domingo, 25 de abril de 2021

Desfile da Liberdade juntou no Porto várias centenas de pessoas


Várias centenas de pessoas percorreram hoje várias ruas do Porto, no "Desfile da liberdade", saindo da Avenida Rodrigues de Freitas, junto ao antigo quartel da PIDE, rumo à Avenida dos Aliados, gritando "25 de abril sempre, fascismo nunca mais".

A democracia em Portugal, cumpridos 47 anos da Revolução dos Cravos, terá de vencer vários perigos e cabe às escolas e aos partidos esse papel, disse à Lusa o coronel João Ambrósio, da Associação 25 de abril.

Aspirante da Academia Militar em 25 de abril de 1974, então com 21 anos e um "orgulhoso membro da retaguarda" dos militares que encetaram a revolução, João Ambrósio relatou à Lusa as suas impressões e apontou os caminhos a seguir.

"Como vou dizer na alocução da associação [no final do desfile] existem hoje perigos que a nossa democracia terá de vencer, em que teremos todos de nos unirmos para suprir esses perigos. Dá a impressão de que isto é cíclico, por isso temos de estar atentos e vigilantes", alertou.

A solução, prosseguiu, passa por "os partidos serem mais abertos ao povo" e criarem-se "melhores condições de vida e mais cultura, muita cultura".

Ponto fulcral deste caminho ainda por fazer, segundo o antigo militar, é a capacidade de atrair "os jovens para a política".

"Os jovens hoje sofrem muito com a precariedade no mercado de trabalho, têm dificuldade em arranjar emprego, mas isso não pode ser o motivo para que desistam ou se alheiem da política e da democracia", vincou João Ambrósio, sensível ao facto de as gerações mais recentes desconhecerem o que é viver sob uma ditadura.

Exemplo disso, contou, verificou-se quando ia aos liceus "falar sobre democracia e o 25 de abril", em que experimentava uma "grande dificuldade em transmitir como as pessoas viveram" no tempo do Estado Novo.

Por isso, reiterou, porque os jovens "não viveram no tempo do fascismo e nunca souberam o que era isso, é preciso ter um discurso e uma pedagogia que os traga para a vida política".

"As escolas são muito importantes para que os jovens tenham uma educação cívica e o sentido da liberdade e da democracia. (...) E depois os partidos (...) têm de dar um pouquinho de voz aos jovens", vincou.

Sem dar por isso, o pequeno Paulo contrariou em quase todos os sentidos os temores levantados pelo coronel, saindo à rua trajado à "tropa", como explicou à Lusa a prima Jéssica Monteiro.

"Eu disse-lhe que no dia de hoje, há muitos anos, os tropas vieram para a rua por causa das pessoas e ele respondeu, então quero ir para o meio das pessoas vestido à tropa", contou a familiar entre fotos à criança em pose de continência.

Questionado se estava ali para participar no desfile, a jovem refutou, explicando querer apenas mostrar à criança "porque estavam as pessoas a festejar".

Concluída a conversa, permaneceram mais uns minutos no local, já que o traje militar depressa suscitou a atenção dos presentes que, de telemóvel em punho, quiseram, também, registar o momento.

Antes do desfile, membros do núcleo do Porto da União de Resistência Antifascista fizeram uma intervenção, lembrando aqueles que no edifício atrás sofreram por serem contrários ao regime, seguindo-se a deposição de uma coroa de cravos vermelhos à porta do antigo quartel de PIDE.

As várias centenas de pessoas, entre eles jovens, prosseguiram depois, com tantas máscaras na cara quantos cravos na lapela, rumo à Avenida dos Aliados, onde foram ouvidos os discursos de encerramento, num trajeto que decorreu tal como o previsto pela organização.

Fonte: Lusa

Imagem: CM

Costa evoca conquista do SNS em inauguração do maior Centro de Saúde do país


O primeiro-ministro, António Costa, evocou hoje a conquista de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) público, universal e acessível, com o 25 de Abril de 1974, durante a inauguração do novo Centro de Saúde de Algueirão, o maior do país.

"Tenho a particular satisfação em celebrar o 25 de Abril com a inauguração do maior Centro de Saúde do país. [...] Foi o 25 de Abril que nos permitiu ter o Serviço Nacional de Saúde público, universal, tendencialmente gratuito e acessível a todas e a todos, independentemente de onde vivam ou qual seja a sua situação económica", afirmou António Costa, durante a cerimónia de inauguração daquela unidade de saúde, no concelho de Sintra, que contou também com a presença da ministra da Saúde, Marta Temido, e do presidente da Câmara Municipal de Sintra, Basílio Horta.

O primeiro-ministro lembrou ainda que foi o 25 de Abril de 1974 que tornou possível a adesão à União Europeia (UE), que proporcionou fundos que pagaram 50% do Centro de Saúde hoje inaugurado.

"A União Europeia não é só uma coisa distante que está lá em Bruxelas. Está em todos os 'Algueirões Mem Martins' que existem nos 27 Estados-membros", apontou.

O governante lembrou que o próximo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) prevê verbas para reforço dos equipamentos de diagnóstico neste tipo de unidades de saúde, bem como para as vertentes de saúde oral e mental, para que sejam novas valências do SNS.

Já a ministra da Saúde salientou que estão previstos 466 milhões de euros para alocar à área da saúde nos próximos anos.

"Há ainda portugueses sem equipa de saúde familiar? Há, mas estamos cá para cuidar que isso seja ultrapassado", garantiu a ministra, deixando ainda um agradecimento "muito profundo e sentido" àqueles que "fizeram o 25 de Abril e que lutaram para que aqueles que chegam aos cuidados de saúde não tenham de fazer prova de capacidade financeira para avançar".

Lusa

IPMA coloca 16 distritos sob aviso amarelo até às 21:00 devido a aguaceiros e granizo


O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) alargou o aviso amarelo até às 21:00 de hoje em 16 distritos de Portugal continental devido à previsão de aguaceiros que podem ser fortes, granizo e trovoada.

Bragança e Guarda são os únicos distritos do continente que não estão sob aviso do IPMA, segundo a informação publicada no 'site' do instituto.

Os restantes 16 distritos estão sob aviso amarelo desde as 11:00 de hoje, que se prolonga até às 21:00 devido à previsão de "aguaceiros, que localmente podem ser fortes, de granizo e acompanhados de trovoada", refere o Instituto Português do Mar e da Atmosfera.

A Costa norte do arquipélago da Madeira também está sob este alerta até às 00:00 de segunda-feira devido à forte agitação marítima, com ondas de noroeste com 4 a 4,5 metros.

O aviso amarelo é o terceiro mais grave da escala e significa que existem riscos para determinadas atividades.

Segundo informação da Autoridade Marítima Nacional (AMN), quatro barras marítimas estão hoje fechadas a toda a navegação e duas condicionadas, devido à previsão de forte agitação marítima.

A AMN refere que se encontram fechadas à navegação as barras de Vila Praia de Âncora, Esposende, Vila do Conde e Portinho da Ericeira.

A barra da Póvoa de Varzim está condicionada embarcações de calado superior a dois metros que apenas devem praticar a barra no período compreendido entre duas horas antes e até duas horas após a preia-mar.

Já a barra da Figueira da Foz está condicionada a embarcações de comprimento inferior a 11 metros.

Rio centra-se na Justiça e pede “vontade política e ambição” para realizar reformas


O presidente do PSD centrou hoje a sua intervenção na sessão solene do 25 de Abril na Justiça, pedindo "vontade política e ambição" para fazer as reformas necessárias ao país e apontar caminhos a "um regime doente".

Perante o parlamento, o presidente do PSD começou por fazer um diagnóstico sobre a forma como se chegou aos 47 anos de Abril, considerando não ser de estranhar que "Portugal celebre hoje o nascimento do regime num clima de algum descontentamento e algum descrédito".

"Se a sociedade muda a grande velocidade, é imperioso que os regimes políticos estejam, também eles, capazes de se adaptar às novas realidades", referiu.

Num discurso que tem repetido, até antes de ser líder do PSD, Rio defendeu que, quando as reformas exigidas pelas mutações sociais não se fazem, "é inevitável o aparecimento de um fosso entre a sua fraca capacidade de resposta e as legitimas aspirações do povo que é suposto servir".

"Não será, pois, de admirar o crescente divórcio entre os cidadãos e o atual estado do nosso regime que, apesar das virtualidades que em si mesmo encerra, não tem sido capaz de se regenerar e de desenquistar os interesses que o tempo foi instalando", reiterou.

Para Rio, "tem faltado vontade política e ambição para se realizarem, com a necessária coragem, as reformas que a realidade reclama e a prudência aconselha".

"Se essas reformas não forem feitas, não será, seguramente, com 'cordões sanitários', nem com artigos de opinião radicais, que venceremos os extremismos emergentes", disse, numa referência implícita ao partido Chega.

Rui Rio apontou então "a falta de eficácia" do sistema de Justiça como "uma das principais razões do descontentamento do povo português".

"Quando se ouve o politicamente correto dizer que 'isto é a Justiça a funcionar, é por demais evidente que o povo, que sabe bem que isto é a Justiça a não funcionar', só se pode revoltar contra o domínio da hipocrisia sobre a verdade e a coragem", avisou.

O presidente do PSD apontou "as permanentes violações do segredo de justiça, a incapacidade de punir a corrupção e o crime de colarinho branco que tem arruinado as finanças públicas e as poupanças de muitas famílias ou as investigações-espetáculo que amesquinham os direitos humanos e promovem julgamentos populares" como "exemplos lapidares de como o regime está doente e divorciado dos seus próprios princípios".

"Infelizmente, grassa hoje entre nós um claro sentimento de impunidade, seja relativamente aos mais poderosos, seja no que concerne ao próprio sistema judicial, que se autogoverna com evidente défice de transparência", criticou.

E sobre a morosidade da justiça acrescentou: "Quando a Justiça não é feita em tempo útil, pura e simplesmente, não é Justiça"

"Se o atual sistema judicial já demonstrou não estar capaz de se libertar do tique corporativista e de se atualizar, para conseguir responder aos justos anseios do povo português, então é evidente que a responsabilidade por o conseguir tem de passar pela esfera do poder político - que, ao não o fazer, passa a ser, ele próprio, igualmente responsável", defendeu, lembrando que o PSD tem, desde 2018, disponibilidade para esse compromisso, mesmo podendo ser considerado "oposição de fraca envergadura".

Além da justiça, Rio deixou exemplos de outras reformas que considera essenciais ao país, como a modernização do sistema político, a descentralização e o combate às assimetrias regionais ou a própria sustentabilidade da segurança social.

Celebrar o 25 de Abril tem de ser, antes do mais, defender a democracia, identificando as suas fragilidades e apontado caminhos para o seu fortalecimento. Mais do que repetir palavras que já nada acrescentam, a evocação do 25 de Abril deve ser um contributo realista para rasgar horizontes e dar esperança aos portugueses", defendeu, num discurso aplaudido de pé pela sua bancada sem uma única referência à pandemia de covid-19.

Lusa

IL critica “esquerda sectária” e diz que portugueses desconfiam da liberdade


A Iniciativa Liberal considerou hoje que "cada vez mais portugueses estão descrentes na democracia e desconfiam da liberdade", sentindo que o "sistema lhes está a falhar", acusando a "esquerda sectária" de se achar dona do 25 de Abril.

Na sessão solene comemorativa do 47.º aniversário do 25 de Abril de 1974, que decorre esta manhã no parlamento, de novo em formato reduzido devido à pandemia, o deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, afirmou, mais do que uma vez, que os liberais estarão esta tarde na Avenida da Liberdade para celebrar esta data, depois de uma semana de polémica com a comissão promotora do desfile.

"Queremos celebrar uma data da qual ninguém se pode apropriar. A esquerda sectária, do alto da sua arrogância moral e intelectual, acha que é dona do 25 de Abril. E a direita ambígua permite-o por falta de comparência. A iniciativa Liberal diz presente", enfatizou, referindo-se ao desfile próprio que os liberais vão manter.

Na perspetiva dos liberais, "cada vez mais portugueses estão descrentes na democracia e desconfiam da liberdade" e "têm razão", desde os mais pobres aos mais jovens.

"Portugueses de todas as idades sentem que o sistema lhes está a falhar. Têm razão. Ninguém é responsabilizado por atos de incompetência, negligência ou compadrio, enquanto a justiça é lenta e parece estar sempre ao lado dos poderosos", condenou.

João Cotrim Figueiredo apontou ainda o dedo aos "partidos do costume" que "repartem entre si pequenos e grandes poderes" e aos problemas no acesso universal à saúde e à educação.

"Têm razão. Há milhares de milhões para enterrar na TAP, mas aqui d'El-Rei que não há dinheiro quando se trata das funções essenciais do Estado ou de baixar o nível recorde de impostos", criticou.

Voltando no final do discurso ao desfile na Avenida na Liberdade, o também presidente do partido liberal considerou "não podia haver maior contraste entre a alegria, a exigência e a abertura dos liberais e a tristeza, a resignação e a exclusão da esquerda sectária".

"Os liberais com os olhos no futuro, a esquerda sectária agarrada ao passado. Logo à tarde, os liberais vão estar na Avenida da Liberdade a celebrar o 25 de Abril com os olhos postos no futuro de um Portugal melhor", enfatizou.

Lusa

PEV quer “colorir” o país com o que “ficou por fazer”


A deputada dos Verdes Mariana Silva citou hoje o poeta Jorge de Sena para lembrar "a cor" da liberdade e pediu que se continue "a colorir" Portugal com o que "ficou por fazer" na justiça, na saúde.

Na sessão comemorativa, no parlamento, dos 47 anos do 25 de Abril de 1974, que devolveu a liberdade e a democracia, a deputada do Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV) começou por citar o poema "A Cor da Liberdade", de Jorge de Sena (1919-1978), que começa com os versos "Não hei-de morrer sem saber/ qual a cor da liberdade".

De seguida, afirmou que Abril, dos capitães da Revolução dos Cravos, é sinónimo "de cor, de alegria, de festa, de paz" pelo "fim do cinzentismo, do silêncio, da mordaça, da fome, da ignorância", que representou a ditadura de Salazar e Caetano.

"É preciso continuar a colorir o futuro, com tudo o que ainda ficou por fazer", pediu, para logo a seguir dar os exemplos em áreas em que os Verdes tem vindo a insistir, da saúde ao ambiente, dos transportes à justiça.

É preciso, afirmou, continuar "a colorir os dias das crianças e jovens, que viram as suas brincadeiras, aprendizagens e desenvolvimento interrompidos", numa referência aos problemas nas escolas, afetadas pela pandemia de covid-19, que não mencionou.

Depois, em mais uma referência implícita à crise epidémica, disse ser preciso continuar "a colorir os dias com um Serviço Nacional de Saúde robusto, eficiente, com o acesso aos cuidados primários em todo o território, com mais profissionais a quem mais uma vez agradecemos a entrega, o esforço e a eficiência".

Ou ainda "colorir os dias" com" mais e melhor mobilidade", com mais comboios, "mais e melhores transportes públicos, a preços acessíveis, sem barreiras arquitetónicas e "com o respeito pelos direitos dos trabalhadores", contra os despedimentos.

Ou ainda, enumerou Mariana Silva, colorindo os dias "garantindo o direito à justiça, dotando-a de mais meios humanos e técnicos, tornando-a acessível a todos combatendo a corrupção, e respondendo a todos os que justamente clamam pela criminalização do enriquecimento ilícito ou injustificado".

"Cumprir as cores de Abril significa proteger a biodiversidade, trabalhar na mitigação das alterações climáticas, defender os territórios dos apetites económicos, que apenas pretendem explorar os recursos naturais, sem respeito pelas populações que há séculos os conservam, são seus guardiões e que da natureza apenas retiram o que ela lhes dá, com o suor dos dias", disse.

Antes de terminar o discurso, Mariana Silva fez ainda a defesa da Constituição, saída do parlamento escolhido pela primeira vez em eleições livres em 1975, pela importância que dá aos "valores da proteção e justiça social", incluindo os direitos ambientais.

E depois de dizer "fascismo nunca mais", a deputada dos Verdes finalizou citando, uma vez mais, Jorge de Sena que, no seu poema, dava "voz a todas as vozes que reclamavam a urgência de se superar esse sistema caduco que nos oprimia e envergonhava enquanto povo".

Lusa

Ventura diz que devia ser celebrado “luto da democracia”


O deputado único do Chega, André Ventura, considerou hoje que, 47 anos depois da Revolução dos Cravos, Portugal é um "país de contradições" e defendeu que hoje deveria ser celebrado "o luto da democracia".

"Hoje, os cravos vermelhos deviam ser substituídos por cravos pretos porque é o luto da nossa democracia que hoje devíamos estar a celebrar", afirmou, na sua intervenção na 47.ª sessão solene comemorativa do 25 de Abril no parlamento, assinalando que "daqui a duas horas o país fechará todo", numa referência às medidas de combate à pandemia.

De seguida, André Ventura criticou que, enquanto na Assembleia da República "os portugueses veem celebrar a liberdade, veem os seus negócios e as suas vidas" encerradas "por um Governo sem critério, medidas com absurdo e sem qualquer sentido para aqueles que estão a sofrer".

O presidente do Chega defendeu igualmente que "nos 47 anos de Abril" Portugal é "um país de enormes contradições", advogando ser necessária "outra revolução".

Lusa

Álbuns de José Afonso lançados entre 1968 e 1981 vão ser reeditados


Os 11 álbuns de José Afonso lançados originalmente entre 1968 e 1981 vão ser reeditados, anunciou hoje a família do músico, que vai avançar para o projeto em parceria com a editora Lusitanian Music.
Num comunicado enviado à agência Lusa, a família de José Afonso revelou que, "neste 25 de Abril, o lançamento digital do 'single' 'Coro da Primavera' marca o regresso às edições discográficas da obra de José Afonso".

"A família de José Afonso decidiu, em parceria com a editora Lusitanian Music, avançar com a edição dos 11 álbuns de José Afonso originalmente editados entre 1968 e 1981 mas indisponíveis há vários anos, assumindo a importância cultural de disponibilizar esta música ao mundo", pode ler-se no texto.

José Afonso lançou em 1968 o seu disco de estreia na editora Orfeu, de Arnaldo Trindade, sob o título "Cantares do Andarilho", que incluía temas como "Natal dos Simples" e "Vejam Bem".

Até 1981, editou uma série de álbuns que se tornaram marcos da música portuguesa, desde "Contos Velhos Rumos Novos" (1969) a "Fados de Coimbra e Outras Canções" (1981), passando por "Traz Outro Amigo Também" (1970), "Cantigas do Maio" (1971), "Eu Vou Ser Como a Toupeira" (1972), "Venham Mais Cinco" (1973), "Coro dos Tribunais" (1974), "Com as Minhas Tamanquinhas" (1976), "Enquanto há Força" (1978) e "Fura Fura" (1979).

Segundo o mesmo comunicado, "o projeto prevê uma sequência de edições, nos formatos clássicos (CD e vinil) e no ecossistema digital, lançadas sob um novo selo, agora criado pela Lusitanian para divulgar esta obra única no panorama da música nacional e internacional".

As novidades sobre o projeto serão disponibilizadas "em data a anunciar brevemente", através do 'site' http://www.joseafonso.net.

Os 11 discos já haviam sido alvo de reedição pela Orfeu, entre 2012 e 2013, para assinalar os 25 anos da morte do compositor.

Na altura, os 11 álbuns foram restaurados e remasterizados digitalmente pelo engenheiro de som António Pinheiro da Silva, e a edição contava com novos textos que contextualizam o momento em que foram feitos, no percurso de José Afonso.

Em setembro do ano passado, a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) abriu o processo de classificação da obra fonográfica do músico José Afonso por considerar que representa "valor cultural de significado para a Nação".

De acordo com o anúncio então publicado em Diário da República, foi determinada a abertura do procedimento de classificação de um conjunto de 30 fonogramas da autoria do compositor e intérprete José Afonso, bem como de 18 cópias digitais de 'masters' de produção de um conjunto de cassetes gravadas pelo autor e de um conjunto de entrevistas.

Esta foi a primeira vez que a DGPC iniciou um processo de classificação de uma obra fonográfica, revelou o Ministério da Cultura, acrescentando que ajudará a "consolidar informação relativa à obra gravada, publicada ou não, do artista".

A decisão surgiu um ano depois de o parlamento ter aprovado um projeto de resolução do Partido Comunista Português (PCP) que recomendava ao Governo a classificação da obra de José Afonso como de interesse nacional, com vista à sua reedição e divulgação.

Há um ano, também a Associação José Afonso (AJA) reuniu mais de 11 mil assinaturas numa petição pública que apelava à mesma decisão.

Na altura, em nota divulgada à Lusa, a família de José Afonso, detentora dos direitos da obra musical, manifestava o apoio à classificação da obra e recordava que estava a "colaborar diretamente com o Ministério da Cultura, desde 2018", para que se desenvolvesse o processo.

Ainda em 2019, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, afirmava publicamente que não foi por falta de vontade que o processo de classificação não se iniciou mais cedo, mas porque não existia acesso às 'masters' e ao conteúdo das gravações originais de José Afonso.

Quando foi lançada a petição de pedido de salvaguarda, o presidente da AJA, Francisco Fanhais, explicava que se estava perante "um imbróglio jurídico", porque a Movieplay, a editora que detém os direitos comerciais da obra de José Afonso, estava "em situação de insolvência" e não se sabia "do paradeiro dos 'masters' das músicas gravadas pelo Zeca Afonso", comprometendo a sua reedição.

José Afonso nasceu em 02 de agosto de 1929 em Aveiro e começou a cantar enquanto estudante em Coimbra, tendo gravado os primeiros discos no início dos anos 1950 com fados de Coimbra, pela Alvorada, "dos quais não existem hoje exemplares", refere a AJA na biografia oficial do músico.

Autor de "Grândola, Vila Morena", uma das canções escolhidas para senha do avanço das tropas, na Revolução de Abril de 1974, que hoje assinala 47 anos, José Afonso morreu em 23 de fevereiro de 1987, em Setúbal, de esclerose lateral amiotrófica, diagnosticada cinco anos antes.

Lusa

Após um ano sem desfile, este ano a Avenida da Liberdade terá dois


O desfile que celebra o 25 de Abril de 1974 regressa hoje à Avenida da Liberdade, em Lisboa, mas pela primeira vez não será o único, depois de uma polémica que levou a Iniciativa Liberal a organizar uma iniciativa autónoma.

A discórdia instaurou-se depois de a comissão promotora do desfile que assinala a Revolução dos Cravos ter negado a participação da Iniciativa Liberal e do Volt Portugal no evento, decisão defendida pelo contexto pandémico, mas que gerou polémica, levando posteriormente à abertura da celebração a todos os interessados, desde que cumpridas as regras sanitárias.

A comissão esclareceu que a opção de realizar este ano, "não uma manifestação popular", mas "um desfile comemorativo, com grande limitação do número de participantes", teve como objetivo garantir o cumprimento das medidas e recomendações de saúde pública e "nunca, qualquer sentimento de sectarismo ideológico".

No entanto, a Iniciativa Liberal, que já tinha anunciado a sua intenção de realizar um desfile próprio antes da abertura por parte dos organizadores, manteve a sua decisão, considerando que a mudança de posição da comissão foi "tardia" e só surgiu porque a decisão "sectária" inicial foi fortemente criticada.

Assim, após a interrupção no ano passado, por causa da epidemia da covid-19, a Avenida da Liberdade volta este domingo, a partir das 15h00, a receber cravos vermelhos, símbolo da revolução de 25 de Abril de 1974.

A comissão promotora do desfile tradicional, composta por mais de 40 entidades, entre elas os partidos de esquerda e as centrais sindicais, teve que diminuir o número de pessoas e impor algumas regras aos participantes que não fazem parte da organização, acordadas com a Direção-Geral da Saúde (DGS), numa altura em que o país ainda se encontra em estado de emergência até ao final do mês.

Entre as regras a cumprir, está o limite de doze pessoas por cada organização, formando "duas filas de seis, separadas de dois metros", o registo autorizado de todos os participantes (para facilitar o trabalho das autoridades de saúde na eventualidade de surgir algum surto) e as já habituais máscaras e desinfetantes.

Todas as entidades com intenção de participar no desfile tiveram ainda de subscrever o apelo à participação difundido pela organização, no qual a comissão ressalva que "não se faz apelo à alargada participação popular", devido à pandemia, convidando os cidadãos a cantar a "Grândola Vila Morena" à janela, seguida do Hino Nacional, como no ano passado, desta vez pelas 18:00 (hora da rendição de Marcelo Caetano em 1974).

O texto, assinado por todas as organizações que constituem a comissão, defende que para "cumprir Abril" é preciso impedir que sejam os trabalhadores as principais vítimas da pandemia, esperando que não haja um recuo "na reposição e aumento de rendimentos e salários, na estabilidade laboral, no reforço dos serviços públicos", terminando com uma crítica ao ressurgimento da extrema-direita em Portugal.

O desfile termina este ano na Praça dos Restauradores e depois, as duas viaturas Chaimite que nele participam, iniciam um percurso por Lisboa, passando por alguns dos principais lugares simbólicos dos acontecimentos ocorridos no dia 25 de Abril de 1974, entre eles, a Praça do Comércio, o Largo do Carmo ou a Rua António Maria Cardoso (onde estava sediada a PIDE).

Quanto ao evento organizado à margem pela Iniciativa Liberal, tem ponto de encontro marcado para as 14:00 na Praça do Duque de Saldanha e terá também início pelas 15:00, em direção na Rotunda do Marquês de Pombal, para depois descer e subir a Avenida da Liberdade.

Antes destas celebrações, pelas 10:00, a Assembleia da República vai repetir este ano, na sessão solene comemorativa do 47º aniversário do 25 de Abril de 1974, o modelo restritivo de presenças que foi adotado no passado por causa da epidemia de covid-19, sendo esperadas pouco mais de cem pessoas na Sala de Sessões, entre deputados, convidados e comunicação social.

Em 25 de abril de 1974, um movimento de capitães derrubou a ditadura de 48 anos, de Marcelo Caetano, chefe do Governo, e Américo Tomás, Presidente da República, um golpe que se transformou numa revolução, a "revolução dos cravos".

Lusa

TERESINHA SETÚBAL — Adolescente paulista morta em odor de santidade

 


Aceitação do sofrimento e conquista da felicidade em união com o Menino Jesus

  • Plinio Maria Solimeo

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 844, abril/2021*

Às 10 horas da manhã do dia 31 de outubro de 1938 falecia em São Paulo uma adolescente de 14 anos. Fato que seria sem importância transcendental se Maria Teresa — ou Teresinha, como era chamada — não tivesse morrido em odor de santidade. Era filha do famoso advogado, jornalista, ensaísta, poeta e romancista Paulo Setúbal, membro da Academia Brasileira de Letras.

Os surpreendentes fatos da vida desta menina permaneceram desconhecidos do público por mais de 70 anos, considerados como “segredo da família Setúbal”. Por uma feliz série de coincidências, chegou às minhas mãos uma cópia das anotações sobre Teresinha, feitas por sua mãe por expressa determinação do seu confessor, Cônego José de Melo. A família concedeu-me licença para revelar o seu conteúdo.

Completando na própria carne o que falta aos sofrimentos de Cristo

         Depois que Nosso Senhor padeceu e morreu na cruz para nos salvar, nada há de mais precioso no mundo que sua cruz. E isso com tudo o que ela significa de sofrimentos e tribulações. Pois Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16, 24).

Por isso os santos consideram o sofrimento como um ‘oitavo sacramento’. Aceito com espírito sobrenatural, ele nos une a Nosso Senhor e ao que Ele sofreu por nós, como diz São Paulo: “Completo em minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo, pelo seu corpo, que é a Igreja” (Cl 1, 24). Quer dizer, “Cristo, portanto, deve ainda sofrer nos seus membros, no seu Corpo místico; e enquanto este não tiver alcançado a medida dos sofrimentos fixados por Deus, pode-se dizer que ainda falta alguma coisa à Paixão de Cristo”.[1]

O nosso mundo ateizado e amante dos prazeres não o compreende, e tem verdadeiro horror ao sofrimento. Pois, como diz ainda São Paulo, “a linguagem da cruz é loucura para os que se perdem; mas, para os que foram salvos, para nós, é uma força divina” (1 Cor 1, 18). Por isso, acrescenta: “Quanto a mim, não pretendo jamais me gloriar, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gl 6, 14), porque “tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada” (Rm 8, 18).

         É por essa razão que Deus Nosso Senhor suscita em todas as épocas almas que se oferecem ao Eterno Pai como vítimas expiatórias, para associar seus sofrimentos aos de Cristo Jesus, por sua Igreja. Só assim se pode compreender que tantas almas inocentes sofram tanto nesta terra, aparentemente sem nenhum motivo.

         Teresinha Setúbal foi uma dessas almas de escol. E apenas sob este prisma podemos entender a razão dos sofrimentos inauditos e da “paixão” dolorosa dessa adolescente, falecida com tão pouca idade.

Ardente apologia da Fé e da Pureza

         Paulo Setúbal nasceu em Tatuí, no interior de São Paulo, no dia 1º de janeiro de 1893. Órfão de pai aos quatro anos, fez seus primeiros estudos em sua cidade natal. Mudando-se para São Paulo, cursou o ginasial no Colégio Nossa Senhora do Carmo, dos Irmãos Maristas. Em sua adolescência recebeu as más influências dos colegas de seu irmão mais velho, ateus e debochados. Assim desencaminhou-se e perdeu a fé.

         Depois de várias vicissitudes, casou-se com a virtuosa Da. Francisca de Sousa Aranha, com quem teve três filhos: Maria Vicentina, Olavo Egídio e Maria Teresa. A caçula nasceu no dia 23 de abril de 1924, em São Paulo. Da. Francisca foi o instrumento de que a Divina Providência se serviu para trazer o célebre escritor de volta à Igreja. Paulo Setúbal faleceu prematuramente aos 44 anos, de tuberculose, no dia 4 de maio de 1937. Escrevia então a história de sua conversão, que não pôde concluir.

Sobre Confiteor, livro póstumo do grande escritor, disse o eminente líder católico Plinio Corrêa de Oliveira:

“O livro de Paulo Setúbal é muito mais do que o histórico de uma alma, ou até mesmo de uma geração. Ele é a própria história viva e empolgante do drama espiritual do Brasil contemporâneo. Todos aqueles que têm qualquer parcela de responsabilidade pelos destinos do Brasil — pais de família, professores, sociólogos, estadistas — deveriam ler a extraordinária experiência íntima de Paulo Setúbal. Através de suas páginas de sangue, não é apenas um homem que chora e que sofre. Confiteor é o grito lancinante de gerações inteiras que foram desviadas de Deus: o grito não apenas da geração de Paulo Setúbal, mas de todas as outras que se lhe têm seguido até aqui, e ainda de algumas outras que virão. […] Confiteor é a ardente apologia da Fé e da Pureza que ele lança, do fundo da sepultura, mas também do alto da glória dos justos, à mocidade de sua terra”.[2]

Aos cinco anos, resolução de “dar-se ao Menino Jesus”

         Teresinha mostrou-se desde muito cedo inclinada à virtude.

         Da. Francisca afirma: “Fomos para com ela muito severos; mas ela respondia sempre com a maior generosidade, e quanto mais se pedia, mais ela dava”.[3] Isso porque a menina “soube sempre se dominar. Só mais tarde é que compreendi como tudo lhe tinha custado. Tinha a sua força de vontade, a sua energia, ao lado da maior doçura e meiguice. Tudo dela se obtinha pela obediência. Não me lembro de uma só falta sua. […] Nunca, nenhum dever a fez recuar. Ela compreendia perfeitamente o que era o dever, e nunca hesitou diante de um sacrifício”.

         É de se notar que Teresinha nunca falava das graças sobrenaturais de que era objeto. Mas recebeu do Menino Jesus ordem de comunicá-las à mãe. Só a ela e ao confessor Teresinha abria sua alma.

Quando Teresinha tinha por volta de cinco anos, a família mudou-se para a Suíça por um ano. Aprendeu então com facilidade o francês e o alemão. Foi na Suíça que ela, apesar da pouca idade, fez a resolução “de se dar ao Menino Jesus”.

Por essa época ela começou também a se preocupar com o pai e com a mãe, conforme confidência feita mais tarde à mãe: “Fiquei tão triste vendo que Papai e Mamãe não queriam o Menino Jesus como eu imaginava [que deveria ser], e desde então essa foi a minha grande preocupação. Papai, só depois que ele se foi é que fiquei sossegada. [Na época] sofri muito, Mamãe, pois eu não podia falar com ninguém. Quem poderia me compreender naquele tempo?”. Lembremos que Teresinha tinha na ocasião apenas cinco anos de idade.

Pelo episódio do romance com partes imorais, que Paulo Setúbal queria publicar (veremos depois alguns pormenores), constata-se que sua conversão não tinha sido ainda completa, o que justifica os receios de sua filhinha.

Senti o Céu dentro do meu coração

         Aos sete anos Teresinha começou seus estudos em casa. Com a maior facilidade aprendeu a ler e a escrever. No dia 28 de agosto de 1932, aos oito anos de idade, fez a Primeira Comunhão: “Foi o dia da ‘minha felicidade’. Eu senti o Céu dentro do meu coração, entreguei-me ao Menino Jesus, e compreendi tudo”. Por “tudo”, como explicou depois à mãe, estava o desejo de ser missionária, a consideração dos sofrimentos que teria como partilha, e a convicção de que morreria jovem.

Teresinha teve a felicidade de ver o pai comungar também nesse dia, mas comenta que isso ainda não era tudo o que ela queria.

         Como presente de Primeira Comunhão, Paulo Setúbal lhe deu um livrinho de orações, no qual escreveu: “Teresa: O dia de hoje, minha filhinha, é o dia de ouro de tua vida. Mais tarde, quando fores moça, hás de ter outros dias belos e grandes. Nenhum, porém, tão puro como este, nenhum tão comovedor, nenhum tão santo. Guarda-o, pois, no coração, com carinho e amor. E que Deus te proteja”. Nestas poucas palavras, destaque-se a exímia pena do escritor!

         Teresinha queria, a partir de então, comungar todos os dias. Mas a mãe só o permitiu uma vez por mês. A menina comenta: “Fiquei tristíssima. Não disse nada, mas pedi [ao Menino Jesus]: ‘Faça, meu Jesus, que essa Comunhão seja como se eu comungasse todos os dias’. E foi sempre assim. Eu queria comungar para ter a felicidade de receber Jesus. Mas eu O sentia sempre comigo. Era igual”.

Tudo regulado pelo Menino Jesus

Da. Francisca de Sousa Aranha, mãe de Teresinha.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021
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         O período dos oito aos doze anos foi para Teresinha de muita luta. Mas também de muitas bênçãos, pois o Menino Jesus estava continuamente ao seu lado. Dirá ela: “Desde manhã até a noite, tudo era regulado por Ele. Tive muitas lutas, o meu temperamento não queria obedecer, tinha vontade de fazer a minha vontade. Lutei muito, mas sempre fiz o que Ele queria. Ele estava sempre juntinho a mim […]. Tudo, minha mamãezinha, tudo, até as mais pequeninas coisas eram reguladas por Ele. Estávamos sempre os dois juntinhos. […] Nunca, nunca desobedeci, mesmo nas menores coisas; nas mais pequeninas coisas fiz sempre a vontade do Menino Jesus”.

         Em seu amor pelos membros padecentes de Cristo, aprendeu logo a tricotar e costurar, a fim de fazer roupinhas para as crianças pobres. Afirma a mãe: “O dia inteiro passava com um trabalho na mão. Não me lembro de a ter visto desocupada”.

         Um dia em que Teresinha estava acamada, e sua mãe lhe fazia companhia, esta teve de sair a chamado do pai. Com toda a naturalidade, Teresinha contou depois: “Fiquei muito triste de ficar sozinha, Mamãe, quando senti que Nossa Senhora sentou-se no seu lugar. Ela pegou minha cabeça, pôs no colo, e eu dormi”. Essa é a primeira, mas não a única vez, que a Mãe de Deus a visita e consola.

         Conta sua mãe que em maio de 1936 “começaram as dores de cabeça que a faziam sofrer muito. Dores contínuas, que duraram até a ocasião de sua moléstia, isto é, por mais de um ano. Mas ela não se queixava, e a sua vida era a mesma”. Nesse mês de sofrimento, no qual não pôde comungar, Teresinha viu muitas vezes na hóstia, durante a Elevação da Missa, Jesus coroado de espinhos.

Papai precisa rasgar o livro que está escrevendo

         Há um comovente episódio que Paulo Setúbal narra com emoção no capítulo segundo de seu Confiteor.[4] Pressionado pelo editor para apresentar um novo livro, ele pegou em seus guardados o manuscrito de um romance escrito provavelmente antes de sua conversão, reviu-o e o deu à sua esposa para datilografar. Esta logo observou que não ficava bem a ele, uma vez que estava praticando a religião, publicar tal romance.

O escritor falou então com um sacerdote, que também foi contrário à publicação. Mas depois Setúbal determinou-se a entregar os originais ao editor, pensando: “Ser católico é uma coisa, e ser carola é outra”. Indo visitar Teresinha, que estava acamada, esta lhe disse à queima-roupa: “Eu queria que Papai rasgasse aquele livro que Papai está escrevendo”.

         Comenta Setúbal: “Meu coração bateu descompassado no peito. Olhei a menina com olhos regurgitados de assombro. E não era para menos. Eu podia esperar tudo da minha filha, tudo, mas não podia esperar, jamais, ouvir da sua boca de criança, descuidosa e cândida, um pedido tão sério e tão estonteante como aquele. Eu tive, naquele minuto, a sensação viva, a sensação absolutamente nítida, de que ali, na cama, naquela frágil enferma que me falava com a sua voz de mel, não estava mais a minha pequerrucha, aquela que eu amava com tão desbordante e tão cálida ternura: estava ali, isso sim, falando pela boca inocente de minha filhinha, um anjo do Senhor, um anjo loiro, um anjo fino e leve que, mandado pelo Céu, viera, com a força da sua ingenuidade, ajudar o homem novo, ainda tão fraco em mim, a vencer aquele poderoso homem velho que campeava ovante dentro do meu ser”.

         O mais impressionante, como revela Setúbal, é que a menina nada sabia sobre o romance, nem sequer o tinha visto ou lido. Tivera, portanto, uma revelação sobrenatural.

         Vendo o pai titubear, Teresinha fez-lhe uma proposta: “Papai me dá todos os anos um presente de Natal, não é? O presente de Natal, Papai bem sabe, é o presente de que eu mais gosto na minha vida. Pois bem: neste ano, como presente de Natal, Papai vai fazer o que eu pedi”.

         Resumindo as belas páginas do Confiteor: Paulo Setúbal foi buscar os originais do livro, e juntamente com a filha o desfizeram em mil pedaços. No Natal desse ano deu à filha uma bomboneira comum, na qual tinha colocado as cinzas do romance queimado. Teresinha “compreendeu imediatamente. Olhou-me com um olhar fulgurante. Olhar em que fuzilava a chispa a mais eloquente. Mas não disse palavra. Acercou-se apenas de mim, beijou-me e, trêmula, abraçou-me com um abraço apertado”. Para uma criança dessa idade (Teresinha devia ter então 10 anos) isso não ocorre sem uma grande virtude.

Consagre-se inteiramente à minha Mãe

No dia da Primeira Comunhão, junto com a sua irmã Maria Vicentina e seu pai

         No fim de 1936, Nosso Senhor disse a Teresinha: “Quero que te dês e consagres inteiramente à minha boa e querida Mãe, a fim de que Ela te purifique, santifique, e te traga a mim”. Sem saber como deveria fazê-lo, aguardou até o Pe. Melo ir à sua casa para visitar seu pai. Sabendo que Teresinha estava doente, foi vê-la. E na conversa recomendou-lhe que lesse o Tratado da Verdadeira Devoção a Nossa Senhora, de São Luís Grignion de Montfort (que ainda não havia sido canonizado). Teresinha leu o livro diversas vezes, com muito cuidado. E no dia 3 de novembro de 1937 fez a sua consagração a Nossa Senhora como escrava de amor.

         Em janeiro de 1937 o Menino Jesus disse a Teresinha que esse ano seria para ela de grandes sofrimentos. A menina comentou com a mãe: “E eu, que tinha achado 1936 tão difícil”. Em abril o pai ficou doente, vindo a falecer prematuramente no dia 4 de maio de 1937. Foi um golpe terrível para a menina.

Missionária através do sofrimento

         Achando-a tão piedosa, a mãe quis ensinar-lhe a fazer meditação, e deu-lhe para isso um livro com um método. Teresinha não conseguiu segui-lo. E explicou à mãe que não lhe era possível limitar sua meditação aos quinze minutos diários, como a mãe lhe recomendava, pois passava o dia inteiro meditando.

         Acamada em outubro de 1937, ela recebeu a Comunhão na sala em que costumava passar o dia deitada. Nesse momento, olhando o crucifixo da parede, só viu do Crucificado a cabeça coroada de espinhos. Começaram então novamente para ela as terríveis dores de cabeça, tão fortes que nenhum analgésico, nenhuma injeção sedativa conseguia aplacar.

         O Menino Jesus apareceu-lhe então: “Ele me perguntou se eu queria sofrer ainda mais. Eu disse que sim. Mamãe, se a senhora soubesse como sou feliz, […] por dentro é felicidade. Às vezes, é muito raro, fico um pouco cansada. Imediatamente Jesus me diz: Coragem, confiança!”.

         Devido às pungentes dores, ela passava as noites sem conseguir dormir. Só dormia por obediência, quando a mãe lhe dava ordem de dormir, e então ela obtinha do Menino Jesus autorização para o sono necessário.

         Apesar de saber que iria morrer cedo, Teresinha tinha tanto anseio em trabalhar pela salvação das almas, que às vezes lhe vinha a vontade de ser curada. Assim, um dia perguntou à mãe se, no caso de sarar, ela a autorizaria a ser missionária. Queria ser Missionária de Maria Imaculada, e ir para as Índias cuidar dos leprosos.

         Fez a mãe prometer que nunca a mandaria chamar, nem nunca iria visitá-la, para que seu sacrifício fosse mais completo. Entretanto o Menino Jesus “prometeu-me que eu não seria missionária na Terra, mas me faria missionária do Céu”. A mãe lhe perguntou: “Quando Jesus te prometeu, ficaste alegre, filhinha?”. Ela respondeu: “Não, Mamãe. Eu vi que não podia sofrer nas Missões. E eu queria sofrer, sofrer muito […] muito”.

Enfant gâtée’ do Menino Jesus

Teresinha com seu pai e seus dois irmãos Olavo Egídio e Maria Vicentina

         Teresinha oferecia muito dos seus sofrimentos pela conversão dos médicos, que no entanto muito a faziam sofrer. Dizia que eles eram “meus pagãos”. Um dia pediu à mãe que rezasse muito por um deles, que no momento estaria numa grande luta, e precisava de orações. Esse médico estava na Europa, e ela nada poderia saber sobre isso, a não ser por uma comunicação sobrenatural.

         A missão reparadora de Teresinha deveria estender-se até o fim de sua curta vida. No dia de Natal de 1937, ela disse à mãe: “Se eu quisesse, Ele [o Menino Jesus] me levaria [para o Céu]. Mas Ele preferia que eu sofresse mais por alguém ou alguma coisa, e fizesse alguns servicinhos ainda”.

         Um dia em que Teresinha sofria de maneira mais especial, a mãe lhe enxugou com um lenço algumas lágrimas de dor. Ela lhe disse então: “Guarde esse lencinho, mãezinha. A senhora ainda um dia terá com ele grande consolação”.

         Outro dia em que as dores de cabeça eram mais cruciantes, ela comentou com a mãe, com um sorriso: “Eu sou um ‘enfant gâtée’ [menina mimada]do Menino Jesus. Até estou ficando mal habituada. Ele faz tudo o que quero. Ele me disse hoje que me quer muito, muito bem”.

         Os sofrimentos continuavam terríveis. Os médicos resolveram fazer punções, uma na espinha, outra na cabeça. Teresinha sofreu tudo com muita serenidade, agradecendo aos médicos o trabalho que estavam tendo. Sobre essas dolorosas punções, ela comentou com a mãe:

         “O Dr. X não largou a minha mão. Se Papai estivesse ao meu lado, não poderia ter sido mais carinhoso do que ele foi. Quiseram me amarrar, e ele disse que não precisava. Quando entrei na sala, um tomou o meu pulso […] depois o outro. Começaram cortando o cabelo. Depois as injeções na cabeça […] depois o aparelho […] Ah! Mamãe, que dor! Apertei a mão, e imediatamente o Dr. X fez parar. [Mas depois] fizeram nova injeção”. Depois a mãe lhe perguntou: “Filhinha, como você sofreu! […] Como você aguentou?” E ela respondeu: “Ah! Mamãe, o Menino Jesus estava comigo, senão eu não aguentaria aquela dor. Era impossível”.

         Mas esses sofrimentos corajosamente suportados tinham suas compensações, como contou à mãe. Num “sonho”, Nossa Senhora lhe apareceu com o Menino Jesus no colo, mas ela só viu o Menino: “Estava lindo, lindo, sorrindo, e me abraçou e me beijou”.

         Noutro dia, depois da punção na cabeça, outro “sonho”: Nossa Senhora lhe apareceu outra vez com o Menino Jesus de pé em seu colo. Abriu-lhe os braços, abraçou-a, e Nossa Senhora colocou a cabecinha de Teresinha nos ombros do Menino Jesus, que a beijou muito contente.

         Um dia Teresinha comentou ingenuamente com a mãe:

— Nossa Senhora tem muitos anjinhos, e eu pedi um a Ela. Um muito lindo.

         — Mas, para quê?

         — Olhe, Mamãe. O meu Anjo da Guarda tem muito trabalho para tomar conta de mim, com meu gênio, para eu ser paciente. Então o pequeno é para os ‘negócios’. É o caixa. Mas acho que o coitadinho perdeu a chave e até a caixa. Eu gasto tudo, e sempre adiantado. […] Estou sempre pobre”.

Teresinha via sempre o anjinho, como disse à mãe. Em sua generosidade, aceitava sofrer por todos os que estavam em necessidade.

Soyez toujours mon enfant

         Em outro dia Teresinha perguntou à mãe:

— São Francisco de Sales era padre?

         — Sim, era bispo.

         Teresinha comentou então que o viu no dia de sua festa, e ele falou com ela em francês: “Soyez toujours mon enfant” (Seja sempre minha filha).

         Acometida por ânsias de vômito, passou a não tolerar nenhum alimento. Depois de oito dias sem tomar qualquer alimento, o médico comentou com a mãe: “Não me conformo em ver Teresa morrer de fome. Não sei o que fazer, ela tem alguma coisa diferente”. Outro médico comentou que a sua doença era “sobrenatural”, pois não tinha explicação científica.

         Além de não poder comer, Teresinha estava paralisada na cama, só podendo mexer uns dedos. Com toda a família desolada, a mãe lhe recomendou que pedisse ao Menino Jesus sua cura. Ela deu depois a resposta: “Perguntei ao Menino Jesus, e Ele me disse que [eu teria] dois meses [de melhora]”. E assim foi, pois logo depois pediu para jantar e comeu com apetite. Sobretudo começou novamente a se movimentar com naturalidade. O médico exclamou: “Foi um milagre! Foi um milagre!”

         No carnaval de 1938 começaram os soluços. Teresinha sofria horas a fio, pois todos os remédios e injeções experimentados não davam resultado. Comentou com a mãe: “Não se incomode, Mamãe, não é nada! Estes dias tanto ofendem ao Menino Jesus. […] É preciso que eu me ofereça para reparar. Tão poucos lembram-se d’Ele nestes dias”.

         Em abril Teresinha disse à mãe: “Durante dois meses estive bem, comi, dormi, fiz o que prometi. Agora não sei o que vai acontecer, mas sinto que não estou firme nesta Terra. Estou presa por um fio. A qualquer hora arrebenta o fio”.

         Em meio aos enjoos e dores, tomando injeções contínuas, remédios para o coração etc., ela se preocupava com os outros. “Mamãe precisa rezar por ‘meus pagãos’”.

         — Mas eu rezo, filhinha.

         — Sim, mas é pouco. É preciso muito, muito para salvar-se uma alma!

         Em maio ela piorou tanto, que lhe foi administrada a Extrema Unção. Renovou então sua consagração a Nossa Senhora, e a mãe lhe disse: “Teresinha, não é possível continuar assim. Peça ao Menino Jesus para aliviar as suas dores”. Com grande esforço ela respondeu: “Só se for sua vontade”. Entretanto, não era vontade do Menino Jesus. Seu estoque de sofrimentos não tinha chegado ainda ao fim.

Devido às fortes dores de cabeça, todo barulho, toda conversa no quarto lhe causavam os mais acerbos sofrimentos. Passava noites sem dormir. Nunca se queixava, nunca se impacientava. A mãe perguntou-lhe um dia:

— Teresaé sempre na sexta-feira que você sofre mais, não é?

         — A senhora reparou nisso? É verdade. Foi sempre assim. Sempre sofri mais nas sextas-feiras, mesmo quando não o demonstrava por fora. Era por dentro.

         Num sábado de sofrimentos maiores, a mãe exclamou:

— Mas hoje é sábado!

— Ora, mamãezinha, hoje é para Nossa Senhora.

Sobre o sofrimento, Teresinha disse à mãe: “O que nos falta é fé e confiança. Agora as mães já compreendem a necessidade de os filhos sofrerem. É tão triste só se preocuparem em fazer os filhos engordarem, comerem, dormir, e às vezes estudar. […] E se esquecem do mais importante, que é Deus”.

Vendo Jesus coroado de espinhos

Teresinha (com a cabeça abaixada, à direita do pai) e seus dois irmãos Olavo Egídio e Maria Vicentina

Teresinha tinha horror às injeções, mas por vezes tinha que tomar várias por dia. A mãe afirmou não compreender como ela podia suportá-las, e ela explicou: “Veja como é fácil. Como tenho horror às injeções, e como sempre quem as faz é o Dr. Y, ofereço por ele tudo o que sofro com elas, para sua conversão e felicidade.

         Havia ainda outra ajuda para suportar tão tremendos sofrimentos: “Aqui no quarto, quando o padre levanta a Hóstia [para lhe dar a comunhão], muitas vezes vejo Jesus coroado de espinhos. […] Um dia o padre dividiu a hóstia, e vi Jesus na metade que me deu”.

         A mãe perguntou-lhe: “Como o Menino Jesus te chama?”. Ela esclareceu: “Sempre me chama Teresinha. Só quando o caso é muito importante, aí já sei, Ele me diz: ‘Minha pequena Maria Teresa’”.

         Foi por essa época que ela fez à mãe esta confidência, surpreendente numa adolescente: “Nunca, mamãe, nunca me olhei no espelho. Eu não sei a cor de meus olhos. Não sei de que jeito eu sou. Uma vez ou outra, para me pentear, tinha licença [do Menino Jesus] para dividir o cabelo. Só o cabelo, e nada mais. O resto eu não sei”.

         Em meados de agosto, vendo que os sofrimentos da filha aumentavam cada vez mais, Da. Francisca exclamou:

— Como você está sofrendo hoje! O que será isso?

         — É impressão sua, mãezinha. Porque, olhe: nos dias de grande dor, eu recebo grandes graças para suportá-las; e quando são pequenas as dores, as graças também.

         Teresinha passou o mês de outubro sem poder alimentar-se. Só tolerava algumas gotas de guaraná por dia. Sua boca ficava muito seca, tinha muita sede, mas não podia beber. Foram experimentadas injeções de morfina, heroína etc., sem nenhum efeito.

         No final de outubro, à mãe que sofria muito vendo o sofrimento da filha, ela disse: “Ouça, minha mamãezinha, eu sou a menina a mais feliz, veja bem, a mais feliz do mundo”.

         No dia 30 de outubro, sentindo seu fim aproximar-se, Teresinha pediu à mãe: “Fica um pouquinho comigo, sim, Mamãe, minha mamãezinha”. Na noite de 30 para 31 ela sofria muito, às vezes com gemidos. Às 10 horas da manhã do dia 31, partiu silenciosamente para o Céu. Por toda a eternidade, terá como companhia o Menino Jesus, a quem tanto amara.

ABIM

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[1] Pe. Matos Soares, Bíblia Sagrada, Edições Paulinas, 1980, p. 1287, nota.

[2] O Legionário, 26 de setembro de 1937.

[3] Todos os dados aqui citados são da cópia dos manuscritos de Da. Francisca Setúbal.

[4] Paulo Setúbal, Confiteor, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1937.