pertences. Certa vez eu ia fazer uma viagem grande, a Israel, mas dias antes chegaram aqui muitos doentes do interior, pessoas que nunca tinham vindo à cidade, com seus filhos internados. Não tinham roupas, não suportavam ar condicionado, e para ajudá-los eu fui me desfazendo do que havia conseguido para viajar: dei meus sapatos, casaco, cobertor, dei tudo. De repente eu estava a uma semana da viagem, e não tinha mais nada, dei tudo o que eu tinha.
“Meu Deus do Céu! Nem para minha mãe eu contei o que havia acontecido. Aí, a mulher que ia me levar para Israel falou assim: ‘Kainä, está frio lá, leve roupa de frio’. Eu desabafei com uma colega minha do grupo de WhatsApp, e ela contou isso na rede. Resultado: ganhei tudo novo, até escova de dente! Ganhei um celular novo para tirar as fotos da viagem. Numa comunicação dessas, cheguei a receber até um prêmio do Estado do Amazonas.
“Os povos da floresta perguntam muito se há algum deputado que fala deles, se ao menos sabe que nós existimos. Perguntam se tenho contato com as autoridades.”
Brasileiros indígenas
“Eu acho que neste governo nós estamos conhecendo uma abertura muito grande,uma facilidade muito grande de ter esse acesso ao Presidente, porque ele tem uma visão certa sobre os indígenas brasileiros, que na realidade são brasileiros indígenas. Governos anteriores trabalharam para deixar os índios engaiolados e isolados. Hoje temos índios advogados, médicos, somos responsáveis e acabou essa coisa de dizer que índio é preguiçoso, pois tem muito índio trabalhador que quer fazer a diferença, quer ajudar o Brasil a evoluir para retomada de crescimento e desenvolver o nosso País. No campo da agricultura há muitos ‘parentes’ que têm quilômetros e quilômetros quadrados de terra, mas não recebem nenhum tipo de incentivo.
“O que falta são políticas públicas voltadas para os povos da floresta, para os caboclos, para os ribeirinhos. Todos têm dificuldades, e precisam de políticas voltadas para eles, não a mesma que existe para os produtores do agronegócio. Se utilizar a expressão ‘homem do campo’ para um índio, um caboclo ou um ribeirinho, ele entende outra coisa, talvez uma pessoa que joga futebol num campo. Para os ‘povos da floresta’ deve ser outra a linguagem, outras as políticas públicas específicas, tudo feito numa linguagem que eles entendam. Tenho a certeza de que os povos indígenas podem contribuir muito para a economia do nosso País.
“Nas áreas de reserva há minério de toda espécie, algumas já cultivam banana e outras culturas. Mas não havendo essa política específica, não há como escoar a produção, que se estraga antes de ser aproveitada. Falo, por exemplo, de caminhão-barco, que vá buscar nosso produto nas proximidades dos plantios e fazê-lo chegar ao mercado consumidor. Nossas estradas no Amazonas são os rios, e nós dependemos de barcos adequados que atendam as necessidades dos povos da floresta, senão eles perdem a produção. De que adianta produzir, se não há comprador? Tudo o que os índios vêm produzindo em maior escala acaba se perdendo, em razão da falta de escoamento. Com isso ficam desanimados, e deixam de plantar.”
Raoni com Macon
Falso conceito de ‘cultura indígena’
Muitas ONGs interesseiras e pessoas mal orientadas acham que os índios devem permanecer no seu atual modo de vida primitivo, por isso quisemos obter a opinião de Kaynä. A posição dela foi muito segura e taxativa:
“Eu não gosto desse tipo de gente. Eles querem dar palpite sobre o que nós somos, e fizeram uma espécie de ditadura na cabeça das pessoas. Alguns até quiseram trocar o sentido das palavras do povo Munduruku. A gente não se adapta a isso. Eu estou numa luta muito grande, fui a primeira índia do Amazonas a apoiar o Bolsonaro, e venho pagando um alto preço por isso. No governo anterior foi implantado algo muito forte na cabeça dos índios, que está perdurando até hoje.
“Esse tipo de gente acha que eu e outros indígenas que apoiamos o atual governo não somos índios,pois estamos apoiando um governo anti-indígena. Mas somos brasileiros, e acreditamos nas mudanças que esse governo pretende fazer em relação a nós. Bolsonaro veio para libertar os brasileiros indígenas de um cativeiro que eles estão vivendo há muitos anos, imposto pelo antigo governo. Creio que a assessoria do governo Bolsonaro está totalmente aberta para ouvir os povos da floresta. Preocupo-me também pela situação dos caboclos e ribeirinhos, que é muito semelhante à nossa. A população brasileira tradicional do meio da floresta precisa de uma nova política pública, porque ela tem a mesma necessidade de trabalho e poderá fazer muita diferença na questão econômica do nosso País.”
Raoni, um cacique que não representa os índios
Perguntamos à nossa entrevistada o que pensa sobre o cacique Raoni. Ela contou que o conheceu bem, inclusive por ter mantido amizade muito estreita com ele, chegando a ser candidata a se tornar sua 5ª ou 6ª esposa.
“Recentemente ele foi à Europa, esteve com o presidente da França e com o Papa, para dizer que a floresta amazônica está sendo queimada. Mas a intenção dele era arrecadar dinheiro, e para isso divulgou que estão desmatando e queimando a Amazônia. Desde que eu me entendo por gente, nunca vi o Raoni por aqui visitando comunidades da Amazônia. Mas de uma hora para outra ele aparece na Europa abraçando o Macron na França, como se representasse os indígenas brasileiros. Com que intuito? Falar mal do atual governo brasileiro?
“Já foi o tempo em que um cacique podia representar todos os povos indígenas do Brasil. Somos mais de 300 etnias no País, e cada etnia tem seu cacique, seu chefe. Os próprios índios falam que não se sentem representados por Raoni. Ele não deveria ter feito isso, foi uma agressão aos brasileiros indígenas da Amazônia. Não se comunicou com a autoridade do Amazonas, nem com os povos indígenas do Amazonas, simplesmente pegou a mala e foi. Sozinho. Isso que ele fez não foi legal. Conversamos entre nós, por meio de meus programas na rádio, e várias lideranças disseram que Raoni não as representa. Não basta ele dizer que representa, as coisas mudaram.”
Ser a redentora de um povo, como a Princesa Isabel
“Gostei muito, muito mesmo, da palestra sobre a Princesa Isabel, da humildade dela. Fiquei imaginando, se ela tivesse reinado no Brasil, como teria sido, como nós estaríamos hoje, pois além de humilde ela era muito preparada. Eu gostaria muito de ser uma princesa como ela, para me tornar a redentora de meu povo”.
ABIM
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