♦ Paulo Roberto Campos
No acordo (dito provisório) assinado no último dia 22 entre a China vermelha e o Vaticano, o Papa Francisco reconhece a legitimidade de bispos nomeados pelo governo comunista chinês… Entretanto, “bispos” semelhantes aos assim “nomeados” foram excomungados pelo Papa Pio XII. Na ocasião, definiu-se na China a separação entre aqueles que pertenciam à “Igreja clandestina” (fiéis à Santa Sé, perseguida pelo comunismo) e à “Igreja patriótica” — também conhecida como Associação dos Católicos Patrióticos, fundada pelo Partido Comunista Chinês (PCC) e fiel a ele.Nesse momento de mais um “acordo” auto-demolidor da igreja, convém relembrar o ensinamento do Papa Pio XI sobre a seita comunista: “Velai, Veneráveis Irmãos, por que se não deixem iludir os fiéis. Intrinsecamente mau é o comunismo, e não se pode admitir, em campo algum, a colaboração recíproca, por parte de quem quer que pretenda salvar a civilização cristã. E se alguém, induzido em erro, cooperasse para a vitória do comunismo em seu país, seria o primeiro a cair como vítima do próprio erro” (Carta Encíclica Divini Redemptoris, 19 de março de 1937).
O governo totalitário da China tem recrudescido nos últimos anos sua perseguição aos católicos fiéis a Roma, inclusive destruindo suas igrejas e as cruzes que eles erigem em suas cidades, além de encarcerar bispos católicos que não aceitam o controle do PCC.
Esses católicos estão percebendo que o Vaticano os está abandonando — para não dizer vendendo-os — em troca de um “acordo” que só favorece as exigências dos comunistas, uma vez que passa a reconhecer a igreja excomungada e cismática criada pelo tirânico PCC e separada de Roma. O cardeal Joseph Zen Ze-kiun, Arcebispo emérito de Hong-Kong [foto ao lado], declarou que tal “acordo” representa uma “traição”: “Qual é a mensagem que se dá aos fiéis católicos? O governo [comunista] pode dizer aos católicos: ‘Obedeçam-me! Estamos de acordo com o seu Papa’”.
Numa entrevista à “Reuters”, o cardeal Zen chegou a pedir a renúncia do Cardeal Pietro Parolin [foto abaixo, junto com o Papa Francisco], Secretario de Estado do Vaticano e um dos articuladores do infame conluio com os comunistas chineses: “Não creio que ele tenha fé […]. Estão entregando aos lobos o rebanho católico chinês. É uma incrível traição”.
A esse propósito, transcrevemos a seguir uma excelente entrevista que o Sr. Joseph Kung — sobrinho do cardeal Inácio Kung (1901–2000), prelado-símbolo da resistência católica ao comunismo na China — concedeu à revista Catolicismo em fevereiro de 2001 sobre o verdadeiro calvário dos autênticos católicos chineses.
Ele denuncia a constante e implacável perseguição aos católicos. Fala também do heroísmo do cardeal Kung, que era grande devoto de Nossa Senhora. Em 1952, quando era Bispo de Xangai [foto], ele consagrou sua diocese ao Imaculado Coração de Maria. Ele esteve prisioneiro durante 30 anos, devido à sua firme recusa às tentativas do governo comunista chinês de controlar a Igreja Católica.
O Sr. Joseph Kung criou em 1991, a pedido de seu tio, a Fundação Cardeal Kung. Ele participa com frequência de transmissões televisivas e radiofônicas, e pronuncia conferências em organizações católicas e organismos internacionais. Por exemplo, deu testemunho de sua própria experiência sobre a perseguição religiosa na China diante do Subcomitê dos Direitos Humanos do Congresso dos Estados Unidos, em 1994 e 1996; do Parlamento inglês, em 1996; do Conselho da Cidade de Nova York e do Senado da Califórnia, em 1997.
De passagem por Roma, o Sr. Kung [foto abaixo] proferiu uma importante conferência no dia 5 de dezembro de 2000. Na manhã seguinte, no hotel da rede Jolly, onde se hospedara na Cidade Eterna, concedeu ao enviado especial de Catolicismo, Nestor Fonseca, a entrevista que segue.
Importante denúncia da perseguição aos verdadeiros católicos chineses
Catolicismo — O governo comunista de Pequim não admite que tenham sido ordenadas prisões por razões religiosas na República Popular da China. Afirma que esses prisioneiros estão cativos por “motivos políticos”. Ao mesmo tempo, a autorizada agência de notícias “Fides”, do Vaticano, tem relatado algumas das vicissitudes pelas quais os católicos estão passando naquele país. O que o senhor diz sobre a transparência dos acontecimentos na República Popular da China e as informações que o governo comunista dissemina no Ocidente?
Joseph Kung — Dou-lhe um exemplo. Há três anos, quando o Presidente chinês Jiang Chi-Ming visitou os Estados Unidos, o Ministério das Relações Exteriores da China informou ao Departamento de Estado norte-americano que o Bispo Su Chi Ming havia sido libertado da prisão, como gesto de boa-vontade pela visita do Presidente Jiang. O Bispo Su havia sido preso várias vezes pelo governo, cumprindo uma pena total de aproximadamente 25 anos. Infelizmente, ficou claro que essa boa notícia não passava de uma grande mentira do governo chinês. Na verdade, o Bispo Su nunca foi solto e ninguém sabe onde se encontra.
Catolicismo — Como evoluiu a perseguição da Igreja na China?
Joseph Kung — Mao Tsé-Tung tinha um conhecimento muito preciso do poder da religião. No começo do regime comunista, ele disse que não seria possível destruí-la pela força. O único modo de destruir a Igreja seria deixá-la apodrecer por dentro. Mao sabia bem que quando um galho se destaca da árvore, ele morre. Se a Igreja na China pudesse ser separada da Santa Madre Igreja, ela também feneceria.
Então, em 1957, após sete anos de perseguição, e fracassando em sua tentativa de erradicar a Igreja Católica, o governo comunista criou sua própria igreja, denominada Associação dos Católicos Patrióticos, visando substituir a Igreja Católica Romana na China e controlá-la inteiramente. Essa igreja da Associação Patriótica recebe seu mandato do Congresso Popular da China, e não do Papa.
O mais importante artigo dos estatutos da Associação Patriótica é a autonomia em relação ao Papa. Eles não reconhecem a suprema autoridade administrativa, legislativa e judicial do Sumo Pontífice. Um conhecimento básico de teologia nos mostra que ninguém pode alegar comunhão com o Papa e simultaneamente negar a suprema autoridade do Romano Pontífice. Até hoje a Associação Patrióticacontinua a propugnar abertamente autonomia em relação à Santa Sé. Portanto, essa Associação NÃO está em comunhão com o Papa.
Os bispos da Associação Patriótica nunca deixam de manifestar seu amor pelo Papa, mas, ao mesmo tempo, juram defender a igreja autônoma na China. Não é esta a fé que me foi ensinada.
Bispos e padres dessa mesma Associação Patriótica, fazendo-se passar por clérigos católicos de boa fé, viajam pelo mundo pedindo donativos. Instituições católicas mal informadas, algumas delas possivelmente bem intencionadas, têm doado milhões de dólares à Associação Patriótica, ao mesmo tempo em que os Bispos leais à Santa Sé, na clandestinidade, são deixados quase à míngua.
A Associação Patriótica sempre nomeou bispos sem autorização da Santa Sé. Mas quando S. Excia. Revma. Dominic Tang foi nomeado Arcebispo em 1982, e quando foi anunciada a elevação secreta do Cardeal Kung ao Colégio de Cardeais em 1991, o governo chinês denunciou o Papa com veemência, acusando-o de interferência nos assuntos internos da China.
Por outro lado, em 1º de outubro de 2000, os bispos da Associação Patriótica denunciaram publicamente o Papa, pela canonização de 120 mártires chineses. Infelizmente, as reiteradas condenações ao Papa, feitas pelo governo comunista chinês e pelos bispos da Associação Patriótica, parecem ter sido açodadamente desconsideradas ou mesmo desculpadas por vários membros da Hierarquia da Igreja, devido à desfavorável situação política.
Cardeal Inácio Kung (1901–2000),
preso, durante 30 anos,
pelos comunistas
Catolicismo — Qual a receptividade que a Associação Patriótica tem encontrado no Exterior?
Joseph Kung — Algumas dioceses dos Estados Unidos chegaram até a permitir que padres da Associação Patriótica rezassem missas e administrassem sacramentos, inclusive o da penitência, em paróquias católicas. Muitos católicos recebem esses sacramentos a não sabendas, uma vez que não conhecem o padre. Disseram-nos que tais padres patrióticos podem ser considerados católicos, por terem recitado em privado o Credo ao menos uma vez. Não deixa de ser irônico que, em sua ordenação, os bispos da Associação Patriótica chinesa ao mesmo tempo recitam o Credo e juram defender a igreja autônoma.
Essas atitudes são muito confusas e contradizem as orientações emanadas do Vaticano para a China em 1988. Além disso, têm vindo a lume muitos relatórios enganosos e tendenciosos sobre a Igreja Católica na China. Foi o que me levou a escrever uma carta aberta à Santa Sé, em 28 de março p.p., pedindo um esclarecimento, pois tal confusão tem um preço, e este está sendo pago pelo sofrimento da Igreja subterrânea na China. Essa carta aberta não critica ou culpa a Santa Sé, mas visa obter um esclarecimento cabal da política vaticana no tocante ao procedimento da Igreja universal com relação à Igreja das catacumbas, na China.
O Papa Pio XII disse certa vez a um grupo de seminaristas que, além dos quatro sinais bem conhecidos da Igreja verdadeira — una, santa, católica e apostólica —, há um quinto: a perseguição.
Ainda hoje os católicos não têm igrejas abertas ao público na China, por serem estas consideradas ilegais. Missas, orações em comum, ou até rezar junto a agonizantes, tudo é considerado atividade subversiva se feito sem permissão do governo. Os serviços religiosos para a Igreja subterrânea só podem ser realizados secretamente, em casas particulares ou em lugares ermos. O governo chinês considera tais reuniões privadas de católicos como ilegais, não autorizadas e subversivas, puníveis com exorbitantes multas, detenção, prisão domiciliar, cadeias, campos de trabalhos forçados, ou até mesmo com a morte. Muitos Bispos, padres e leigos estão atualmente detidos, ou se encontram em prisão domiciliar, ou escondidos.
Essa lealdade da Igreja subterrânea ao Papa é o ponto mais importante. Caso se perca isso, não há mais Igreja. Essa é a razão da frase de Mao Tsé-Tung: “Para destruir a Igreja, deixemo-la apodrecer por dentro”.
Profanada pelo comunismo, a Igreja de Xinjiang
teve suas cruzes e outros símbolos religiosos destruídos
Catolicismo — Não se pode falar sobre a perseguição religiosa na China sem mencionar a heróica figura do Cardeal Inácio Kung. Após sua morte, dedicamos um artigo à sua saudosa memória. O senhor poderia dizer-nos onde o Cardeal Kung recebeu sua extraordinária formação católica?
Joseph Kung — No seminário. Ele frequentou um excelente seminário diocesano dirigido, se não me engano, por jesuítas franceses, onde recebeu boa formação. Mas quando criança recebeu instrução diretamente de sua tia Martha, que exerceu grande influência sobre ele. Quando pequeno, ela ensinou-lhe o Catecismo etc. Mais tarde, na idade do curso primário, ele foi muito influenciado por alguns Irmãos Maristas, que lhe deram a formação espiritual. Ele era muito devoto de Nossa Senhora do Rosário. Foi por isso que, ao ser nomeado Bispo, pediu especial permissão para que sua sagração fosse adiada por cinco meses, de maneira a coincidir com a festa do Santo Rosário, no dia 7 de outubro. Ele tinha grande devoção a Nossa Senhora de Fátima e a Nossa Senhora do Rosário.
Catolicismo — Quando foi que o Cardeal tomou conhecimento das aparições de Nossa Senhora de Fátima, e que importância lhes deu?
Joseph Kung — Quando tomou conhecimento, eu não sei, mas ele era grande devoto de Nossa Senhora de Fátima. Em meio à perseguição comunista, dedicou sua diocese ao Imaculado Coração de Maria. Isso foi em 1952, quando era Bispo de Shangai. Ele declarou 1952 Ano Mariano na diocese e consagrou-a ao Imaculado Coração de Maria. Durante todo o ano houve recitação ininterrupta do Rosário por 24 horas diante da imagem de Nossa Senhora de Fátima, que visitou todas as paróquias de Shangai.
A fim de preparar os fiéis para essa consagração, ele publicou uma Carta Pastoral. Nela escreveu: “Recomenda-se que as famílias se unam diariamente na recitação do Rosário e tirem dali uma lição diária de doutrina cristã. Já mostramos como as orações do Rosário lembram as principais verdades de nossa fé. Desejamos que todos os dias, nas famílias de nossa diocese, o pai, a mãe ou um dos filhos explique um para o outro o significado do ‘Sinal da Cruz’, outro explique a ‘Ave Maria’, o “Pai Nosso’ e cada um dos doze artigos do Credo dos Apóstolos”.
E concluiu: “Essa renovação da vida religiosa e da devoção mariana em toda a diocese e em cada uma das famílias certamente se dará pelas mãos de Maria, nossa Mãe e Medianeira, trazendo-vos abundantes graças espirituais e temporais”.
De passagem, é interessante mencionar que na China os agentes alfandegários às vezes permitem a entrada de pequenas imagens de Nossa Senhora, mas nenhuma de Nossa Senhora de Fátima. Eles realmente não gostam d´Ela.
Catolicismo — Qual era o conselho do Cardeal Kung aos católicos chineses?
Joseph Kung — Certa vez, quando ele ainda se encontrava na China, em prisão domiciliar, um seminarista foi visitá-lo. Esse seminarista encontrava-se muito perturbado, porque estava indo para um seminário dirigido pela Associação Patriótica, que não é uma instituição legítima. Então ele queria um conselho sobre o que fazer. O Cardeal Kung respondeu com uma pergunta muito simples: “Você é leal ao Santo Padre e reconhece a supremacia dele na Santa Igreja Católica Romana?” — “Sim”. “A Associação Patriótica reconhece o Papa?” — “Não”. “Então decida por si mesmo”. O seminarista decidiu não ir para o seminário da Associação Patriótica.
Portanto, o que ele fez era muito claro, realmente elementar: “Se você quiser ser católico romano, a primeira condição é que reconheça a supremacia do Papa sobre a Igreja universal; do contrário não se é católico”.
Catolicismo — Quais foram os maiores sofrimentos do Cardeal Kung?
Joseph Kung — No tocante aos sofrimentos físicos, não temos nenhuma prova de que tenha sido torturado. Estava perfeitamente ciente de que poderia sê-lo. Por causa disso mandou seu dentista arrancar-lhe todos os dentes, a fim de evitar maiores problemas físicos ao ser preso. Suspeitamos que durante seus 30 anos de prisão, algo de mal lhe tenham feito, pois após sua libertação demonstrava grande dificuldade em caminhar. Era muito forte, atlético, e andava muito depressa. Mas, ao sair da prisão, mal podia andar.
Sofreu muito por não lhe terem permitido ler a Bíblia, rezar Missa ou receber visitas. Isolamento total. Surpreendi-me como ele pôde suportar isso por tantos anos, e ele disse: “É o poder do Rosário”. Ele tinha que rezar o Rosário nos dedos. Sua devoção ao Rosário era muito tocante.
Catolicismo — À recomendação que o senhor dá, de que não se devem comprar coisas fabricadas na China, alguns retrucam dizendo que tal atitude não ajuda o povo simples. O que o senhor diz a respeito?
Joseph Kung — O que recomendo aos consumidores é que verifiquem a etiqueta ao comprar. Comércio e finanças são importantes para qualquer país. Seria aceitável através da compra de produtos e serviços, apoiar um país que não tem a menor consideração para com os princípios dos direitos humanos, tão caros a você, a seus filhos e à sua família? Freqüentemente, o baixo preço que se paga pelo made in China deve-se ao sangue e ao labor de prisioneiros condenados a trabalhos pesados por causa de sua religião. Claro está que o governo comunista chinês não compartilha de seus princípios e valores, e portanto importa fazê-lo entender que essa perseguição religiosa lhe causará dano, pelo menos financeiro. Os países que adotam um regime de relações comerciais normais com a China, ignorando a perseguição religiosa, enviam ao governo chinês uma mensagem muito errada.
Catolicismo — O Sr. teria uma última palavra a ser dirigida a nossos leitores?
Joseph Kung — Em 1991, com permissão do Cardeal Kung, lançamos a Cardinal Kung Foundation. Seu objetivo é dar assistência à sofrida Igreja Católica das catacumbas na China. Ela o faz de diferentes modos. Em primeiro lugar, promovendo orações pela China. Temos um Programa de Patrocinador de Orações (Prayer Sponsor Program). Um patrocinador de orações promete rezar diariamente por um determinado membro do Clero clandestino, ou para que um certo membro da Associação Patrióticaretorne à Santa Igreja. Em segundo lugar, informar o público a respeito das perseguições à Igreja Católica na China. Em terceiro lugar, ajudar os Bispos clandestinos em seu apostolado e na formação de seminaristas e sacerdotes. O programa Parceiro na Vocação (Partner in Vocation) patrocina um seminarista na China através do envio de 600 dólares anuais. Essa quantia cobre todas as despesas de um seminarista durante um ano. Em quarto lugar, a Fundação patrocina um Orfanato para crianças deficientes abandonadas, dirigido por um Bispo da Igreja das catacumbas. Atualmente são cerca de 100 crianças. Em quinto lugar, nós enviamos as espórtulas de Missa aos padres da Igreja subterrânea. Espórtulas entre 15 e 20 dólares mantêm um padre por quase uma semana. Existem aproximadamente 60 Bispos clandestinos na China, responsáveis por cerca de 120 dioceses com 10 a 12 milhões de almas. Todos eles necessitam de ajuda. A sua será bem-vinda.
Fonte: ABIM