terça-feira, 15 de dezembro de 2015

SER POLÍTICO SIGNIFICA QUERER A SOBERANIA


Ser político significa ter vitalmente impresso no sangue o que o Estado significa. Ser político significa querer a soberania. Está bem que uma pessoa se preocupe pelo que há de útil na vida, pela economia e pelo trabalho ordenado, mas é necessário descobrir em tudo o íntimo sentido do direito. O político pela soberania e pelo direito. Procura torná-los efectivos através de todos os objectivos e utilidades e, se fosse preciso, mesmo em detrimento deles. Todo aquele que tem sentido político não pode deixar de reparar com verdadeira preocupação, com veemente angústia, como se vai perdendo a soberania do estado.

Ele pressente que se avizinha um mundo em que não se poderá respirar, um mundo regido por uma violência calculadora, que é a caricatura da soberania, e uma ordem social protectora da economia, mas destruidora de toda a dignidade, que é a caricatura do direito.

Poder-se-ia objectar contra a nossa tese com o argumento de que os Estados sempre roubaram ou destruíram. É verdade. Os Estados também estão sujeitos ao pecado original. Mas antes existia a consciência daquilo que chamei «sentido do Estado»; distinguiam-no do seu objecto, mesmo que cometessem algum crime contra ele. Mas agora é esse sentido que ameaça ruína total. A soberania do Estado está a perder-se. Não pretendo dizer com isto que o Estado não tenha poderes externos. Mas há outra força, que radica precisamente na própria soberania, que depende de esta soberania se manter viva na alma e ser tomada a sério pelos homens. Só nessa altura estes sentem as suas responsabilidades. Mas é precisamente isto que está a desaparecer. Já não se concebe essa soberania. O Estado situa-se na mesma linha de uma sociedade anónima. Não há quem o leve a sério. Passa-se por cima dele com frequência. Desprezam-se as suas leis. Não só as violam, o que sempre aconteceu, mas desprezam-nas muito simplesmente, não as têm em conta.


Há vários indivíduos junto do painel onde afixam as notícias. Saiu, por hipótese, uma nova disposição sobre o peso do pão. Um deles lê, volta-se para os outros e murmura, enquanto se afasta: «Exploradores! Já não nos querem ajudar! Querem dar cabo de nós!». Semelhantes palavras encontram imediatamente eco em todos os corações. Reúne-se um grupo num café, vêm à baila os acontecimentos políticos do dia. Alguém declara, numa atitude de profundo desprezo: «Não se pode aguentar o regime! Quanto mais cedo for abaixo, melhor!». E todos concordam com a cabeça. Na reunião de um grupo financeiro, fala-se da criação de uma empresa. Discutem-se com todo o sangue frio as leis estatais que se lhe opõem, estuda-se a maneira de as iludir e de saltar por cima delas. Admitem-se, como a coisa mais natural deste mundo, que o Estado, com todas as suas leis, representa para o homem de negócios uma coisa diante da qual só os tolos é que param…

Tudo isto foi escrito nos terríveis anos imediatamente posteriores à primeira guerra mundial. Talvez tu não te lembres. Desde então, as coisas variaram muito. Não existem leis reguladoras do pão e coisas parecidas. Mas deixemos estar o que dissemos; pode servir para dar uma ideia daqueles anos. De resto, se nos lembrássemos de encher todas essas frases, não com o tema do pão, mas com conteúdos actuais, com o que vemos e lemos hoje em dia, então voltariam a cobrar todo o seu sentido.

Por que é que o Estado já não tem valor algum? Porque já não o tem no coração do homem do painel das notícias, nem no homem da reunião do café, nem no homem de negócios. Porque o primeiro considerou o Estado como inimigo num momento em que os que o rodeavam tinham o coração amargurado; porque o segundo o deitou abaixo na presença dos ouvintes; porque o terceiro, com toda a naturalidade, o considerou como um obstáculo, por cima do qual podia licitamente saltar o interesse privado.

Se estes homens escreverem agora no jornal, os seus artigos respirarão o clima da calúnia e da destruição, sem ponta alguma de respeito nem de responsabilidade. Se se reunirem, a conversa deslizará por cima dessas mesmas rodas. É que sentem um gozo selvagem em ver a soberania do Estado por terra, feita em fanicos. Se algum deles entrar no parlamento como deputado, idêntico tom ressoará em todas as suas palavras. Experimenta ouvir alguma vez as conversas políticas! Lê com atenção os jornais! Causar-te-ão nojo as inauditas e repugnantes injurias, as críticas intermináveis sem pés nem cabeça. Estamos tão acostumados a isso, que já não reparamos que há em tudo uma grande falta de consciência. Que maneira de julgar sem conhecimento de causa, sem nenhuma justiça e sem sentido do que se trata. Já nem sequer notamos que indigno e desolador é tudo isto!

Se estes homens ocuparem um cargo, fá-lo-ão sem fé. Não acreditarão que possa ter um sentido íntimo. É que não acreditam na dignidade do dever. Desempenham os cargos por simples necessidade, ou a título e por proveito próprio, mas sem o menor interesse construtivo. Não sabem encarnar o Estado no cumprimento da sua missão. São incapazes de suportar tranquilamente e com naturalidade uma dignidade qualquer. Em geral, não têm dignidade alguma, olham as suas funções como um negócio; e, se alguma vez a têm, não lhes assenta bem e só serve para irritar os outros.

O Estado opõe-se-nos nos seus representantes. Encarnar no próprio cargo a soberania viva do Estado, com simplicidade e naturalidade, só o pode fazer quem a sabe afirmar vitalmente. Mas, se uma pessoa se deixa imbuir dessa ideologia céptica e destruidora de que falámos, se o Estado é para ela uma coisa que hoje existe e amanhã desaparece, por cima da qual se pode saltar irresponsavelmente sempre que for preciso, então na realidade o Estado assumirá a seus olhos esses mesmos traços.

Mas não é lícito uma pessoa impugnar o que lhe parece falso? Com certeza que o é, e com toda a alma. Mas, em princípio, deve prevalecer o «sim», de maneira nenhuma o «não». Primeiro o «sim», como respeito e prontidão no cumprimento do dever; depois, pode vir o «não» da crítica. E, se esta se chega a exercer, é preciso uma pessoa certificar-se primeiro do que se trata. É bom distinguir, antes de generalizar. Devemos separar as pessoas das coisas; o abuso, do uso recto. Quem assim critica, sempre tem em conta o «sim» através do «não»; faz do «não» uma coisa séria. Nota-se na crítica o seu respeito pelo Estado, o seu sentido de responsabilidade, e fica-se a confiar nele.

Também é próprio da crítica construtiva saber calar e falar no tempo oportuno. Falar no lugar preciso e a um auditório adequado e ter consciência do efeito produzido pelas palavras. Em semelhante disposição, temos a atitude politica. Quem assim se conduz, traz o Estado em si.

Por Joaquim Carlos

*Jornalista

A DEMOCRACIA EM ROUSSEAU

  A ideia de um governo na qual o povo (demos) governe (cracia) ou execute diretamente as tarefas administrativas e legislativas do Estado surgiu na Grécia Antiga. Nela, os cidadãos governavam a polis reunindo-se em assembleia na ágora (praça pública) e votando a favor ou contra determinada lei ou ação.
            Contudo é preciso considerar que mesmo na Grécia antiga, que mais perto chegou de um governo democrático, não havia a participação de todos os membros do Estado. Isso porque, como se sabe, mulheres, crianças, escravos e estrangeiros não eram considerados cidadãos. E ser considerado cidadão significava ter direito a participar das decisões políticas. Para o filósofo do Iluminismo francês, Jean-Jacques Rousseau, se levarmos em consideração que apenas uma pequena parcela da população ateniense que tinha direito a voto nas decisões políticas o fazia em assembleias então, mesmo em Atenas, jamais existiu uma Democracia pura (e dificilmente existirá). Para Rousseau, se formos radicais, veremos que de fato nunca existiu uma democracia ateniense: na verdade, Atenas não era uma Democracia, mas sim uma aristocracia bastante tirânica, governada por oradores e eruditos, pois as questões a serem votadas eram apresentadas ao público e discutidas por aqueles que tinham mais facilidades no trato com as palavras. Era natural então que os melhores oradores convencessem a maioria dos votantes a dar seu consentimento a favor dos interesses deles. E os interesses desses oradores e eruditos nem sempre estava de acordo com a vontade geral, que deveria ditar os passos do “poder executivo”.
            De qualquer forma é preciso considerar que a democracia ateniense era direta, e não Representativa. O comparecimento à Assembleia soberana era aberto a todo cidadão que teria a possibilidade de se pronunciar nas deliberações da Assembleia, a chamada isegoria: o direito universal de falar na Assembleia. E a decisão era pelo voto da maioria simples daqueles que estivessem presentes (FINLEY, 1988).
            O termo Democracia teve seu significado alterado no transcorrer da antiguidade para a modernidade. De um sistema de governo no qual o povo participa diretamente do poder executivo, a democracia passou a ser conhecida como um sistema Representativo de governo, cujos poderes Executivo e Legislativo são exercidos por representantes eleitos através do sufrágio popular. A democracia como o exercício direto do governo pelo povo recebeu seu significado diretamente da etimologia da palavra. Traduzido do original em grego, democracia é o governo pelo povo. Essa definição clássica envolve a participação direta do cidadão no poder, mas a democracia moderna aceita a representação como uma forma de governo do povo. Transferindo aos representantes até mesmo a função de expor suas ideias sobre a legislação e a Administração do Estado, os cidadãos modernos estão cada vez mais afastados da isegoria grega.
            A democracia direta pertence aos antigos não somente por serem antigos, mas por se tratar de povos pouco numerosos e de costumes mais simples entre outras particularidades. A Democracia Representativa pertence aos modernos por ser a única alternativa viável, visto que a forma direta seria impraticável com uma população tão numerosa.
            Por mais que seja difícil a instituição de uma democracia nestes termos, a participação direta de todos os cidadãos nas decisões do governo é a única maneira em que se dá uma administração que possa ser corretamente chamada de democracia.

Democracia em Rousseau


            Para um melhor entendimento do pensamento de Rousseau é necessário levar em consideração o contexto histórico-social da Europa do século XVIII, sobretudo a partir dos regimes políticos estabelecidos em alguns países, como a monarquia absolutista e o feudalismo aristocrático ainda vigente.
            A monarquia absolutista, tal como existia na França e Espanha, tinha como principal característica a concentração absoluta dos poderes nas mãos de um único soberano: o rei, senhor de tudo e de todos e a quem todos deviam obediência. Nesse contexto, a grande contribuição de Rousseau foi formular e conceber toda uma organização política em que a soberania deve pertencer ao povo e não mais a um único senhor ou um grupo de indivíduos dotado de poderes absolutos (CHEVALLIER, 2001). Mas para entender como Rousseau chega a propor esta ideia de que a soberania deve pertencer ao povo é preciso ir um pouco mais além no seu pensamento e compreender as origens da própria sociedade civil.
            Considerando o pensamento do filósofo genebrino de que a sociedade civil surge através de um pacto social, Rousseau propõe um contrato que permita compensar a perda da liberdade individual do estado de natureza (estado que antecede o surgimento da sociedade civil) apenas se esta perda (alienação) estiver à serviço do interesse geral da sociedade. Por meio do pacto social os homens alienam as suas liberdade e igualdade individuais, do estado de natureza, em troca da liberdade e igualdade civis, do estado social. Por isso é preciso pensar um poder político legítimo, efetivamente comprometido com o bem comum e que garanta o exercício da igualdade e liberdade civil.
            No Contrato Social Rousseau discorre sobre o Estado e a soberania popular e é aqui que o povo aparece como a origem legítima do poder soberano e não mais a figura do monarca como soberano absoluto, limitado pela instituição da constituição. O povo passa a ser o soberano e o governante (monarca ou administrador eleito) restringe-se à função de agente do soberano. A soberania do Contrato não reside no administrador executivo, mas nos próprios indivíduos, tomados coletivamente como povo, que lhe prescrevem como governar. Neste sentido, podemos dizer que uma das preocupações de Rousseau era o de mostrar em sua obra que a monarquia não era a única forma de governo capaz de fundar a soberania do Estado (como o pensavam Jacques Bossuet[1] e Jean Bodin[2]). O autor do Contrato concebe o povo como portador da vontade geral que constitui o fundamento do Estado.
            Contrariamente ao regime monárquico onde os homens alienam sua liberdade sem contrapartida, o filósofo considera uma democracia onde os homens alienam sua liberdade ao conjunto do povo que eles compõem. A vontade geral assim constituída deseja o que há de melhor para cada um, onde cada um aliena sua liberdade sob a condição de que todos façam o mesmo, sendo a condição igual para todos, pois a vontade particular tende para interesses particulares, mas a vontade geral tende para a igualdade. Desta forma, os indivíduos cedem de sua liberdade não para um outro indivíduo ou um conjunto de indivíduos, mas para o coletivo, sob a condição de que todos façam o mesmo. Isso porque, de acordo com o filósofo, em uma legislação perfeita, a vontade particular ou individual deve ser nula enquanto que a vontade geral é a única regra para todas as outras. Rousseau vê num rei e seu povo, a mesma relação entre senhor e escravo, pois o interesse de um só homem será sempre o interesse privado. Por outro lado, quando a soberania é dada ao povo é possível pensar que, trabalhando para os outros, trabalha-se para si mesmo. Os indivíduos têm suas vontades particulares, mas também existe a vontade geral. Cada homem é legislador e sujeito, obedecendo a leis que lhe são favoráveis. Desta forma, o tratado social tem por finalidade conservar os contratantes.
            Por isso, Rousseau pode ser considerado um dos maiores defensores da ideia de que o Povo deve ser o detentor de uma soberania que, além de absoluta, é infalível, inalienável e indivisível. Absoluta, porque “Comme la nature donne à chaque homme un pouvoir absolu sur tous ses membres, le pacte social donne au Corps politique un pouvoir absolu sur tous les siens” (ROUSSEAU, 2012, p. 108)[3]Infalível, porque a vontade geral não pode errar, sendo a vontade qualitativa de todos os particulares ela deseja sempre o próprio bem. Inalienável, pois o povo deve exercê-la diretamente, não podendo ser suscetível de transmissão ou representação; o poder pode ser transferido, mas não a soberania, pois a vontade soberana só pode ser exercida pelo soberano: “Je dis donc que la souveraineté nʼétant que lʼexercice de la volonté générale, ne peut jamais sʼaliéner, et que le Souverain, qui nʼest quʼun être collectif, ne peut être représenté que par luimême, le pouvoir peut bien se transmettre, mais non pas la volonté” (ROUSSEAU, 2012, p. 105)[4]. É indivisível pela mesma razão que é inalienável: “Car la volonté est générale ou elle ne lʼest pas; elle est celle du Corps du Peuple, ou seulement dʼune partie” (ROUSSEAU, 2012, p. 106)[5]. O poder pode ser dividido (como acontece a divisão dos poderes em Executivo e Legislativo) e, nesse caso, constitui uma emanação da autoridade soberana, desde que não seja uma divisão da soberania (da vontade geral).

Democracia e Soberania[6]


            Em um Estado republicano[7], a soberania pertence ao povo e não pode ser alienada. Em outras palavras, o poder legislativo, em um Estado legítimo, somente pode ser exercido pelo povo, único detentor do poder soberano. A lei ratificada pelo soberano é a expressão da vontade geral (sobre a ideia de vontade geral veremos de forma mais específica mais adiante).
            A soberania manifesta-se pela capacidade legislativa, e o executivo, ou administrador (príncipe ou presidente), é apenas um agente que aplica a lei aos casos específicos; sendo seu poder simples concessão do soberano. Além disso, a separação entre Poder Legislativo (que trata do interesse geral) e Poder Executivo (que trata da aplicação das leis à casos particulares) visa impedir o abuso da autoridade soberana. Em Rousseau é explícita a separação entre o poder legislativo e o poder executivo: aquele que executa as leis é um mero funcionário de quem as ratifica.
            Soberania e poder legislativo fundem-se na figura do povo contratante. Sendo o contrato (pacto) firmado entre cada indivíduo e o conjunto destes, cabe unicamente ao povo o poder soberano, que se trata da autoridade máxima e inquestionável. Cabe necessariamente ao povo ratificar suas leis, visto serem estas a expressão da vontade geral. O governo, que se ocupa da execução daquilo que já está prescrito pela lei, é considerado mero funcionário do soberano por ser encarregado de uma função secundária. Exprimir as vontades do corpo cabe somente a este: no caso, o povo. O ato de executar aquilo que pede uma vontade já expressa é uma função que pode ser delegada a outro.
            Nesse sentido podemos dizer que o poder legislativo tem uma função superior à do poder executivo e, quanto ao primeiro, não pode haver transferência deste poder do soberano para qualquer tipo de representante. “Devemos enfatizar que tal poder não pode ser representado pelo mesmo motivo pelo qual a vontade geral não o pode: o ato de querer não é representável. Ninguém pode querer pelo outro, muito menos por todo um povo” (GOMES, 2006, p.47). Quanto ao poder executivo, este sim pode ser exercido por funcionários designados pelo povo.
            Rousseau critica a ideia de representação sobretudo no que diz respeito ao soberano e sua função legislativa[8]. Ele enfatiza a ligação entre soberania e poder legislativo para não deixar dúvidas de que somente o que for ratificado pelo povo soberano em forma de sufrágio popular pode ser considerado lei. Quaisquer decretos feitos por funcionários do executivo são abusos do Governo. Dessa forma, o legislativo não pode ser representado, mas o executivo, que é submisso ao primeiro, pode (GOMES, 2006, p. 70-71).
            Apesar de Rousseau ser partidário da democracia direta, entendendo a representação como uma forma de alienação da soberania, razão pela qual ela é inalienável, existe espaço para a representação no Contrato, a partir da figura dos deputados do povo, sendo que estes são apenas seus comissários.
            A questão sobre a representação passa em Rousseau pela pergunta sobre o que pode ou não ser representado. A busca pela resposta partirá dos conceitos de vontade geral soberania popular. O poder soberano pertence ao povo em união. É nessa união que se forma a vontade geral, que não pode de forma alguma ser transferida ou representada. Perguntamos então a Rousseau: o que é que não pode ser representado? Sua resposta é: a vontade soberana do povo.
            O governante de uma nação a representa na medida em que age em nome de seus cidadãos. Ele não substitui o povo em sua soberania, apenas age no lugar dele, devendo respeito aos detentores deste poder. Rousseau dizia que a vontade geral, identificada com o poder soberano, não pode ser representada. Nesse caso, não é a vontade que o governante representa: ele age no lugar do povo, mas a sua vontade não toma o lugar da vontade geral. Ele tem a autonomia necessária para agir sem a necessidade de a cada passo consultar o povo a que representa. Mas em cada atitude ele tem a consciência de sua responsabilidade nesse cargo, pois deve prestar contas periodicamente e pode ser destituído de seu posto caso não faça seu trabalho honesta e corretamente.
            Essa discussão em torno de uma democracia direta ou representativa leva a uma série de dilemas e, por mais difícil que seja a instituição de uma democracia no sentido literal do termo, a participação direta de todos os cidadãos nas decisões do governo é a única maneira em que se dá uma administração que possa ser corretamente chamada de democracia. Por outro lado, exercer diretamente o poder executivo, por menor que seja o Estado e por mais simples que sejam suas questões a serem resolvidas, exige um tempo e uma dedicação dos quais raramente dispõe a maioria dos cidadãos.

Daí que, por falta de tempo, estrutura e, no entender de Rousseau, principalmente por comodidade, são eleitos representantes para realizar as tarefas políticas. O principal problema está no fato de que, dentre essas tarefas políticas, encontra-se também a aprovação das leis do Estado, tarefa cabível somente ao povo soberano. A aprovação das leis corresponde ao poder legislativo e este é inalienável e não pode ser representado por ser a expressão da vontade geral. Contrariando essa exigência do Contrato, o poder legislativo comumente é delegado a representantes que, como o próprio nome dá a entender, têm a permissão para tomar decisões em nome do povo. O povo, por sua vez fica à mercê das atitudes destes representantes, sendo obrigado a obedecer leis que não foram ratificadas diretamente por ele. Segundo o genebrino, a representação serve somente para escravizar o povo, que prefere a comodidade da escravidão a uma liberdade cheia de responsabilidades civis (GOMES, 2006, p. 51-52).

            Ademais, a participação popular pode e deve ser incentivada e possibilitada através da Educação[9]. É a constante participação no exercício do poder que contribui com a educação de cidadãos ativos. A contribuição se dá pela experiência direta, proporcionando ao cidadão uma visão mais clara do funcionamento do governo e exigindo dele maior consciência dos problemas do Estado. Participação popular e educação se fundem num círculo que deve ser preservado e aprimorado a cada instante, de geração em geração (GOMES, 2006, p. 66).
            O que se faz necessário para que o sistema republicano funcione bem é que seja investido na educação dos indivíduos que compõem o Estado para que estes se tornem cidadãos participativos.

Representatividade x Participação[10]


            No pensamento político de Rousseau verificamos que a melhor forma de regime político é a democracia e que a melhor forma de governo é aquela na qual a soberania pertença ao povo. Mas é preciso considerar aquilo que poderíamos chamar de “relatividade histórica no âmbito do governo” no pensamento de Rousseau: cada uma das formas de governo (democracia, aristocracia ou monarquia) pode ser a melhor em determinados casos e pior em outros. É preciso levar em consideração as condições econômicas, geográficas, demográficas etc. para decidir a quem confiar a governança de um povo. Rousseau é enfático ao afirmar que a democracia convém aos pequenos Estados, a aristocracia aos médios e a monarquia aos grandes. E no que diz respeito a Democracia, é preciso considerar o Rousseau do Contrato Social, para o qual os cidadãos devem intervir diretamente no Poder Legislativo, caso contrário estaremos diante da usurpação do poder político pelos interesses particulares e o Rousseau das Considerações sobre o Governo da Polônia (1771)  e do Projeto de Constituição para a Córsega (1765) que incorporam a dimensão prática no pensamento do filósofo. Aqui Rousseau dá um salto da democracia direta defendida no Contrato, para a Democracia Representativa, pois é preciso considerar que a Polônia é um país de grandes dimensões e muito povoado, o que impede o exercício direto da soberania, isto é, o exercício da soberania sem representantes. Isso levará Rousseau a repensar a defesa da democracia direta e a aceitar, ainda que com algumas reticências, a democracia representativa.
            A democracia direta é afirmada categoricamente no capítulo XV, do Livro III, do Contrato, intitulado: dos deputados ou representantes. Rousseau chega a comparar os cidadãos que por preguiça ou desinteresse nomeiam ou pagam deputados ao serviço com soldados mercenários que vendem seus préstimos a pátria. Mas já no Contrato Rousseau introduz o elemento representativo, mas com uma certa cautela: Rousseau dirá que se deve eleger delegados (e não representantes). A democracia representativa surge como uma variante da democracia direta, sempre que os deputados sejam comissários e não representantes, ou seja, sem que possam tomar qualquer conclusão definitiva: os deputados devem ajustar as suas decisões à opinião e vontade dos cidadãos. Trata-se de encontrar um equilíbrio entre a impossibilidade da democracia direta e a democracia representativa. Já no Projeto de Constituição para a Córsega, Rousseau recomenda como melhor forma de governo o regime democrático representativo: um governo misto que integre o elemento aristocrático (representativo) e o elemento democrático (da soberania popular), onde o povo se reúna por parte e mude com frequência os depositários do poder.
            Rousseau rejeita a teoria e prática da representação política por considera-la alienadora da soberania e da autonomia dos indivíduos. O seu enfoque político exige um sistema de Participação política direta. Tendo a associação política como objetivo o interesse público, torna-se necessário que cada indivíduo participe diretamente da coisa pública como único juiz legítimo de seus próprios interesses. Só a participação política pode garantir a liberdade civil e dar autenticidade a democracia: quanto mais a opinião e a vontade dos indivíduos se expressar sem a necessidade de intermediários e representantes, maior o grau de democracia e de legitimidade das decisões tomadas. Quando Rousseau abandona sua especulação teórica do Contrato para recomendar uma outra forma de governo possível, no caso da Córsega, ele aposta na democracia representativa, desde que esta seja fortemente Democracia Participativa e comprometida com o bem comum.

Vontade geral: essência da soberania popular e da democracia


            Os conceitos de vontade geral e soberania popular são chaves para penetrar a ideia de democracia em Rousseau[11]. Utilizando o significado correto de expressões como governo, soberano, república e democracia, estamos cada vez mais aptos a entrar no tema da democracia rousseauniana.
            A soberania popular aponta os cidadãos em conjunto como únicos possuidores da soberania nacional, que representa o maior poder do Estado e que devem dirigi-lo no interesse comum. A impossibilidade de transferir total ou imparcialmente a soberania se explica por ser ela a sede da vontade geral. Segundo Rousseau existe uma diferença entre a vontade de todos e a vontade geral, pois a vontade geral não é a mera soma da vontade de todos, mas pretende ser a vontade do interesse comum (Do Contrato Social). Em Rousseau existem vários níveis de vontade: a vontade geral, que se trata da vontade do corpo formado por toda a comunidade política (por todos os cidadãos); a vontade particular de um indivíduo ou de um grupo formado apenas por uma pequena parcela dos indivíduos da sociedade; e a vontade de todos, que é a soma de todas as vontades particulares e que não deve ser confundida com a vontade geral. A vontade geral, conforme dito, somente pode existir e ser estabelecida por uma comunidade política legítima, dentro de uma República.
            A vontade geral é a expressão política da vontade do soberano – o povo. A quem o povo deve obedecer? Ora, a si mesmo, responde Rousseau![12] Correspondendo ao enunciado da vontade geral e, consequentemente, pertencendo ao interesse público, as leis devem estar acima dos interesses particulares: “La première et la plus importante conséquence des principes ci-devant établis est, que la volonté générale peut seule diriger les forces de lʼEtat selon la fin de son institution, qui est le bien commun” (ROUSSEAU, 2012, p. 105)[13]. Quando o contrário acontece, os abusos resultantes culminam na sociedade corrompida da qual Rousseau deseja se afastar.
            Como então a vontade geral se expressa? Por meio da lei, cuja elaboração deve ficar a cargo do legislador. Quem redige as leis não pode ter qualquer direito legislativo; este é inalienável, pertence ao povo soberano.  Para Rousseau, preocupado em pôr limites aos abusos, desejos e vontades privadas, só a lei, a mais sublime de todas as instituições humanas, seria capaz de assegurar ao estado social a justiça e a liberdade.
            Quanto à execução das leis, é tarefa do governo – formado por magistrados ou reis, governadores –, que age como ministro do soberano. É, portanto, um corpo intermediário (Príncipe) entre súditos e soberano, encarregado da manutenção da liberdade civil e política. Esse corpo executa as leis, não as interpreta; tarefa essa reservada ao legislativo.

O Legislador


            Levando em consideração a dificuldade de, numa sociedade, por menor que seja, conseguir englobar a vontade geral, Rousseau propõe então a figura do legislador. “Esse elabora as leis sem ser o detentor do poder legislativo. Ou seja, ele organiza e enuncia as leis derivadas da vontade geral, mas quem tem o poder de declarar o que foi escrito como sendo uma lei é o povo, o único e legítimo soberano” (GOMES, 2006, p. 37).
            É preciso considerar também que, apesar da soberania dever ser infalível, a vontade geral pode errar. Aparentemente há aqui uma contradição que pode facilmente ser resolvida a partir das ideias do próprio Rousseau. A soberania deve ser infalível porque o povo jamais vai desejar algo de mal para si. Contudo, pode acontecer que não se esteja suficientemente esclarecido quanto ao bem que se pretende adquirir.

De lui-même le peuple veut toujours le bien, mais de lui-même il ne le voit pas toujours. La volonté générale est toujours droite, mais le jugement qui la guide nʼest pas toujours éclairé. Il faut lui faire voir les objets tels quʼils sont, quelquefois tels quʼils doivent lui paroître, lui montrer le bon chemin quʼelle cherche, la garantir des séductions des volontés particulières [...] Voilà dʼoù naît la nécessité dʼun Législateur. (ROUSSEAU, 2012, p. 113 – grifo nosso)[14].

            Para explicitar seu entendimento sobre a figura do legislador, Rousseau escreveu um capítulo inteiro para falar exclusivamente do papel do legislador, cuja principal atribuição deveria ser captar a essência da vontade geral e, ao mesmo tempo, traduzi-la numa linguagem acessível ao povo. Essa tarefa, Rousseau julgava tão além das possibilidades humanas, que ele comparava a figura do legislador com uma espécie de deus: um ser dotado de uma inteligência superior,

Pour découvrir les meilleures regles de société qui conviennent aux nations, il faudroit une intelligence supérieure, qui vît toutes les passions des hommes, & qui nʼen éprouvât aucune, qui nʼeût aucun rapport avec notre nature, & qui la connût à fond, dont le bonheur fût indépendant de nous, & qui pourtant voulût biens sʼoccuper du nôtre; enfin qui, dans le progrès des temps se ménageant une gloire éloignée, pût travailler dans un siecle & jouir dans un autre. Il faudroit des Dieux pour donner des loix aux homes (ROUSSEAU, 2012, p. 114)[15].

            O Legislador é o mecânico que inventa a máquina, o governador (ou príncipe) é aquele que a monta e a põe em movimento. O príncipe só tem que seguir o modelo proposto pelo Legislador.
            Além disso, o Legislador deve ser alguém disposto a “mudar a natureza humana”, no sentido de “transformá-lo”: de um indivíduo, em parte de um todo maior, “do qual de certo modo esse indivíduo recebe sua vida e seu ser” (ROUSSEAU, 2012). Em outras palavras, é preciso tornar os indivíduos conscientes de que os mesmos fazem parte de um todo maior, que é o corpo político (o Estado), “substituir” suas ações instintivas e naturais por “padrões” de comportamento comuns a todos e torná-los aptos a convivência no seio do corpo político.
            Uma outra tarefa que compete ao Legislador é examinar se o povo a que se destina determinadas leis está apto a recebê-las.

Comme avant dʼélever un grand édifice lʼarchitecte observe et observe et sonde le sol pour voir sʼil en peut soutenir le poids, le sage instituteur ne commence pas par rédiger de bonnes loix en elles-mêmes, mais il examine auparavant si le peuple auquel il les destine est propre à les supporter (ROUSSEAU, 2012, p. 116)[16].

            Nesse sentido, não se pode dizer que para Rousseau, a atividade do legislador seja apenas a de elaborar leis, mas é uma tarefa pedagógica também, de formação e transformação da sociedade[17].


Considerações Finais


            Ainda brilhava sob os céus da França o Roi Soleil[18], Luis XIV (1638-1715), quando nasceu em Genebra, em 1712, Jean-Jacques Rousseau. Foi Rousseau quem, pela primeira vez na história da Filosofia Política e contrariando a teoria do direito divino dos reis e as ideias absolutistas, alçou o povo à condição de senhor de si mesmo e soberano. Esse é sem dúvida um dos maiores legados de Rousseau: conceber o povo como titular da legitimidade do poder político e como agente político de transformação. O povo deixou de ser mero coadjuvante na arena dos debates políticos e ganhou uma nova dimensão com o pensamento rousseauniano.
            As influências de Rousseau são significativas e não é sem razão que Paulo Bonavides afirma: “o Contrato Social sacode o homem do século XVIII com a mesma intensidade com que o Manifesto Comunista abala o século XX” (1961, p. 187).
            É preciso repensar a nossa forma de organização política onde é possível facilmente perceber uma crise do nosso modelo de democracia representativa. O modelo atual de democracia no Brasil, que Boaventura de Sousa Santos chama de democracia liberal, representativa, “não garante mais que uma democracia de baixa intensidade baseada na privatização do bem público por elites mais ou menos restritas, na distância crescente entre representantes e representados e em uma inclusão política abstrata feita de exclusão social” (2002, p. 32). Dentro do que atualmente é conhecido por democracia, o povo quando muito participa dos atos políticos no momento em que dá o seu voto na escolha daqueles que irão governar por eles. O descaso é tanto que muitos sequer fazem questão de exercer seu direito ao voto.
            Nesse quadro atual de fragilidade do sistema democrático, como aproveitar as ideias de Rousseau em um contexto onde a democracia representativa já não responde mais as demandas da sociedade e a democracia direta parece impossível?
            Apesar de ser um pensador do século XVIII em luta contra o Antigo Regime, acreditamos que suas ideias acerca da democracia, soberania popular, vontade geral, têm muito a contribuir no sentido de buscar alternativas ou até mesmo soluções para uma sociedade que possa ser protagonizada por comunidades ou grupos sociais que não sejam subalternos ao poder político vigente e em luta contra a exclusão social e a trivialização da cidadania mas, ao contrário, um novo modelo onde o povo aparece como protagonista de seu destino e, de fato, a origem de toda e qualquer soberania.


Referências Bibliográficas


BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado socialSão Paulo: Saraiva, 1961.
CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas. 8. ed. São Paulo: Agir. 2001.
FINLEY, M. I. Democracia antiga e moderna. Edição revista. Tradução de Waldéa Barcellos e Sandra Bedran. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
GOMES, Fernanda da Silva. Rousseau – democracia e representação. Dissertação (Mestrado em Ética e Filosofia Política). Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Ouvrages de politique. In: Collection complète des oeuvres, Genève, 1780-1789, vol. 1. Édition en ligne www.rousseauonline.ch/, version du 7 octobre 2012. Disponível em: <www.rousseauonline.ch/Text/volume-1-ouvrages-de-politique.php>. Acessado em 30/10/2014.
SANTOS, Boaventura de Sousa [org.]. Democratizar a Democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. Vol. 1.


[1] Jacques Bossuet, bispo e teólogo francês do século XVII, foi um dos primeiros a defender a teoria do absolutismo político; ele criou o argumento que o governo era divino e que os reis recebiam seu poder de Deus; defendeu esta teoria para fundamentar o absolutismo de Luís XIV na França.
[2] Jean Bodin foi um jurista e professor de Direito em Toulouse (França) do século XVI. As ideias de Bodin retratam o que foi o Estado Absolutista no “ancien regime” da França: um Estado onde se considerava o poder do monarca como absoluto e de origem divina (teoria do “direito divino dos reis”). Segundo essa teoria, os príncipes soberanos (os reis) eram estabelecidos por Deus para governarem os outros homens, justificando assim a autoridade e legitimidade do monarca.
[3] “assim como a natureza dá a cada homem poder absoluto sobre todos os seus membros, o pacto social dá ao corpo político um poder sobre todos os seus”. Conquanto esse poder dirigido pela vontade geral seja Absoluto, ele tem seus limites (é o que Rousseau analisa no capítulo IV do Livro I do Contrato que tem como título “Dos limites do poder soberano”). Este poder é limitado porquanto seria ilógico o corpo político desejar prejudicar um de seus membros, pois que seria incapaz de ferir seus elementos formadores sem ferir a si mesmo: “le pouvoir souverain, tout absolu, tout sacré, tout inviolable quʼil est, ne passe ni ne peut passer les bornes des conventions générales” (o poder soberano, por mais absoluto, sagrado e inviolável que seja, não passa nem pode passar dos limites das convenções gerais) (ROUSSEAU, 2012, p. 110). Contudo, não se trata de limitações impostas por outro poder ou outros interesses, mas de limites impostos à sua própria esfera de ação, à sua própria “essência”.
[4] “afirmo, pois, que a soberania, não sendo senão o exercício da vontade geral, jamais pode alienar-se, e que o soberano, que nada é senão um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo. O poder pode transmitir-se; não, porém, a vontade”
[5] “pois a vontade ou é geral, ou não o é; ou é a do corpo do povo, ou somente de uma parte”
[6] O Livro II do Contrato estuda de forma mais pormenorizada a questão da soberania (e suas características) e das leis (e seus tipos : políticas, civis, criminais e dos usos e costumes). Se o pacto social é o que dá existência ao corpo político, são as leis que lhe atribuem movimento e vontade: o Estado vive e age pela lei.
[7] É importante não confundir as definições com as quais Rousseau trabalha entre democracia e república. Para o genebrino, o Estado que delega o governo a uma pessoa ou grupo, deixa de ser uma democracia. Mas ao mesmo tempo em que o Estado deixa de ser uma democracia, ele continua sendo uma república na medida em que o legislativo permanece inalienável e intransferível (no momento em que o povo não detém mais o poder legislativo, também perde sua soberania, sendo apenas súdito ou escravo e não mais soberano ou cidadão). Nesse sentido, pode-se dizer que, para Rousseau, a monarquia e a aristocracia são formas legítimas de governo, desde que republicanas. Todo governo regido por leis, entendendo-se que tais leis são a expressão da soberania da vontade geral, é republicano e legítimo. As leis que regem esses Estados, por sua vez, correspondem à vontade geral quando ratificadas pelo povo, corpo político ao qual pertence essa vontade soberana. A partir daí, monarquia, aristocracia e democracia são formas legítimas de governo, que devem ser adotadas conforme as condições do Estado.
[8] Para Rousseau, a representação política traz consigo um problema grave, que deve ser combatido nos seios do Estado, qual seja, o tráfico dos interesses privados nos negócios públicos. Já a representação no poder executivo leva a uma discussão diferente daquela sobre a mesma no legislativo. A primeira discussão remete à pergunta sobre a melhor forma de governo, que, segundo Rousseau, depende de cada Estado. A segunda discussão traz a problemática da impossibilidade de representar a vontade geral e, por sua vez, a soberania nacional.
[9] E aqui é fundamental um entendimento do Contrato em relação direta com uma outra obra de Rousseau intitulada Emílio. Para maiores detalhes veja o texto: Educação e Cidadania em Rousseau.
[10] Para aprofundar a discussão entre representação e participação em Locke e Rousseau veja o texto: Democracia representativa e democracia participativa em Locke e Rousseau.
[11] Inclusive sua crítica em relação à ideia de representação.
[12] Isso porque, “Le peuple soumis aux loix en doit être lʼauteur” (o povo, submetido às leis, deve ser o seu autor) (ROUSSEAU, 2012, p. 113).
[13] “a primeira e mais importante consequência decorrente dos princípios até aqui estabelecidos é que só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a finalidade de sua instituição, que é o bem comum”. Uma das questões levantadas por Rousseau é que, embora a vontade geral deseje sempre o próprio bem, pode acontecer de nem sempre se saber onde este bem está, o que pode levar a vontade geral ao erro, mas não por vontade própria.
[14] O povo, por si, quer sempre o bem, mas por si nem sempre o encontra. A vontade geral é sempre certa, mas o julgamento que a orienta nem sempre é esclarecido. É preciso fazê-la ver os objetos tais como são, algumas vezes tais como eles devem parecer-lhe, mostrar-lhe o caminho certo que procura, defendê-la da sedução das vontades particulares [...] Eis donde nasce a necessidade de um Legislador
[15] Para descobrir as melhores regras de sociedade que convenham às nações, precisar-se-ia de uma inteligência superior, que visse todas as paixões dos homens e não participasse de nenhuma delas, que não tivesse nenhuma relação com a nossa natureza e a conhecesse a fundo; cuja felicidade fosse independente de nós e, contudo, quisesse dedicar-se a nós, finalmente, almejando uma glória distante, pudesse trabalhar num século e fruí-la em outro. Seriam preciso deuses para dar leis aos homens
[16] Assim como, antes de erguer um grande edifício, o arquiteto observa e sonda o solo para verificar se sustentará o peso da construção, o instituidor sábio não começa por redigir leis boas em si mesmas, mas antes examina se o povo a que se destinam mostra-se apto a recebê-las
[17] Para maiores detalhes veja o texto: Educação e Cidadania em Rousseau.
[18] Rei Sol.

Ler mais: http://www.portalconscienciapolitica.com.br/products/a-democracia-em-rousseau/

SE QUISERDES SER FELIZES


“Se quiserdes ser felizes, conservai, pois, afastados da árvore da vossa felicidade o fungo do orgulho, o verme da inveja e a lagarta do medo”.


As coisas que eu leio!

SANGUE DE VIRGENS PEDIDO DE HOSPITAL DE CHINA


O serviço de oncologia do Hospital da Universidade de Pequim, na China, publicou um anúncio invulgar: apela à dádiva de sangue, mas apenas para 100 “mulheres virgens”. O anúncio está a suscitar polémica.

Um anúncio invulgar está a causar furor na China. O serviço de oncologia do Hospital da Universidade de Pequim apela à dádiva de “sangue de virgens”. O pedido é feito especificamente à comunidade feminina que nunca teve relações sexuais, o que fez despertar a polémica na imprensa e o humor na internet.

No anúncio, o serviço de oncologia explicava a necessidade de amostras de sangue de 100 mulheres virgens, com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos. As amostras seriam usadas num estudo sobre o vírus do papiloma humano (VPH), que se transmite através de relações sexuais. O VPH está na base do cancro do colo do útero e (em menor medida) no cancro da garganta.

“O risco de contaminação com o HPV é muito reduzido entre as mulheres que nunca tiveram relações sexuais”, justificou o porta-voz do hospital universitário, Guan Jiuping. Porém, a especificidade do apelo causou a ira de muitas pessoas, que consideram o anúncio ofensivo para as mulheres.


“Sangue de virgens”: Hospital da China faz apelo à dádiva - insólito
autor: João Miguel ribeiro

segunda-feira, 16 setembro 2013 14:54

A MINHA PRIMEIRA DÁDIVA


Durante toda a minha vida, tive medo de agulhas, nem para análises conseguia tirar sangue. Mas depois ouvi falar da Associação de Dadores de Sangue do Concelho de Aveiro (ADASCA), do qual a minha mãe faz parte e fui-me informar e disseram-me que já podia dar sangue. Mas, claro, ainda tive de ponderar, sobre o meu medo de agulhas e a minha possível ajuda.

Ainda demorei algum tempo para me habituar á ideia de ser uma possível dadora de sangue. No dia 8 de Janeiro de 2011, fui com a minha mãe para ver qual era o procedimento e quando dei por mim já estava a dar sangue e devo dizer que o meu medo desapareceu, pois pensei que a minha ajuda valia/vale mais do que um simples medo de agulhas.

Aproveito para dizer que também fiz o rastreio de medula óssea. Adorei a experiência e vou continuar a adorar, porque na minha cabeça estão aquelas pessoas que precisam de ajuda e eu sei que o meu sangue, algum dia virá a ajudar uma ou mais dessas pessoas.

Por isso fica aqui uma pequena chamada de atenção, UM DIA PODE SER UM DE VOCÊS, e eu não estou só a falar de uma criança ou de um idoso, mas sim de todos os seres humanos, porque não são só estas pessoas que necessitam de sangue mas sim todos nós.

Não hesite em dar sangue, se pode, dê, ao dar está a ajudar um familiar ou até um simples desconhecido, mas pense está a ajudar um ser humano.

Por Diana Monteiro
Sócia da ADASCA nº. 2213


A FÉ CONFORME S. PAULO


"São Paulo definiu a fé como «uma demonstração das coisas que não vemos». E, com efeito, a fé abre-nos o acesso a um mundo desconhecido, infinitamente vasto, no qual começamos a respirar, a alimentar-nos, a reforçar-nos. Pouco a pouco, tomamos conhecimento de domínios que até ali nos eram desconhecidos e, então, nós sabemos.

É por isso que não se deve opor fé e saber, eles funcionam em conjunto: a fé abre o caminho para novos conhecimentos. Pode-se dizer que a fé é o infinito e, neste infinito, o saber ocupa um pequeno território. É a fé que sonda o infinito, que o explora, que nos liga a ele, que nos faz penetrar nele sempre mais para diante. Assim, o nosso conhecimento do mundo divino cresce, aumenta, graças à nossa fé.

A fé precede sempre o saber, é ela que nos permite avançar. Para se saber, primeiro é preciso crer; mas, quando nós sabemos, já não necessitamos de crer, a fé transporta-nos para um novo espaço de investigação. E é assim que, pouco a pouco, a fé nos conduz ao conhecimento perfeito."

Autor desconhecido


FRENTE CONTRA A CORRUPÇÃO


A informação é um bem social imprescindível – foi por falta dela que os Estados Unidos sofreram o 11 de Setembro, o maior atentado terrorista da história. O Estado democrático e o dever de ofício levam o jornalista e o promotor à condição de predadores dos agentes públicos infiéis – um fuça e o outro jurisdiciona – com a diferença de que o salário do promotor é pago pelos contribuintes, que não visam ao lucro. Já o jornalista presta serviço para empresários que só pensam em dinheiro. O promotor desonesto pode perder o emprego para sempre, mas se o repórter pegar um jabá, por exemplo, corre o risco de ficar desempregado temporariamente porque essa é uma prerrogativa do veículo onde trabalha. Ou seja, no caso do jornalista, a relação patrão-empregado não passa pelo crivo da moralidade.

É por essas e outras razões que defendo, ardentemente, a autorregulação da profissão de jornalista, seja através de um conselho ou ordem, para o autocontrole da conduta ética e profissional da categoria, através de instrumentos que vão além de meros preceitos éticos. É humilhante uma classe de intelectuais como a nossa, responsável por tão nobre missão, não ter competência para se organizar na forma de uma instituição como a dos advogados ou médicos, por exemplo, que possuem instrumentos próprios para o controle dos registos profissionais. Não admito que o controle de registo profissional do jornalista continue sendo feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego, se temos plenas condições de ter o seu domínio de forma mais eficiente e competente.


Lavando a roupa suja, temos que considerar que boa parte dos jornalistas peca por falta de qualificação ou de carácter – ou dos dois juntos. A falta de carácter não tem cura (e nem ensinamentos, como pensava Sócrates), mas qualificar é possível. Por isso sugiro à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e demais entidades representativas da classe que realizem um encontro nacional da categoria para consciencializá-la sobre o seu real papel na fiscalização dos agentes públicos e orientá-la sobre meios e métodos de actuação – os critérios de conduta ética e a importância da imprensa como guardiã do património público. O mote do encontro seria o verdadeiro papel da imprensa diante do aumento da corrupção no país. Como convidados, teríamos a participação de representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, da Polícia, do Tribunal de Contas e do Poder Legislativo e Executivo.

Venda de espaço
 Moral da história, o que estava ruim, piorou ainda mais. Até porque existem os jornais pontuais, que surgem em época de eleição para dar apoio a este ou aquele candidato. São panfletos que não deveriam ter nenhum crédito, mas são formadores de opinião – e o pior: por traz de cada um desses jornais tem sempre um jornalista fazendo bico para sobreviver.

Sei que a forma com a qual a imprensa nanica fiscaliza os agentes públicos no interior é altamente favorável à corrupção porque a maioria destes veículos depende de verbas públicas para sobreviver. Vende espaço e opinião em troca de favores. Esta relação incestuosa anula a imprensa e faz do jornalista um contribuinte passivo da corrupção. Ora, é compreensível que o dono de um jornal do interior dependa de verbas públicas para custear o seu veículo, mas ele não pode se anular por completo. Tem, no mínimo, que cumprir a sua obrigação de informar o público sobre todos os fatos políticos que ocorrem na cidade porque é função do jornalismo nos regimes democráticos fiscalizar os poderes públicos e privados e assegurar a transparência das relações políticas, económicas e sociais.

O jornalismo declaratório
Por conta disso, a imprensa e a mídia são, às vezes, cognominadas de o Quarto Poder, aquele que é responsável pela fiscalização dos poderes constituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário. Assim sendo, é obrigação do jornalista fazer a cobertura sistematicamente do Poder Legislativo, comparecendo a todas as reuniões ordinárias e extraordinárias para levar ao público o que rola nos seus bastidores e com isso fiscalizar o Poder Executivo, que sem o Legislativo não faz nada. É preciso, ainda, ter profundo conhecimento do seu Regimento Interno e da Lei Orgânica do Município.

Recomenda-se que o material obtido nos debates públicos vá para o mix de reportagem, onde deve ser publicado com isenção, ficando as impressões jornalísticas para a secção de opinião. Com isso, o jornal cumpre o seu papel pela concisão do fato relatado. Este tipo de trabalho sério normalmente é reconhecido pelas autoridades, até porque o bom jornalista é aquele que se impõe pelo respeito e a seriedade de seu trabalho. O segredo é se informar bem para informar melhor ainda.

Vale lembrar que as coberturas dos poderes legislativos são exauridas ao final das reuniões porque este é um poder representativo de todos os interesses políticos e colectivos. Dentro desta Casa estão os representantes do povo, dos partidos políticos, do prefeito e de todos os demais segmentos da sociedade, de forma que se a fala de um vereador ou de um deputado ofender alguma autoridade, lá estará, com certeza, o representante legal deste para fazer a sua defesa. Se isso não ocorre, não é problema do repórter. Funciona assim. É o que chamamos de jornalismo declaratório – um fala e outro se defende, através de um debate democrático e salutar. O jornalista, neste caso, é mero mediador de factos.

Relação estritamente profissional
Outra atenção especial deve ser dada às licitações públicas que, por lei, são publicadas na imprensa oficial. O repórter precisa conhecer a lei que rege as licitações públicas, ler os editais e checar os aditivos, que não podem passar de 25% do valor da obra ou do serviço a ser prestado. É sabido que as principais irregularidades detectadas pelos Tribunais de Contas nas prestações de contas dos municípios estão nas licitações, movimentação de pessoal e no sector de compras, procedimentos esses que não passam pelo Legislativo. Portanto, é necessário ao repórter ficar atento a tudo isso porque o tamanho do dinheiro público que vai para o ralo depende do tamanho da omissão jornalística. Até porque, é sempre bom lembrar, o poder judiciário trabalha por provocação. Por isso é importante ao jornalista actuar em parceria com o Ministério Público, que tem poderes para, entre outras coisas, mover uma acção cível pública contra um prefeito ou vereadores por crime de improbidade administrativa.

A eficiência jornalística tem tudo a ver com a conduta pessoal do jornalista. Portanto, o ideal é que o repórter evite qualquer relação que venha mais tarde a criar constrangimentos para o livre exercício da profissão. O repórter não deve ter nenhuma relação de amizade com políticos e demais autoridades que fazem parte de seu contexto profissional. Evitar ao máximo possível as informalidades, não aceitar nada que venha a comprometer o seu trabalho, como favores ou agrados, e não fazer parte dos segredos profissionais e/ou particulares de agentes públicos que ostentam poderes porque isso compromete a relação profissional. Eu não vou a festa de político, não lhe peço favores, não os aceito e nem dou margem para que eles me tratem como amigo. A nossa relação tem que ser estritamente profissional, de respeito mútuo, para que possamos ser cépticos, críticos e independentes, como dever ser um bom jornalista.

Agindo desta forma qualificada e ética iremos, com certeza, contribuir muito para a redução da corrupção no país.

[José Cleves é jornalista, Belo Horizonte, MG]

NB: Artigo adaptado considerando o assunto em si, e o interesse público do mesmo. Os leitores o que têm para dizer sobre o assunto? Enviem-nos as vossas opiniões para e-mail: editorlitoralcentro@gmail.com