Perante o interesse do artigo que se segue, independentemente da data da sua publicação, continua actualíssimo, como tal pensamos que os nossos leitores vão apreciá-lo de novo, quiçá, muitos nem sequer o leram ou dele têm memória.
(NR)
É
um princípio aceite que, não existindo a real separação de
poderes que ilumina o constitucionalismo, nem a garantia dos direitos
de várias gerações que foram sendo consagrados, não existe de
facto uma Constituição.
Por tudo, a garantia dos direitos é uma
função essencial, e por isso também reveste várias formas nos
textos fundamentais. Naturalmente, num Estado de direito, a primeira
garantia é confiada à lei, de constitucionalidade fiscalizada, por
vezes, como entre nós, dispondo de um Tribunal especialmente
responsável, que é o Tribunal Constitucional.
Se tivermos em conta
que por isso as leis necessitam de ser claras e inteligíveis, é
necessário compreender que a dimensão, força, e complexidade da
legislação, de todas as espécies, que aflige o entendimento dos
cidadãos e a capacidade técnica dos agentes responsáveis, não
fortalece a confiança dos cidadãos nos aparelhos de governo.
A
garantia dos direitos pelos juízes, que é outro aspecto daquela
vigência efectiva que as determinações constitucionais esperam,
não parece muito reconhecida na convicção dos cidadãos, sobretudo
dos que esperam tempos incontáveis por decisões que demoram e
desesperam.
Qualquer especialista, e muitos o têm feito, pode,
longamente, e com memória, tentar ajudar a opinião pública a
compreender a situação da justiça, uma tarefa cívica de
esclarecimento do eleitorado em tempo de eleições, mas nenhum
poderá facilmente organizar uma doutrina de pacificação para o
embaraço em que vive a sociedade respeitadora dos poderes e das
instituições.
A falha da confiança na justiça reduz
necessariamente as visíveis dificuldades de funcionamento do
sistema, mas tal justiça feita à Justiça não melhora a condição
da sociedade civil mal servida. Porque a questão agrava-se, e
ultrapassa, como aconteceu frequentemente na história dos países, a
questão de a situação real não ser a pressuposta pelas leis,
designadamente pela falta de recursos da sociedade e do Estado, sem
ou com imputação de culpas a responsáveis pela gestão política,
pela vigência do credo de mercado sem regras, pelas dependências
criadas por uma globalização sem governança.
Nesse caso, que na
ordem internacional criou o direito-dever de intervenção, nem
sempre usado com prudência, é obrigatório para os responsáveis
estaduais enfrentar o imprevisto pelos seus programas aprovados,
assumindo porém que tais factos necessariamente não suspendem o
dever político e prudência de enfrentar com equilíbrio os
desafios.
É dificilmente aceitável que, como acontece na gravíssima
crise económica e financeira que agora apenas tem início, os
sinais, já muito sérios, da crise social crescente, designadamente
o desemprego desesperante daqueles para quem o trabalho é também um
direito, da degradação crescente do Estado social cujo efeito não
é remediável com reformas constitucionais, sejam lidos com
tranquilidade a respeito da paz social, ainda quando o mito do
pacifismo do povo português é invocado como segurança da paz
civil.
A fronteira da pobreza que ultrapassou o Mediterrâneo, o
crescente número de idosos dependentes, de pessoas carentes, de
abandonados, e, muito relevantemente, de jovens sem futuro visível,
fazem da solidariedade uma das ideias-força do direito
contemporâneo, e, antes disso, um elemento do tecido social que
socorre a debilidade mas não a deficiente visão do Estado.
Antes do
acolhimento pelas leis, tal solidariedade é um componente essencial
do património imaterial de um povo com história, e com valores não
atingidos pelo relativismo dissolvente dos ocidentais.
Esta reserva
está a ser chamada a um exercício extraordinário, não apenas por
dever cívico, não apenas pela obediência a valores de crenças,
também pela Declaração Universal dos Deveres Humanos, proposta
pelo Inter-Action Council, em 1 de Setembro de 1997 à ONU, um
trabalho assente "na sabedoria de líderes religiosos e de
saberes acumulados ao longo dos tempos".
Autor: Dr. Adriano Moreira
Fonte:
DN, 31-05-11
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