sexta-feira, 13 de maio de 2022

A GRAÇA DE FÁTIMA AGE NA UCRÂNIA

Estátua de São Vladimir, perto da Praça Vermelha, em Moscou

  • Luis Dufaur

Deus criou os homens para Lhe renderem glória nesta Terra, e depois no Céu, por toda a eternidade. Ele quis que essa glória se materializasse nos povos através de suas realizações históricas, uma das razões pelas quais os russos e os ucranianos, no presente estado de guerra, atraem as atenções universais.

A Rússia foi a única nação apontada por Nossa Senhora em Fátima, em uma posição relacionada com o triunfo do seu Imaculado Coração. Quando Ela apareceu em 1917, a Ucrânia integrava a Rússia, da qual é o berço. Agora Deus permite essa guerra no coração desse conjunto, não sendo difícil considerar sua relação com a Mensagem de Fátima e o Reino de Maria nela anunciado.

Talvez o leitor fique surpreso com o silêncio que se faz sobre os planos de Nossa Senhora. Para entender melhor essa situação, é preciso voltar no tempo.

Batismo da Rússia

Batismo de São Vladimir – Viktor Vasnetsov (1893), Catedral de Kiev

Até o ano de 988, o mundo eslavo de origem étnica viking incluía, numa imensidade territorial sem muita organização, as futuras Ucrânia, Rússia, Bielorrússia e partes de outros países. Caudilhos se impunham pela força das armas e usavam títulos de tsares, césares, reis ou análogos. O nome Rus ou Rutênia significaria “remadores”, pois os vikings dominavam os grandes rios das estepes remando em seus barcos.

Naquele ano a primazia era de Kiev, hoje capital da Ucrânia, onde com a morte do príncipe Igor assumiu a regência (945 a 969) a viúva Santa Olga. Ela foi a primeira soberana eslava batizada (em 945 ou 957), recebendo o nome cristão de Yelena em memória da imperatriz de Constantinopla.

Santa Olga defendeu o trono de seu filho Sviatoslav I contra rebeliões ferozes. Não conseguiu convertê-lo, mas seu neto, São Vladimir o Grande, reinou de 980 até 1015 com os títulos de Grão-Duque de Kiev e de todas as Rússias, ou ‘Tsar de todas as Rússias’.

São Vladimir foi batizado perto de Sebastopol (Criméia), cidade que possui uma catedral com seu nome. Depois voltou para Kiev, onde toda a sua família e o povo pediram o batismo. Tudo isso na década do ano 990. O Batismo de Kiev levou o mundo eslavo a se tornar católico.

O príncipe abateu os monumentos pagãos, destruiu os ídolos, combateu a bebedeira, trabalhou pela conversão de seus súditos e edificou numerosas igrejas, entre as quais a da Dormição da Virgem, primeiro templo em pedra do país. O Patriarca de Constantinopla doou à nova catedral um esplêndido mosaico de Nossa Senhora. De Moscou só se tem notícia no ano 1147.

Cisma diabólico e santo “uniatismo”

O demônio, que já agia no seio da Igreja, assanhou-se contra o império nascente. O Papa Pio XI explicou o fato na encíclica Ecclesiam Dei, de 11-11-1923. No ano 1054, o patriarca de Constantinopla, Miguel I Cerulário (1000-1059), provocou o Grande Cisma do Oriente, infestado de heresias. Ele era a cabeça do rito greco-católico estabelecido por São João Crisóstomo e, qual novo Lúcifer, arrastou legiões de bispos e fiéis à perdição.

Os Papas procuraram trazê-los de volta ao redil de Cristo. Pio XI destaca entre eles o papel de São Gregório VII, que invocou as bênçãos celestes sobre Demétrio, príncipe de Kiev e rei dos Russos, e sobre a rainha, a pedido do filho do casal que estava em Roma.

Os Papas Honório III, Gregório IX e Inocêncio IV enviaram legados aos príncipes, até que, em 1255, com a unidade refeita, o Núncio coroou Daniel, filho de Romano, como rei de todas as Rússias. Esta união durou muitos anos, ensina a Ecclesiam Dei, malgrado os percalços. Notadamente a invasão mongol da Europa pela Horda Dourada de Batu Cã e Subedei, uma das guerras mais letais da História, entre 1236 e 1242.

Eles devastaram a Rússia e chegaram até a Polônia e a Romênia, derrotando os austríacos, os húngaros e os cavaleiros teutônicos. Na Hungria, mataram metade da população. Finalmente retornaram à Ásia, mas conservaram Moscou, onde se fundiram com a população eslava local.

No Concílio de Florença (1431-1445), conhecido como de Basiléia, Dom Isidoro, Metropolita de Kiev e de Moscou, cardeal da Santa Romana Igreja, em nome de todos os povos de sua língua, jurou conservar santa e inviolável a unidade na fé de Roma, ratificando a promessa de 1255. Mas o inferno contra-atacou em 1453, quando o otomano Maomé II tomou Constantinopla, onde, segundo os erros cismáticos, residia o Espírito Santo, que teria abandonado Roma.

Convencidos pela calamidade de que o Espírito Santo não poderia estar nessa cidade, os bispos do rito greco-católico se reuniram com legados pontifícios no Concílio de Brest (1595-1596), na atual Bielorrússia, e juraram submissão aos Papas de Roma. Daí procede o nome “uniata”. O Papa Clemente VIII confirmou o referido Concílio na Constituição Apostólica Magnus Dominus e convocou a Igreja para agradecer a Deus pelo passo dado.

Mas o tsar de Moscou, Teodoro I — filho de Ivã IV, o Terrível — não aceitou tal decisão porque, como seus antecessores, utilizava-se dos bispos para consolidar suas conquistas. Convocou então um Sínodo e, sob ameaça de morte, obrigou os bispos a se dobrarem ante um “Patriarcado de Moscou” de sua invenção, bem como a reconhecerem que o Espírito Santo estaria em Moscou — a dita Terceira Roma, após Roma e Constantinopla.

Martírio de São Josafá Kuntsevytch – Józef Simmler (1823–1868). Museu Nacional de Varsóvia, Polônia

“Por meus ucranianos, espero converter o Oriente”

Contudo, o Arcebispo de Polotsk (Bielorrússia), São Josafá Kuntsevytch (1580-1623), resistiu e baniu os cismáticos, sendo por isso martirizado em Vitebsk, no ano 1623. A brutalidade do crime estarreceu muitos cismáticos, que acabaram se reunindo na Igreja greco-católica ucraniana, fiel a Roma.

Por ocasião da beatificação desse mártir, em 1643, o Papa Urbano VIII defendeu a União de Brest com palavras que se revestem de importância em nossos dias: “Por meio de vós, meus ucranianos, eu espero converter o Oriente”.1 São Josafá foi canonizado por Pio IX em 1867 e seus restos mortais estão expostos na Basílica Vaticana.

Em sentido contrário, o Patriarcado de Moscou foi extinto pelo mesmo capricho dos tsares que o criaram. Em 1721, Pedro o Grande, achando-o uma velharia incompatível com a modernização do império, acabou enterrando-o por quase dois séculos, até que, aproveitando-se da derrubada da monarquia pelo comunismo, alguns bispos cismáticos interesseiros o restauraram.

A Revolução bolchevista precisava daquele patriarcado para enganar mais facilmente o povo, e o recompôs com a condição de ele pregar o socialismo. O Soviete dos Comissários do Povo, tribunal do terror marxista, concedeu-lhe cidadania em 5-2-1918. Com as sucessivas chacinas comunistas, dos 50.960 clérigos cismáticos — os ditos “popes” — então existentes, só restaram 5.665. Dos 90.000 monges sobraram algumas centenas; e das 40.500 igrejas e 25.000 capelas cismáticas restaram apenas 4.255, e mesmo assim em ruínas.

O ‘patriarca’ Tikhon protestou, sendo por isso encarcerado e torturado. Saiu do cárcere prometendo que “a partir de agora não sou um inimigo do poder soviético”. Tikhon morreu em 1925, quiçá envenenado, e o ‘Patriarcado’ continuou como agência do ditador de plantão, sendo seus membros escolhidos pela polícia política comunista.

O genocídio soviético

O Patriarcado de Moscou foi extinto, em 1721, por Pedro o Grande, e acabou enterrado por quase dois séculos, até que, aproveitando-se da derrubada da monarquia pelo comunismo, alguns bispos cismáticos interesseiros o restauraram.

Grande parte do povo ucraniano pertence à etnia cossaca (ou povo livre, indômito e guerreiro), também presente em países vizinhos. Os cossacos permaneceram cismáticos e os tsares de Moscou lhes ofereceram muitas concessões em troca de servirem em unidades de cavalaria. Para alguns, eles são a coluna vertebral da Ucrânia moderna, como diz o hino nacional: “Nós somos da linhagem cossaca”.

Quando o comunismo destronou os tsares, os cossacos lutaram pela monarquia. Em vingança, o ditador Joseph Stalin, com a cumplicidade do “Patriarcado de Moscou”, exterminou pela fome entre 6 e 8 milhões deles. Paradoxalmente, os únicos a denunciarem o crime ao mundo foram os bispos católicos, que escreveram: “As sequelas do regime comunista se tornam cada dia mais aterradoras. Seus crimes horrorizam a natureza humana e fazem gelar o sangue [..]. Protestamos diante do mundo inteiro contra a perseguição de crianças, pobres, doentes, inocentes, e citamos os algozes diante do Tribunal de Deus Todo-poderoso. O sangue dos famintos e escravizados tinge a terra da Ucrânia e clama aos Céus pedindo vingança, o pranto das vítimas da fome chega até Deus no Céu”.2

Por sua vez, o comunismo obrigou os greco-católicos ucranianos a apostatar, ingressando no ‘Patriarcado de Moscou’, e lhes confiscou todos os bens. Os católicos resistentes foram martirizados, enviados à Sibéria, ou se refugiaram na clandestinidade, sendo o único grupo religioso que resistiu ao comunismo.

O arcebispo-mor dos católicos greco-ucranianos, Dom André Sheptytskyi, Arcebispo de Lviv e Patriarca de Aliche, apelou ao Papa Pio XII: “Este regime só pode se explicar como um caso de possessão diabólica coletiva”. E pediu ao Pontífice que todos os sacerdotes do mundo “exorcizassem a Rússia soviética”.3 Infelizmente, nem os governos ocidentais nem a Santa Sé atenderam a esses lancinantes clamores.

26 de setembro de 1968 – A TFP ofereceu uma solene recepção ao Cardeal Josyf Slipyj, Arcebispo-Maior de Lviv, Metropolita dos ucranianos, grande herói da resistência ao comunismo na sua pátria. Na foto, o Cardeal e o presidente da TFP, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira

A graça de Fátima agindo na Ucrânia

Quando caiu a União Soviética, cerca de 300 mil católicos emergiram das catacumbas, mas, segundo estimativas atuais, na Ucrânia eles são cinco ou seis milhões. Pois tendo os católicos resistido ao comunismo — ao contrário dos “popes” cismáticos, que lhe foram submissos —, muitos ex-cismáticos passaram para a Igreja Católica, como outrora os “uniatas”.

Plinio Corrêa de Oliveira observou que avalanches de pessoas da Igrejas Ortodoxas desejam entrar para a Igreja Católica. Isto é uma conversão. Mas a Ostpolitik da Santa Sé não simpatiza com elas porque abalam as relações entre o Kremlin e o Vaticano. A Ucrânia, junto com a Polônia e os países bálticos, podem formar uma faixa católica em extremo perigosa para o comunismo”.4 As sucessivas intervenções da Ostpolitik vaticana para frear essa tendência não tiveram êxito.

Indagado sobre a ação da graça de Nossa Senhora de Fátima na ex-URSS, o Prof. Plinio afirmou: “Onde vejo uma possibilidade mais saliente de conversão é na Ucrânia pisoteada, onde os católicos resistem com heroicidade, e cismáticos começam a se converter. Os torcionários do clero cismático produziram o sofrimento do povo e se degradaram muito ante a opinião pública.”

Ele via que essa tendência à conversão acarretaria uma possibilidade de apostolado católico em toda a Ásia, “pois não há região da Índia, da China, da Pérsia, em que a Sibéria ao longo dos tempos não pudesse funcionar como um chuveiro gotejando Fé”5. Isso acontecendo, realizar-se-ia a previsão do Papa Urbano VIII: “Por meio de vós, meus ucranianos, eu espero converter o Oriente”.6

Tal perspectiva encoleriza a Rússia de Putin e o “Patriarcado de Moscou”, o qual explora a simpatia do Papa Francisco pelo presidente russo para bloquear esse movimento. Em fevereiro de 2016, o Pontífice Romano desceu na capital da Cuba castrista para assinar uma Declaração Comum com o Patriarca Kyrill, vetando o “uniatismo” e a conversão de grandes grupos de cismáticos ao rito greco-católico.7

O vaticanista Sandro Magister escreveu, em 8 de junho de 2018, que uma comitiva desse Patriarcado em Roma ficou eufórica pelo “modo com que Francisco abraçou as teses do patriarcado de Moscou e, pelo contrário, condenou com palavras muito ásperas as posições da Igreja greco-católica ucraniana”.8 A respeito da conversão da Rússia [vide quadro no final].

Não espanta que, nesse mesmo ano, o chefe do “Patriarcado de Moscou” tenha ameaçado o “cisma ucraniano” com um “derramamento de sangue”, segundo noticiou o site Unisinos.9 Ele se referia aos cismáticos que trocavam o “Patriarcado de Moscou” por outra igreja cismática, mas se aproximavam do catolicismo. Agora, Kyrill fez a apologia da guerra de Putin contra a Ucrânia como uma “guerra moralmente justa e útil” contra um “Anticristo”,10 aduzindo pretextos “conservadores”.

Nos antros de Moscou reina o pavor diante da expansão da graça de Fátima no mundo eslavo. Os fatos atuais fornecem uma clave de interpretação religiosa com um fundo de esperança, apesar dos sofrimentos causados na martirizada Ucrânia.

Ucranianos em fuga de ataques russos a Irpin esperam sob uma ponte destruída para atravessar o rio

Ação da Divina Providência protege a Ucrânia

Bem antes de invadir a Ucrânia, Putin e seus oligarcas trombeteavam que em 48 horas o exército russo tomaria Kiev, a capital ucraniana, e apagaria do mapa um país que para eles não deveria existir. Quando, porém, após a fracassada tentativa, as colunas russas se retiraram vergonhosamente, entre os incontáveis restos de veículos havia um caminhão com fardas de gala com a medalha da “Vitória de Kiev”, para os soldados ostentarem na almejada passeata da vitória…

A diferença numérica de ambos os exércitos levou o oligarca Konstantin Malofeev, que se diz cristão, a exaltar o esmagamento da Ucrânia. Mas no momento em que escrevemos esta matéria a situação se inverteu e os ucranianos estão conseguindo deter os exércitos de Putin. — O que aconteceu?

Seria simplificação falar em milagre. O noticiário aponta para uma convergência de fatores naturais contra o Moloch assassino, mas é impossível não se perguntar sobre a ação da Providência. Vejamos esquematicamente.

1.      Quando Kiev estava quase cercada, apareceram no céu nuvens formando uma figura parecida com São Miguel Arcanjo, padroeiro da cidade. Os fiéis telefonaram para o arcebispo-mor greco-católico Dom Sviatoslav Schevchuk. Ele esclareceu em vídeo que se tratava de nuvens, mas que Deus pode se manifestar por meio de elementos naturais. E concluiu: “Hoje percebemos que o comandante-em-chefe da hoste celestial está lutando pela Ucrânia. Hoje rezamos: ‘Ó São Miguel Arcanjo e toda a milícia celestial, derrubai o demônio que deseja nos derrubar!’”.

2.      O “Patriarca de Moscou” Kyrill, vistoso agente de propaganda de Putin, qualificou a invasão de ‘justa’ e ‘santa’. Ele é o chefe da igreja russa, dita ortodoxa. Diante dos crimes de guerra do exército russo, bispos, sacerdotes e muitos fiéis querem depô-lo, diretamente ou em assembleia, mas temem represálias de Putin. Por isso pensam abandonar essa igreja cismática, aumentando assim as chances de conversões à Igreja Católica.

3.      Aproximadamente seis mil cidadãos russos foram presos nas manifestações contra a guerra nas grandes cidades da Rússia. Correram boatos em Moscou de que generais descontentes desejavam depor Putin, que sem dar explicação destituiu alguns deles.

4.      A “guerra psicológica” de Putin durante três décadas foi de que ele era um novo “Carlos Magno” ou “Constantino”, líder mundial dos “conservadores”. As atrocidades da guerra revelaram quem é ele… Putin mostrou ser o maior criminoso do século, continuador — como ele sempre disse — de Stalin, cuja URSS sonha restaurar.

5.      Sete generais russos morreram na Ucrânia. Um deles — que havia prometido a vitória em 48 horas, mas que após 30 dias perdeu metade de seus homens e deixou o resto sem comida, água e diesel — foi intencionalmente esmagado por um tanque dirigido por um soldado russo enfurecido. Já são 15 os oficiais de alta patente mortos na Ucrânia. Os generais assumiram a liderança das unidades que se negavam a avançar, ficando mais expostos. Inexplicável falha nas comunicações russas levou oficiais a usarem celulares que fornecem a geolocalização deles, facilitando assim a pontaria ucraniana.

6.      O seminário católico de Vorzel, perto de Kiev, foi saqueado. Dom Vitaliy Kryvytskyi, Bispo de Kiev, contou que os russos quebraram uma imagem de Nossa Senhora de Fátima e pilharam tudo o que puderam, mas não conseguiram matar ninguém.

7.      Moscou comemorou a ocupação da área da antiga usina nuclear de Chernobyl, expulsou seus engenheiros e seguranças, e montou um grande acampamento militar sobre o interditado depósito de cinzas radioativas apelidado “Floresta vermelha”, pela estranha cor que adquiriram os pinheiros. Foram além. Cavaram trincheiras, abriram estradas e usaram da água, absorvendo radioatividade. Após um mês, os soldados sofriam estranhas doenças, até se detectar a causa. A tropa se revoltou e o acampamento foi abandonado. O último comboio de doentes partiu com 300 soldados cujo prognóstico de vida é de apenas um ano.

9.      A força aérea russa deveria ter ficado com a supremacia nos primeiros dias por sua imensa superioridade, mas até hoje não ousa entrar no espaço aéreo ucraniano. Os pilotos alegam a eficácia da pequena aviação da Ucrânia, voam até a fronteira, disparam seus mísseis e voltam para as suas bases.

10.    O número de tanques ucranianos aumentou, apesar das perdas na guerra. No 44º dia do conflito, a Rússia perdeu 2.770 blindados (incluídos 476 tanques), 1.041 (191 tanques) deles capturados pelos ucranianos, que os consertaram e reutilizaram contra os ex-proprietários… Muitos russos fugiam de seus tanques e abandonavam o combate. Outros sabotavam seus veículos e voltavam a pé, alegando avarias. Camponeses ucranianos transformavam esses veículos em caminhões para a lavoura. Um militar russo entregou sua unidade intacta em troca de dez mil dólares e um RG ucraniano, enquanto seus colegas voltavam a pé para suas casas. Foi feita uma tabela com o preço de cada arma útil mais o RG.

11.    Usando mísseis portáteis diversos, punhados de soldados ucranianos de infantaria arrastam-se pelas plantações, emboscam colunas de tanques pesados e as põe em fuga.

12.    Em Lviv, segundo testemunha, as procissões católicas em torno das igrejas não cessam, e quando soam os alarmes de bombardeio, são transferidas para os porões ou criptas das igrejas.

A guerra não terminou e momentos ainda mais trágicos se anunciam. Uma coisa, porém, é certa: a mão da Divina Providência está pesando a favor dos católicos ucranianos contra os inimigos da civilização cristã. A hora da conversão da Rússia prometida por Nossa Senhora em Fátima parece se aproximar.

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Notas:

1.Cfr. Miroslav Zabunka e Leonid Rudnytzky, The Ukrainian Catholic Church, 1945-1975, St Sophia Association, Philadelphia, 1976, p.9.

2. Mons. Ivan Buchko First Victims of Communism: White Book on the Religious Persecution in Ukraine, Roma, 1953, apud https://flagelorusso.blogspot.com/2019/11/genocidio-de-milhoes-de-ucranianos.html

3. Pe. Alfredo Sáenz S.J., De la Rusia de Vladimir al hombre nuevo soviético, Ediciones Gladius, Buenos Aires, 1989, pp. 438-439 apud https://flagelorusso.blogspot.com/.

4. Anotações, 25-9-90.

5. Conferência em 11-7-92.

6. Cfr. Miroslav Zabunka e Leonid Rudnytzky, The Ukrainian Catholic Church, 1945-1975, St Sophia Association, Philadelphia, 1976, p.9.

7. https://flagelorusso.blogspot.com/2016/02/hoje-como-ontem-ostpolitik-vaticana.html?m=0

8. http://magister.blogautore.espresso.repubblica.it/2018/06/08/en-ucrania-entre-ortodoxos-y-catolicos-francisco-tomo-partido-por-moscu/

9. https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/580445-o-patriarcado-de-moscou-o-cisma-ucraniano-provocaria-um-derramamento-de-sangue

10. https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/616708-para-o-patriarca-kirill-a-guerra-e-moralmente-justa-e-util-para-parar-o-lobby-gay-ocidental

QUANDO VEREMOS UMA RÚSSIA CATÓLICA?

“ARússia católica será o fim do Islã e o triunfo definitivo da Cruz sobre o Bósforo, sem perigo algum para a Europa; será o Império Cristão do Oriente restaurado com uma glória e um poder até agora desconhecidos; será a Ásia evangelizada, não mais apenas por alguns padres pobres e isolados, mas com a ajuda de uma autoridade mais forte que Carlos Magno. É, por fim, a grande família eslava reconciliada na unidade de fé e aspirações para a sua própria grandeza. Esta transformação será o maior acontecimento do século que a verá realizar-se, e mudará a face do mundo.

“Há algum fundamento para esta esperança? Seja o que for, São Josaphat será sempre o patrono e modelo dos futuros apóstolos da união da Rússia e do mundo greco-eslavo. Por seu nascimento, educação e estudos, pela inclinação de sua piedade e todos os seus hábitos de vida, ele lembrava muito mais os monges russos do que os prelados latinos de seu tempo.

“Ele sempre desejou que a Sagrada Liturgia de sua Igreja fosse inteiramente preservada, e seguiu-a amorosamente até seu último suspiro, sem a menor alteração ou diminuição, como os primeiros apóstolos da Fé Cristã a tinham trazido de Constantinopla para Kiev. Apesar dos preconceitos obliterados oriundos da ignorância e de seu nome ser desprezado agora na Rússia, São Josaphat será logo conhecido, amado e invocado pelos próprios russos.”

ABIM

(“O Ano Litúrgico de D. Prosper Guéranger”, Tempo depois de Pentecostes, Livro VI. Traduzido da edição em inglês de D. Laurece Shepherd. / Também em: https://bit.ly/3rkrG62 ).

Fátima volta ao centro das atenções

 

  • Fonte: Revista Catolicismo, Nº 857, Maio/2022

Da Mensagem de Fátima, oriunda da própria Mãe de Deus, não se pode discutir a gravidade nem a atualidade. Mas na presente conjuntura internacional ela se tornou ainda mais o centro das atenções, pelo menos em todo o mundo católico, devido à guerra da Rússia contra a Ucrânia, que está contagiando outros países, sobretudo os europeus, além dos Estados Unidos e da China.

A questão relacionada com as guerras mundiais enquanto castigos permitidos por Deus para punição dos pecados dos homens constitui um dos pontos nevrálgicos das revelações de Nossa Senhora a Lúcia, Francisco e Jacinta em 1917. Esses três pastorzinhos de Aljustrel, aldeia do interior de Portugal, nunca tinham ouvido falar de “Rússia”, o imenso país que só a partir de então foi tomado pelo regime comunista e começou a espalhar “seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja…” (profecia de 13 de julho). Entre tais erros estão, por exemplo, o materialismo marxista e o ateísmo, que grassam pelos quatro cantos do mundo, tornando as pessoas cada vez mais imorais, insensíveis às graças de Deus e afastadas da Religião Católica.

O muito saudoso Prof. Plinio Corrêa de Oliveira [foto], principal colaborador de Catolicismo, abordou magistralmente essa trágica e crucial questão em um artigo publicado na nossa edição comemorativa do cinquentenário das aparições (maio de 1967), onde ele faz uma análise sucinta dos múltiplos aspectos das revelações de Fátima, nas quais, “falando aos pequenos pastores, quis Nossa Senhora falar ao mundo inteiro exortando todos os homens à oração, à penitência, à emenda de vida”.

Para esta edição de maio — mês por excelência de Maria e de Fátima — reproduzimos esse memorável artigo, inserindo apenas os subtítulos para melhor divisão e compreensão da temática.

Da Redação de Catolicismo


FÁTIMA, NUMA VISÃO DE CONJUNTO

  • Plinio Corrêa de Oliveira

1— Para se entender o conjunto de visões e comunicações com que Lúcia, Francisco e Jacinta foram favorecidos, é preciso ter em vista, antes de tudo, a doutrina católica sobre a comunhão dos santos. As preces e méritos de uma pessoa podem beneficiar outra. Assim, as orações, os sacrifícios e o holocausto da própria vida, oferecidos pelas três crianças, máxime depois de espiritualmente beneficiadas pelas aparições da Rainha de todos os Santos, é lógico que pudessem aproveitar a um grande número de almas, e até a nações inteiras. Nossa Senhora veio, pois, solicitar orações e sacrifícios aos três. A Jacinta e Francisco pediu também o holocausto da vida como vítimas expiatórias pelos pecados dos homens. A Lúcia pediu que ficasse neste mundo para o cumprimento de uma missão da qual adiante falaremos.

2— Outro pressuposto para a intelecção dos acontecimentos de Fátima é a mediação universal de Maria Santíssima. Ela atua, em todos, como a Medianeira suprema e necessária — por livre vontade de Deus — entre o Redentor ofendido e a humanidade pecadora. Mediadora, de outro lado, sempre ouvida, e enquanto tal exercendo uma verdadeira direção sobre os acontecimentos. Mediadora régia, que será glorificada com a vitória de seu Coração materno. O que é a mais requintada expressão da vitória do próprio Deus.

3— Falando aos pequenos pastores, quis Nossa Senhora falar ao mundo inteiro exortando todos os homens à oração, à penitência, à emenda de vida. De modo especial, falou Ela ao Papa e à Sagrada Hierarquia, pedindo-lhes a consagração da Rússia ao seu Coração Puríssimo.

4— Estes pedidos a Mãe de Deus os fez em vista da situação religiosa em que se encontrava o mundo na época das aparições, isto é, em 1917. Nossa Senhora apontou tal situação como altamente calamitosa. A impiedade e a impureza haviam dominado a Terra a tal ponto, que para punir os homens explodira a verdadeira hecatombe que foi a Primeira Grande Guerra. Essa conflagração terminaria em breve, e os pecadores teriam tempo para se emendar ao apelo de Fátima. Se esse apelo fosse ouvido, a humanidade conheceria a paz. Caso não fosse ouvido, viria outra guerra, mais terrível ainda. E, caso o mundo ainda continuasse surdo à voz de sua Rainha, uma suprema hecatombe, de raiz ideológica e de porte universal, implicando em uma grave perseguição religiosa, afligiria todos os homens, trazendo grandes provações para o Romano Pontífice: “A Rússia espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja… O Santo Padre terá muito que sofrer”.

5— Quebrada assim, ao longo de toda uma cadeia de calamidades, a dura cerviz da humanidade contemporânea, haverá, em larga escala, uma conversão das almas. Tal conversão será especificamente uma vitória do Coração Puríssimo da Mãe de Deus: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará…”. Será o reinado de Maria sobre os homens…

6— No intuito de mais eficazmente incitar a humanidade a acolher essa mensagem, Nossa Senhora fez ver aos seus três confidentes as almas condenadas ao inferno. Quadro trágico por eles descrito de modo admirável, e próprio a reconduzir à virtude os pecadores endurecidos. Essa visão lúgubre bem mostra quão profundamente estão enganados os que afirmam ser inadequada para os homens deste século a meditação sobre os tormentos eternos.

7— A fim de provar a realidade das aparições, e portanto a autenticidade da mensagem, a Virgem dispôs três ordens de acontecimentos:

Lúcia, Francisco e Jacinta, os pastores aos quais Nossa Senhora apareceu em Fátima.

a) Afluência de grande número de espectadores, no momento em que Ela falava aos videntes. Embora somente estes fossem os destinatários imediatos da mensagem, os circunstantes, fazendo uso de uma penetração psicológica comum, podiam certificar-se de que as três crianças não mentiam nem eram objeto de uma ilusão, ao afirmar que estavam em contato com Nossa Senhora, mas realmente ouviam um ser invisível para os outros, ao qual falavam.

b) O prodígio das transformações cromáticas e dos movimentos do sol. Esse prodígio se fez notar em uma zona tão maior do que o local das aparições, que não pode ser explicado por um fenômeno de sugestão coletiva (sumamente difícil de ocorrer, aliás, com as 50 a 70 mil pessoas que se achavam na Cova da Iria).

c) Confirmou-se a profecia de que, pouco depois das aparições de Fátima, a Primeira Guerra Mundial chegaria ao fim. Como igualmente se confirmou a profecia de que, não se emendando a humanidade, uma outra guerra mundial eclodiria. A luz extraordinária que iluminou os céus da Europa antes da segunda conflagração foi um fato observado em vários países e universalmente conhecido. A Senhora prevenira os videntes de que este seria o sinal da punição iminente. E pouco depois a punição veio.

d) A previsão do castigo supremo, que é a difusão do comunismo, começou a realizar-se pouco depois das aparições. É importante notar que a Santíssima Virgem anunciou que “a Rússia espalhará seus erros pelo mundo”, mas que, por ocasião dessa profecia — 13 de julho de 1917 — a expressão era mais ou menos ininteligível. Com efeito, o tsarismo acabava apenas de cair, substituído pelo regime ainda burguês de Kerensky, e não se podia saber quais seriam esses erros russos. Pois manifestamente não se tratava aí da difusão da religião greco-cismática, mumificada e privada de qualquer força de expansão. Assim, a ascensão dos marxistas ao poder na infeliz Rússia, no mês de novembro de 1917, já foi um eloquente começo de confirmação da profecia. Em seguida, o Partido Comunista russo iniciou a propagação mundial dos seus erros, o que acentuou ainda mais a coincidência entre o que a Virgem anunciara e o curso dos acontecimentos. Depois da Segunda Guerra Mundial, a expansão comunista se acentuou ainda muito mais, porque numerosas nações, subjugadas pela fraude e pela força, caíram sob domínio soviético. A URSS se converteu assim em um perigo mundial. E uma agressão comunista é hoje como que uma espada de Dâmocles suspensa sobre o Ocidente. Desse modo, a ameaça formulada por Nossa Senhora, que poderia parecer confusa e inverossímil em 1917, se apresenta como um perigo que faz estremecer toda a Terra.

Tropas inglesas caminham no meio das ruínas da cidade belga de Ypres, durante a I Guerra Mundial (29 de setembro de 1918).

Comunismo, expressão doutrinária e institucional da amoralidade

Ante estas afirmações de uma grandeza apocalíptica, é preciso fazer uma observação. O mundo de hoje se vai dividindo cada vez mais em duas famílias de almas. Uma considera que a humanidade é presa de um feixe de erros e de iniquidades, as quais começaram na esfera religiosa e cultural com o humanismo, a Renascença e a Pseudo-Reforma protestante. Tais erros se agravaram com o iluminismo e o racionalismo, e culminaram na esfera política com a Revolução Francesa. Do terreno político passaram eles para o campo social e econômico, no século XIX, com o socialismo utópico e com o socialismo dito científico.

Com o advento do comunismo na Rússia, toda essa congérie

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de erros passou a ter um começo de transposição, incipiente mas maciça, para a ordem concreta dos fatos, nascendo daí o império comunista moloch que vai desde o coração da Alemanha até o Vietnã, e cuja unidade (a divisão em “linha russa” e “linha chinesa” não passa de um bluff propagandístico) é indiscutível.*

Ao mesmo tempo, sobretudo a partir da Grande Guerra, a moralidade se pôs a declinar com rapidez espantosa no Ocidente, preparando-o para a capitulação ante o comunismo, o qual é a mais audaciosa expressão doutrinária e institucional da amoralidade.

A concepção histórica contida nessas considerações se encontra exposta no artigo “A cruzada do século XX”, publicado no primeiro número desta folha. Procuramos dar-lhe um mais amplo desenvolvimento no ensaio Revolução e Contra-Revolução, que Catolicismo estampou em seu nº 100. Por fim, encontra-se ela enunciada com grande elevação e clareza no histórico documento em que duzentos Padres do II Concílio Ecumênico do Vaticano, por iniciativa dos Exmos. Revmos. Srs. D. Antônio de Castro Mayer e D. Geraldo de Proença Sigaud, pediram uma nova condenação do marxismo. Para as incontáveis almas de todos os estados, condições de vida e nações, que condividem este modo de pensar, a mensagem de Fátima é tudo quanto há de mais coerente com a doutrina católica e com a realidade dos fatos.

Fátima, divisor de águas das mentalidades contemporâneas

Há também outra família de almas, para a qual os problemas do mundo contemporâneo pouca ou nenhuma relação têm com a impiedade (considerada enquanto desvio culposo da inteligência) e a imoralidade. Nascem eles exclusivamente de equívocos involuntários, que uma boa difusão doutrinária e um conhecimento objetivo da realidade podem dissipar. Esses equívocos resultam, aliás, de carências econômicas. Filhos da fome, morrerão quando no mundo não houver mais fome. E não morrerão antes disto. Com o auxílio da ciência e da técnica, a crise da humanidade se resolverá.

Não só isto. Não havendo como nota tônica das catástrofes e dos perigos em meio aos quais nos debatemos, o fator culpa, a noção de um castigo universal se torna incompreensível. Tanto mais quanto, para esta família de almas, o comunismo não é intrinsecamente mau, e com ele são possíveis acomodações que evitem incômodas perseguições.

É claro que por amor à brevidade a descrição dessas duas famílias de almas esquematiza algum tanto o panorama. Entre uma e outra há muitas gamas. Não haveria porém espaço para retratá-las aqui. Na medida em que qualquer das correntes intermediárias se aproxima de um polo ou do outro, para ela se vai tornando compreensível ou incompreensível a mensagem de Fátima. Fátima se encontra pois, neste sentido, como um verdadeiro divisor de águas das mentalidades contemporâneas.

De qualquer forma, exceção feita da parte ainda mantida em segredo, os pedidos, as admonições, as profecias (todos com mero caráter de revelações particulares, é bem de ver…) da Cova da Iria estão lançados e em larga via de confirmação. Aos céticos dizemos: Qui vivra verra… [Quem viver verá].

Lenin, em 1917, implanta o comunismo na Rússia.

A Consagração da Rússia atendeu ao que foi pedido em Fátima?

Dar-se-ão os acontecimentos previstos em Fátima, e ainda não realizados até aqui? É a pergunta que a humanidade contemporânea faz. Em princípio, não há como duvidar. Pois o fato de uma parte das profecias já se haver realizado com impressionante precisão prova o caráter sobrenatural delas. E, provado tal caráter não há como pôr em dúvida que a mensagem celeste se cumpra até o fim.

Mas, poderia alguém objetar, as profecias de 13 de julho de 1917 têm um cunho condicional. Elas se realizariam caso o Papa e, em união com ele, os Bispos fizessem a consagração da Rússia e do mundo ao Imaculado Coração de Maria. Ora, tal consagração foi feita por Pio XII quanto ao mundo (em 1942) e quanto à Rússia em particular (1952). Logo, é de esperar que os castigos previstos pela Senhora do Rosário não ocorrerão…

A esta objeção duas respostas podem ser dadas.

Primeiramente, conforme palavras de Nosso Senhor à Irmã Lúcia, em 1943, por ela referidas em carta ao Bispo titular de Gurza, a consagração do mundo feita por Pio XII, se bem que tenha sido do divino agrado, não preencheu todas as condições formuladas pela Mãe de Deus. Em consequência, parece discutível que tal consagração tenha por efeito afastar as calamidades previstas. A essas palavras comunicadas por Nosso Senhor à Irmã Lúcia cumpre dar todo o crédito, pois, tendo ela ficado nesta vida com uma missão concernente à mensagem de Fátima, é normal que receba do Céu comunicações dessa natureza, próprias a orientar o mundo sobre a interpretação a ser dada à mesma mensagem, bem como sobre a relação desta com o desenrolar dos acontecimentos. E por isto mesmo é normal também que Jesus e sua Mãe deem à Religiosa fiel e tão amada pelos Sagrados Corações toda a assistência para que desempenhe essa missão sem cair em erro nem induzir ao erro a humanidade.

Em segundo lugar, sobreleva notar que, na Cova da Iria, Nossa Senhora formulou duas condições, ambas indispensáveis para que se desviassem os castigos com que Ela nos ameaçava.

E a prática da Comunhão reparadora dos cinco primeiros sábados?

Uma dessas condições era a consagração. Digamos que esta tenha sido realizada da maneira pedida pela Santíssima Virgem. Resta a segunda condição: a divulgação da prática da Comunhão reparadora dos cinco primeiros sábados. Parece-nos evidente que essa devoção não se propagou até hoje pelo orbe católico na medida desejada pela Mãe de Deus.

E há ainda outra condição, implícita na mensagem, mas também ela indispensável: é a vitória do mundo sobre as mil formas de impiedade e de impureza que o vêm dominando. Tudo indica que essa vitória não foi alcançada, e, pelo contrário, que nos aproximamos cada vez mais do paroxismo nesta matéria. Assim, uma mudança de rumo da humanidade se vai tornando cada vez mais improvável. E, à medida que caminhamos para esse paroxismo, mais provável se vai tornando que estejamos caminhando para a efetivação dos castigos…

Cumpre aqui fazer uma observação. É que, a não serem vistas as coisas assim, a mensagem de Fátima seria absurda. Pois se Nossa Senhora afirmou em 1917 que os pecados do mundo haviam chegado a um tal cúmulo que clamavam pelo castigo de Deus, não pareceria lógico que esses pecados continuassem a crescer durante 50 anos, o mundo se recusasse obstinadamente e até o fim a ouvir o que lhe foi dito em Fátima, e o castigo não viesse. Seria o mesmo que se Nínive não tivesse feito penitência e, contudo, as ameaças do Profeta [Jonas] não se verificassem.

De mais a mais, a própria consagração pedida por Nossa Senhora não teria por efeito afastar o castigo se o gênero humano continuasse cada vez mais aferrado à impiedade e ao pecado. Pois enquanto tal se desse, a consagração conservaria algo de incompleto e despido de conteúdo real.

Em resumo, desde que não se operou no orbe a imensa transformação espiritual pedida na Cova da Iria, vamos cada vez mais caminhando para o abismo. E, à medida que caminhamos, aquela transformação se vai tornando sempre mais improvável.

Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima visita a Ucrânia.

Sem conversão real ao catolicismo, a perspectiva do castigo

Entra aqui o famoso assunto da parte ainda não revelada do segredo de Fátima [NdR: note-se que o presente artigo foi publicado em maio de 1967]. Conterá ela talvez palavras de perdão e de paz que nos deixem esperar uma indefinida impunidade para esse indefinido crescimento da impiedade e da impureza? A isto devemos dizer, desde logo, que não conseguimos perceber o que haja de piedoso em tal ideia. Em situações análogas — de um mundo surdo e recalcitrante até o fim — as almas santas do Antigo e do Novo Testamento sempre preferiram a misericórdia à justiça, e o perdão ao castigo. Mas sempre preferiram o castigo ao espetáculo da impiedade vitoriosa escarnecendo impunemente e por tempo indefinido da majestade de Deus.

Ademais, parece absurdo admitir que Nossa Senhora tenha feito uma mensagem pública asseverando que sem emenda de vida o mundo incorreria em terríveis castigos, e uma mensagem privada na qual afirmasse de um ou de outro modo que na mesma hipótese ocorreria o contrário.

O que importa é, pois, rezar, sofrer e agir para que a humanidade se converta. E isto com redobrado empenho, porque senão o castigo está às portas.

Um segredo é um segredo. E, em boa lógica, ninguém pode tirar deduções do seu conteúdo, já que não o conhece.

Entretanto, não é fora de propósito fazer aqui uma conjetura. A parte ainda não divulgada do segredo provavelmente contém pormenores assustadores sobre o modo pelo qual se cumprirão os castigos anunciados em Fátima. Pois só assim se explica por que possa parecer duro publicá-la. Se ela contivesse perspectivas distensivas, tudo leva a crer que já estaria publicada.

A mesma Imagem percorre a Itália.

A perspectiva apaziguadora, atraente, majestosa e empolgante

É bom que, ao fim destas reflexões, nosso espírito se detenha na consideração das perspectivas últimas da mensagem de Fátima. Para além da tristeza e das punições supremamente prováveis, para as quais caminhamos, temos diante de nós os clarões sacrais da aurora do Reino de Maria: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”. É uma perspectiva grandiosa de universal vitória do Coração régio e maternal da Santíssima Virgem. É uma promessa apaziguadora, atraente e sobretudo majestosa e empolgante.

Para obviar o castigo na tênue medida em que é obviável, obter a conversão dos homens na fraca medida em que segundo a economia comum da graça ela é ainda obtenível antes do castigo, para apressar o quanto possível a aurora bendita do Reino de Maria, e para nos ajudar a caminhar no meio das hecatombes que tão gravemente nos ameaçam, o que podemos fazer? Nossa Senhora no-lo indica: o afervoramento na devoção a Ela, a oração, a penitência.

Para estimular-nos à oração, revestindo-Se sucessivamente dos atributos próprios às invocações de Rainha do Santíssimo Rosário, de Mãe Dolorosa e de Nossa Senhora do Carmo, Ela nos indicou quanto Lhe é grato ser conhecida, amada e cultuada por esta forma.

Outrossim, insistiu a Virgem de Fátima de modo muitíssimo especial sobre a devoção ao seu Imaculado Coração. Referiu-se Ela a seu Coração sete vezes nas suas mensagens (e Nosso Senhor, nove).

Assim, o valor teológico, aliás já tão comprovado, da devoção ao Imaculado Coração de Maria, encontra em Fátima uma preciosa e impressionante corroboração. De outro lado, a insistência da Santíssima Virgem prova à evidência a altíssima oportunidade dessa devoção.

Quem toma a sério as revelações de Fátima deve, pois, inscrever o incremento da devoção ao Coração Puríssimo como um dos mais altos desideratos de um sadio aggiornamento da piedade.

ABIM

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Nota da Redação:

*Este artigo foi escrito na década de 1960, daí apresentar um mapa geopolítico diferente daquele dos dias de hoje quanto à Alemanha, mas não em relação ao Vietnã, que continua sob o jugo do comunismo.

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