quinta-feira, 10 de setembro de 2015

A corrupção e a vontade política


 A corrupção e a vontade política

Por Joaquim Carlos (*)

A comunicação social, brinda-nos todos os dias com notícias relacionadas com o tema desta semana. Uma vez que localizei nos meus arquivos, um artigo divulgado há uns anos no JN, aqui transcrito na íntegra pelo interesse que desperta ainda no presente. Começam a ser tão banais tais notícias que já não despertam tanta atenção, não deixando de ser perigoso, pois a corrupção corrói a dignidade humana e destrói uma nação.
A corrupção não é somente uma questão de comprar determinados procedimentos de outros, em envelopes com dinheiro, para obter vantagens financeiras. Comprar os outros, ou comprar facilidades para obter vantagens é uma coisa muito velha nas sociedades. Ocorreu até com Judas por um punhado de moedas, ao que está escrito na Bíblia, verdade ou não, vamos utilizar apenas como exemplo de corrupção em tempos antigos. O corrupto nas sociedades mais antigas, não era somente o que se vendia por dinheiro, mas aquele que por uma fraqueza pessoal, um desvio de carácter, e até mesmo por cobardia, acabava por trair aqueles com os quais tinha feito votos de total confiança, uma espécie de juramento.
 Não podemos mais aceitar uma sociedade com estes valores e estes modus de vida completamente degradantes que gradualmente estão nos conduzindo para um beco sem saída em todos os caminhos que seguimos. O mundo está passando por crises de todos os tipos, económicos, climáticos, incongruências, filosofias balofas, padrões comportamentais desviantes, vazios existenciais, fomes, guerras a dizimar populações inteiras, violências fortuitas, homicídios em massa e desemprego, etc., etc.
Corrupção não é só vender-se ou comprar alguém por um punhado de notas, vai muito além. É como um vírus mental, um desvio comportamental que existe em todo o homem, ele se sobrepõe ao comportamento que devia ser correcto em ética e moral das leis sobrenaturais. Corrupção humana, no conceito mais amplo é o resultado de uma acção de querer levar vantagem, de qualquer natureza, sobre os outros, e nem sempre envolve vantagens pecuniárias, sendo esta apenas um resultado desejado em muitos casos. Ela é na verdade, pelo conceito esotérico abrange todo o impulso egocêntrico do ser humano em convívio com outros seres humanos. Afinal o que é ser corrupto? Ser corrupto é tudo que existe de negativo no comportamento do ser humano.
Restringir a corrupção apenas aqueles que ascendem a cargos públicos como os políticos, administradores ou governantes, é limitar demais os nossos próprios comportamentos. Afinal, nos processos actuais o político é mais um alguém do Povo, como qualquer outro, por isto mesmo corrupto, sujeito aos desejos como qualquer outro indivíduo do Povo. Roberto Pompeu de Toledo escreveu em 1994 na Revista Veja: “Hoje sabemos, sem sombra de dúvida, que a corrupção faz parte de nosso sistema de poder tanto quanto o arroz e o feijão de nossas refeições”. A corrupção, assim como a vida, são encaradas como um intercâmbio, como um constante processo de “trocas” entre pessoas, uma rotina que não devemos dar importância, dizem alguns.
“Pelo que se tem visto, ultimamente, no nosso país, o “fenómeno” da corrupção não aparece já como um problema marginal na sua dimensão e excepcional na sua ocorrência, mas como um sentimento endémico, uma espécie de metassistema tão eficiente ou ainda mais do que os aparelhos oficiais nos quais está enxertada e dos quais se alimenta.
E não parece que o sistema político mostre muito empenho em combater tal situação. O que tem vindo a contribuir fortemente para que a corrupção tenha alastrado será o facto de a sociedade civil e o mercado estarem gangrenados e corrompidos. Esta é a realidade.
Sem pretender fazer análise minuciosa e detalhada das causas que contribuem para a erupção num Estado, dito, de direito democrático, não será muito difícil descortinar que o laxismo, o individualismo feroz e a permissividade normativa que hoje em dia caracteriza(m) as relações sociais, são consequência da perda do carácter e da integridade das pessoas a que se alia a prática de comportamentos inescrupulosos que acabam por não respeitar nada nem ninguém.
Se isto se passa a nível da sociedade civil não será difícil, a “fortion”, verificar que o mesmo se passa a nível politico. Porque a sociedade civil promana de uma certa forma de exercício do poder político. Ou seja, a forma como se exerce esse poder político tem reflexos na estrutura e na organização da sociedade civil. Por isso a corrupção pode, portanto, ser primeiramente definida como uma troca clandestina entre dois “mercados”, o “mercado politico e/ou administrativo” e o mercado económico e social.
Esta troca é oculta, pois viola normas públicas, jurídicas e éticas e sacrifica o interesse geral a interesses privados (pessoais, corporativos, partidários, etc.). Por fim, esta transacção que permite a agentes privados ter acesso a recursos públicos (contractos, financiamentos, decisões…) de maneira privilegiada e oblíqua (ausência de transparência e de concorrência) fornece aos agentes públicos corrompidos benefícios materiais presentes ou futuros para si mesmos ou para a organização de que são membros.
Como alterar, então, tal estado de coisas? Só com efectiva vontade política e com firmeza de actuação. Mas alguém acredita nessa vontade política e nessa firmeza de actuação?
Como acreditar no combate à corrupção, por parte do Governo, quando no conjunto de medidas aprovadas em Conselho de Ministros, no passado mês de Outubro (1998), entre elas está a introdução do agraciamento penal ao corruptor activo “arrependido”, isentando-o de responsabilidades no caso de denunciar ou contribuir para a descoberta do corruptor passivo, isto é, a pessoa que ele corrompeu?
Não será isto um verdadeiro atentado à dignidade da Magistratura Judicial como afirmava, recentemente, um conhecido advogado? Onde está a vontade política para combater a corrupção?” (António G. Mesquita, Vila Real, J.N. 18/12/98).
Este artigo é actualíssimo. Quantos corruptos estão detidos? “Digo olhos nos olhos: O nosso país não é corrupto, os nossos políticos não são corruptos, os nossos dirigentes não são corruptos”, disse a procuradora-geral adjunta, na Universidade de Verão do PSD, em Castelo de Vide. Francamente, a senhora não deve ter a noção do país em que vive, do buraco em que os políticos nos enfiaram, enfim…
“Quando os homens são puros, as leis são desnecessárias; quando são corruptos, as leis são inúteis.” (Thomas Jefferson). As leis são inúteis porque não funcionam, as influências e interesses subterrâneos impõem-se, falam mais alto. A corrupção corrói um país, degrada uma sociedade, e conspurca o nome de quem chafurda neste lodo nauseabundo.


(*Jornalista)
+ O Dever de Informar

A Educação é um Património Familiar

A Educação é um Património Familiar
Por Joaquim Carlos*

Os pais convencem-se com frequência de que a educação, a partir dessa altura, diz respeito à professora ou ao professor, mas na realidade ficam muito menos alarmados com uma nota de mau comportamento do que em face de uma má classificação. Têm muita vivacidade – pensa-se -, é a idade, depois tornar-se-ão sensatos. E, entretanto, os anos passam, os filhos alcançam a idade adulta, e a educação aprendida no sentido escolar do termo, resulta automaticamente num facto realizado. Ou se aprendeu essa educação, ou então é demasiado tarde; ou se cresceu como pessoa educada, ou, pelo contrário, não há mais nada a fazer. Mas a educação não acaba na escola, não é um aspecto limitado aos anos da juventude ou sujeito a autoridade, sem que se possa ou não desejá-lo. A educação não é, sobretudo, um conjunto de normas de boas maneiras a introduzir no comportamento de uma criança quando esta tem de começar a sua vida independente. É, sim, qualquer coisa de muito mais válido do que uma camada superficial ou uma máscara externa feita de hipocrisia ou de afectação.
A demonstrar, pois, quanto pode ser importante a educação na nossa vida, e como é diferente ou independente do grau de instrução ou dos diplomas de estudo de que se faça ostentação, diremos que é um dos elementos da nossa personalidade.
Cada um tem a este respeito a sua própria interpretação, adaptada à sua própria sensibilidade, transformando-a em qualquer coisa que apresenta em cada instante uma fisionomia nova. Essa interpretação torna-se pessoal.
Duas pessoas educadas nunca o são da mesma maneira. A educação transforma-se numa manifestação do nosso carácter, torna-se o reflexo da nossa índole, ajuda-nos no nosso comportamento. Nisto consiste uma parte da nossa personalidade.
A educação impõe-se a todos. É um compromisso moral que cada um de nós tem para consigo próprio, para com a família ou para com o próximo que faz parte da sua mesma vida. Poderemos defini-la como um hábito mental que se limita e submete ao respeito pelo mundo que vive à nossa volta, onde se encontram num mesmo plano com os mesmos valores, não só coisas que parecem importantes, mas também tudo quanto tem razão de ser. Não há, portanto, uma idade para a educação, ou melhor, não se pode dizer que existe um limite de tempo dentro do qual se tenha ou não a possibilidade de ser ducado. Se para os jovens pode ser considerado como matéria de estudo, a educação continua a ser também para os adultos um assunto a conhecer a fundo, a aprofundar um pouco todos os dias através da prática.
Cada época pode dar-nos uma diferente explicação do que é a educação. A verdade é que se este conceito se modifica e seria absurdo mante-lo condicionado a regras imutáveis. O nosso século apregoa também a plena reivindicação de um dos direitos fundamentais do homem: a liberdade. Esta, porém, não deve ser interpretada como uma espécie de autoritarismo individual de que alguém se possa valer sem nenhuma responsabilidade. A liberdade individual do nosso tempo exige um recíproco reconhecimento desta prerrogativa. É preciso sentirmo-nos livres quanto ao que nos diz respeito e quanto ao que nos pertence. Esta liberdade tem, portanto, de ser orientada de modo que não se transforme em egoísmo, e a educação deve actualizar-se para se adequar à vida moderna. O mundo tornou-se maior, ampliou as nossas relações até onde noutros tempos se fechavam os círculos das diversas classes sociais, e a educação surge como uma necessidade que não pode ser desprezada.
O essencial está em esclarecer que não se trata de um privilégio ou de um atributo das pessoas mais afortunadas, mas simplesmente de uma faceta de mérito daqueles que tem boa vontade e muita sensibilidade.
O que mais há a censurar às gerações mais novas, é o facto de serem tão pouco educadas. Quando se procura averiguar as razões de tal inconveniente, facilmente se culpa a mudança do sistema de vida. Hoje, a família perdeu o seu carácter de intimidade que a fazia um centro irradiante de educação. A vida, especialmente nas grandes cidades, conduz, com efeito, a uma maior dispersão, as ocasiões para as pessoas se reunirem são ali sempre mais raras, e o tempo e a disposição para educar os jovens faltam com frequência. É preciso, portanto, reafirmar a necessidade de reeducar a família, a importância de voltar aos hábitos talvez já esquecidos, e que qualquer jovem ousará classificar como «antiquados».
É preciso também reconstruir o lar doméstico nas suas bases tradicionais, regressar a casa de modo a que todos se possam sentar á mesa em conjunto e despertar ou criar nos jovens o respeito pela família. Só assim poderão tornar-se adultos com uma rigorosa consciência do que é o conceito de educação e viver genuinamente a tradição familiar.
Um dos aspectos principais na vida dos jovens é a sua educação. É ao pai e à mãe que compete o problema de velar pelo seu desenvolvimento, saúde e educação, embora por vezes um deles preferisse deixar a cargo do outro esta difícil tarefa. Depois de os filhos já estarem crescidos, vão à escola, e começa-se a falar com mais insistência de instrução, uma palavra que faz pensar em tantos livros, em tantas coisas a orientar.
A alma humana é realmente um dos problemas mais transcendentes que se apresentam ao homem para conhecer e resolver, que mais não seja no âmbito da educação.
Dewey afirma que a educação é «a soma total dos procedimentos por meio dos quais a sociedade transmite às novas gerações as suas forças, capacidades e ideias com o fim de assegurar a sua própria existência e evolução».
Não basta viver para educar-se. A vida é multiforme, tem aspectos bons e maus, benéficos e nocivos. A educação não é, portanto, apenas vida, mas sim vida orientada para os valores e ideias que elevam e dignificam o homem.
A educação não se confunde com o simples desenvolvimento ou com a mera adaptação. A educação é formação completa da personalidade, através do desabrochamento integral das suas virtualidades físicas, intelectuais e morais.
Educar é, antes de tudo, formar de acordo com um ideal. “Quando educamos”, dizia Spalding, “do mesmo modo que quando marchamos, temos em vista um fim. Em educação esse fim é um ideal: o ideal da perfeição humana”.
A educação, sendo um processo vital de formação e aperfeiçoamento do homem, deve abranger todas as virtualidades da sua natureza.

*Jornalista
NB: O presente artigo foi publicado no jornal “O Comércio do Porto” em edição de 11 Abril de 1994, sendo agora alvo de ligeiras correcções.