♦ Afonso de Souza
Homenagem a Soror Caridade no antigo convento das clarissas em Nuremberg |
Em muitas partes do mundo, o clero “progressista” tem incentivado o convívio ecumênico entre católicos e luteranos. Na Alemanha, país que foi o berço da heresia protestante, alguns bispos chegam hoje ao extremo de pleitear a distribuição da Sagrada Comunhão a luteranos! Um absurdo impossível de sequer ser cogitado em séculos passados, quando os partidários de Lutero promoviam guerra acirrada à Igreja e a seus membros. Um dos inúmeros exemplos disso sucedeu no século XVI com um convento das irmãs clarissas em Nuremberg, cujas monjas enfrentaram com galhardia o esforço dos hereges para que elas apostatassem da verdadeira fé. Perseveraram todas, por amor a Deus, até a morte da última.
Em 1517, Martinho Lutero publicou suas 95 teses contra a Igreja Católica. Excomungado em 1521, foi condenado como fora da lei por Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano Germânico. Mas não deixou de semear sua pestilenta doutrina na Alemanha, levando quase dois terços do país à apostasia. Nuremberg, ao norte da Baviera, aceitou em 1525 a pseudo-Reforma protestante e passou a perseguir os católicos que não se curvavam ante a heresia.
Lutero, causa de muitas ruínas
Em Nuremberg — cidade que se destaca por sua arquitetura medieval, em particular pelas fortificações e torres de pedra — havia um convento de freiras clarissas com 60 religiosas. A começar pela priora, Bárbara Pirckheimer, todas provinham de famílias da aristocracia local. Primogênita entre 12 irmãos, a Irmã Bárbara decidira entrar para o convento aos 16 anos, tomando o nome de Irmã Caridade. Recebeu a educação humanística em voga naquela época, sobressaindo-se no latim. Seu irmão Willibald, seduzido infelizmente pelas ideias de Lutero, estudou na Itália e se tornou um dos mais importantes humanistas alemães.
Já em 1517 a doutrina de Lutero começara a conquistar terreno em Nuremberg. Aos poucos, com a enorme apostasia que se seguiu, os dirigentes da cidade começaram a fazer pressão sobre as freiras clarissas, para que cedessem e aderissem ao luteranismo. Resistindo quase sozinhas à heresia, lideradas pela Irmã Caridade, elas se opuseram firmemente a abandonar a verdadeira fé. Foram cruelmente perseguidas de 1524 a 1528 pelo Conselho herético da cidade, e registraram tudo na crônica “Fatos Memoráveis”, documento de inestimável valor histórico e espiritual.
Essa valorosa superiora sabia bem o que as novas ideias representavam, e afirmou: “A doutrina de Lutero tem sido a causa de muitas ruínas. Cruéis discórdias têm desgarrado a Cristandade, as cerimônias das igrejas foram mutiladas, e em muitos lugares se abandonou repentinamente o próprio estado [religioso], pois se pregava a suposta liberdade cristã, repetia-se que as leis da Igreja e os votos já não obrigavam a ninguém. A consequência de tal argumentação foi que bom número de monges e monjas usaram esta liberdade para abandonar o claustro e deixar seus hábitos. Muitos inclusive se casaram, agindo apenas de acordo com sua fantasia”.
Na pintura ao lado: Retrato de mulher, do pintor Albert Dürer, não assinado: os especialistas julgam que representa a Irmã Caridade Pirckheimer.
Pressões para forçar apostasias
Baldados os primeiros intentos, o Conselho municipal recorreu aos familiares das religiosas, para que pressionassem suas filhas, irmãs e sobrinhas a ceder. Durante toda a Quaresma de 1525 houve na cidade contínuos debates entre os que aderiram à nova doutrina e alguns religiosos e sacerdotes ainda fiéis. O Conselho anunciou então a intenção de retirar das irmãs o atendimento espiritual proporcionado por esses sacerdotes, substituindo-os por pastores da nova religião. Diz a Irmã Caridade: “Desde esse dia fomos privadas da confissão, da comunhão e de todos os sacramentos, inclusive em perigo de morte”.
A priora e suas freiras foram obrigadas a aceitar os pregadores do Conselho local, mas rechaçaram seus confessores, preferindo privar-se dos Sacramentos a ceder aos erros. Nesse sentido, ela declarou ao Conselho: “O Conselho recordará certamente que temos sempre obedecido nas coisas temporais. Mas, no que diz respeito às nossas almas, obedecemos apenas à nossa consciência”.
As religiosas foram então submetidas a um verdadeiro massacre moral. Os pregadores usavam com frequência um tom extremamente agressivo. As freiras ouviram 111 pregações dessas, mas mantiveram-se inabaláveis. Por fim, o Conselho desistiu de enviar novos delegados.
As ameaças chegaram enfim às privações econômicas. Na Semana Santa de 1525, relata a Irmã Caridade: “Quando o curador viu que nunca chegaria a vencer minha resistência, mudou de tema e falou-me de um levantamento de camponeses que tinham se rebelado, em número muito considerável, para saquear os conventos e expulsar ou condenar à morte todos os religiosos e as religiosas; que no convento daquela cidade não deveria permanecer uma só clarissa; que faríamos bem em refletir e não dar motivo a um grande massacre”.
Enquanto isso, a situação em Nuremberg só piorava. Um dia depois da Páscoa, todo culto católico foi proibido. Começaram as apostasias, primeiro dos agostinianos, “que eram a fonte de todas as desgraças”, depois dos carmelitas, dos cartuxos. Todos abandonavam seus hábitos, não cantavam mais o Ofício Divino e rezavam os ofícios de acordo com sua fantasia subjetiva. Muitos se casavam.
Em clima de tão geral apostasia, as pressões sobre as clarissas chegaram ao auge. Diariamente eram ameaçadas de serem tiradas à força do mosteiro, cujo claustro deveria ser demolido até os fundamentos. Relata a Irmã Caridade: “Nós nos convertemos para todos, grandes e pequenos, em objeto de desprezo. […] Somos objeto de maior desprezo que as mulheres públicas, as quais nos dizem que valemos verdadeiramente menos do que elas. […] Não querem que ninguém chame mais nossos conventos de ‘claustros’, mas de hospícios, nem que as irmãs se chamem ‘cônegas’; que a abadessa e a priora devem ser chamadas de ‘diretoras’, e não deve existir distinção alguma entre os clérigos e os leigos”.
Resistência e o prêmio pela fidelidade
A situação chegou a tal ponto, que em 1525 a Irmã Caridade reuniu as religiosas no capítulo e pediu o parecer delas sobre a conduta a seguir: “Encontrei-as todas com o mesmo sentimento, e me responderam que nunca iriam deixar-se converter à nova doutrina por meio do sofrimento; que nunca se separariam da Santa Igreja; e que não conseguiriam arrastá-las para fora da vida monástica. Recusaram a direção dos sacerdotes apóstatas, preferindo ficar longo tempo sem confissão e privadas da Sagrada Comunhão. […] Escrevi a súplica, […] que a comunidade aprovou por unanimidade depois de ouvir a leitura. Cada uma pediu para assinar; nós todas queríamos participar da responsabilidade na desgraça que pudesse advir para nós”.
Essas lídimas seguidoras de Cristo permaneciam assim firmes na Fé. E de tal maneira, que o próprio Felipe Melanchton, número dois de Lutero, chegou a visitá-las pessoalmente, para tentar convencê-las. Mas nada conseguiu, e saiu admirado pela firmeza da abadessa.
A vida continuou para elas, sempre na mesma resistência, até que em 1532 a Irmã Caridade recebeu no Céu o prêmio de sua fidelidade a Cristo. Foi sucedida por sua irmã Clara, e depois pela sobrinha Catarina. Desde o início o Conselho havia proibido as clarissas de receber noviças, e as religiosas iam morrendo sem deixar sucessoras. A última delas, Irmã Felicidade, faleceu aos 91 anos em 1591. O Conselho da cidade tomou então posse do convento dessas heroicas resistentes da Santa Igreja.
Assim desapareceram aquelas 60 filhas de Santa Clara, que haviam afirmado: “Sofreremos aquilo que Deus queira nos enviar. É melhor sofrer por causa do mal do que consentir em fazer o mal”.
Fonte: ABIM
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