Debates com regras rígidas são uma aposta das emissoras neste período de campanhas eleitorais. Foto: Daniel Teixeira/Estadão |
Carlos Castilho
Pós-doutor em jornalismo e pesquisador do objETHOS
“Mais do mesmo” parece ser o mantra predominante em todas as redações de telejornais brasileiros na cobertura da campanha eleitoral para a votação do dia 7 de outubro. A postura burocrática da imprensa torna-se ainda mais notória quando se constata que ela influencia e é influenciada pelo alto índice de desencanto político evidenciado por um número inédito de eleitores brasileiros.
A soma da burocratização com o desencanto reforça a desconfortável sensação de que o pleito não vai mudar nada na vida do país, justamente num momento em que os indicadores econômicos e sociais mostram uma inadiável necessidade de mudanças. Em vez de assumir o papel de alerta, a televisão refugia-se em velhas soluções jornalísticas, algumas delas já totalmente defasadas, enquanto alternativas envolvendo a interatividade entre candidatos e o público foram desprezadas olimpicamente.
É o caso do debate com candidatos à sucessão presidencial, promovido pela TV Bandeirantes. A fórmula envelheceu e perdeu totalmente os seus atrativos na medida em que foram criadas tantas regras para o programa que a performance dos participantes tornou-se o único item analisável com um mínimo de consistência jornalística. Limitar a 45 segundos o tempo de réplica ou tréplica equivale a tornar inviável qualquer tentativa de fugir do óbvio e superficial.
A aposta em regras rígidas foi uma tentativa das emissoras para elevar o nível dos debates após demonstrações de truculência, incivilidade e despreparo político em campanhas eleitorais anteriores. Corrigiu-se um problema e criou-se outro. Caso as emissoras mantenham esta mesma postura nos próximos debates, o máximo que os produtores de programas poderão obter é um festival de bocejos dos telespectadores.
A TV Globo voltou a insistir na fórmula de entrevistas individuais com os candidatos usando a estratégia de tentar encurralá-los, o que em tese seria uma forma de mostrar aos telespectadores as contradições do discurso eleitoral de cada postulante à sucessão presidencial. O objetivo funcionou apenas parcialmente nas entrevistas realizadas no Jornal Nacional e na Globo News (canal pago), porque as discussões entre os protagonistas enveredaram para questões abstratas e complexas às quais a grande maioria dos telespectadores não tinha conhecimento.
A principal novidade da Globo em matéria eleitoral foi a série “Brasil Que Eu Quero”, que formalmente não é um programa jornalístico embora tenha sido transmitido dentro dos telejornais da emissora. A série tem todas as características de um projeto de marketing político visando gerar um tipo de discurso público independente da retórica usada pelos partidos e pelos candidatos. Prova disto é o fato da emissora ter eliminado depoimentos que não seguiam a linha do projeto.
O desafio do Não Voto
Embora a TV Globo não tenha admitido, tudo indica que o “Brasil Que Eu Quero” procura reduzir a tendência ao “Não Voto”, o posicionamento político assumido por aqueles cidadãos dispostos a anular seu voto, votar em branco ou não comparecer às urnas no dia 7 de outubro.
O papel do jornalismo numa campanha eleitoral é tradicionalmente bastante delicado porque um pleito se caracteriza, quase sempre, pela polarização política, o que submete o exercício da profissão a uma série de pressões e armadilhas. Candidatos, partidos e lobbiespolíticos tendem a torcer os dados e fatos em função dos seus interesses, obrigando repórteres e editores a preocupações adicionais com a veracidade de afirmações e promessas. Isto sem falar que os donos de empresas jornalísticas também têm seus interesses políticos e nem sempre respeitam os princípios jornalísticos da isenção e objetividade.
A presente campanha eleitoral no Brasil está assumindo características peculiares determinadas pelo desgaste dos partidos, ausência de renovação entre os políticos e mesmice em matéria de projetos para o futuro do país. Todos estes fatores reforçam o desencanto dos eleitores com a disputa eleitoral e, em teoria, criam um ambiente favorável para que o jornalismo cumpra a sua principal função: a de servir de intermediário entre os cidadãos e seus governantes.
Se a nossa imprensa estivesse realmente preocupada em exercer a função mediadora, ela teria recuperado uma iniciativa surgida nos Estados Unidos, nos anos 70, e que se tornou mundialmente conhecida pelo nome de “jornalismo cívico”. Em termos bem simples foi um esforço desenvolvido, entre os anos de 1994 e 2001, por um grupo de jornais regionais norte-americanos para buscar um envolvimento direto com seus leitores por meio da promoção de campanhas públicas.
A meta principal era ouvir as reivindicações dos eleitores, principalmente os de baixa renda, e organizar debates entre eles e os principais candidatos a postos eletivos. Dezenas de jornais criaram eventos onde as pessoas podiam questionar diretamente os candidatos, a partir de uma agenda local produzida pelos jornalistas. O conceituado centro de pesquisas Pew chegou a criar um Centro Pew para Jornalismo Cívico, mas a organização acabou sucumbindo à pressão dos grandes jornais, que acusaram o projeto de parcialidade politica.
Hoje, quando a internet deu às pessoas o poder de produzir e distribuir notícias, o jornalismo passou a viver uma nova conjuntura, especialmente em períodos pré-eleitorais. Ele já não é mais o único provedor de dados, fatos, eventos e ideias para o eleitor, o que altera o papel que tradicionalmente a profissão vinha ocupando no contexto politico e propõe novos desafios em matéria de cobertura de campanhas.
Mas a elite jornalística do país ainda não percebeu que a situação exige soluções inovadoras que não se limitem à produção de novos gadgets e aplicativos tecnológicos. O principal desafio é como as empresas jornalísticas e os jornalistas irão se relacionar com o eleitor. As velhas estratégias editoriais priorizam a relação entre as redações e os políticos, relegando o público à uma posição secundária, embora a grande decisão seja dele.
Os eleitores são hoje proativos e quando percebem que os modelos tradicionais de cobertura de campanhas não correspondem às suas expectativas, tendem a atitudes do tipo “Não voto”, que já alcança aproximadamente 32% do eleitorado (numa estimativa conservadora) , ou seja, a não desprezível massa de quase 48 milhões de cidadãos que não se identificam com nenhum dos 13 candidatos inscritos no primeiro turno das eleições de outubro próximo.
Fonte: objethos
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