sexta-feira, 6 de maio de 2016

Macroscópio – Onde se fala de quase tudo, até de dietas e de genes

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


Sento-me para escrever mais este Macroscópio e alguém junto de mim comenta que amanhã será dia de tempestade. Anunciam muita chuva, o que indica para que muitos optem por ficar em casa, ao contrário do que sucedeu o fim de semana passado, quando puderam sair para uma primeira experiência de praia (quem gosta e quem pode) sob um sol radioso – mas que foi de pouca dura. Senti-me pois ainda mais encorajado para hoje vos propor sobretudo leituras de fim-de-semana, umas mais sérias, outras mais leves, algumas um pouco longas, pois é possível que tenham mais tempo para ler.

Antes porém de ir a essas leituras, vou deixar-vos com um apanhado de opiniões, diversas e plurais, todas editadas no Observador, sobre um tema que a Marlene Carriço introduzia com detalhe num Explicador, o dos Contratos de associação. O que são, o que pedem e o que vai mudar. São sete os textos que editámos e agrupámos aqui. Eis a lista:
Esperando que entre o nosso Explicador e este conjunto de textos seja possível aos leitores ver um pouco melhor no nevoeiro que parece querer instalar-se sobre toda e qualquer discussão de políticas públicas em Portugal, passo a outras leituras, as tais mais indicadas para um fim-de-semana com os agasalhos de novo vestidos.

O primeiro texto que selecciono surge a propósito da passagem de mais um Dia da Memória do Holocausto, este último 5 de Maio. Foi publicado no site judaico Tablet e chama-se Ghetto: The Shared History of a Word. É um texto que parte de um livro de Mitchell Duneier, Ghetto: The Invention of a Place, the History of an Idea, e da constatação que, nos Estados Unidos, o termo está mais associado a bairros negros degradados, poucos sabendo que teve origem na Europa, onde eram habitados pelos judeus que as cidades segregavam. Daí parte para um projecto ambicioso: “When it comes to understanding the black American ghetto, can we learn anything from the history of the European Jewish ghetto? It is a tricky question, which Duneier addresses carefully, since it seems to invite comparisons about who was more victimized and more resilient. Yet as he tells the story of the evolution of American thinking about the black ghetto—primarily through the lens of successive generations of academic sociologists, from Gunnar Myrdal to William Julius Wilson—the Jewish ghetto refuses to disappear. It haunts the subject like a ghost, raising questions that continue to define the way sociologists think about ghettos today.”

Passo agora a uma discussão que temos seguido à distância, a relativa ao Brexit. Ainda hoje o Observador analisou o tema, num especial de Catarina Falcão, a partir da perspectiva portuguesa –Se o Brexit vencer Portugal sofre as consequências –, mas é interessante verificar que os termos do debate no Reino Unido é bastante distinto da caricatura que muitas vezes se faz dele no Continente. É, por exemplo, muito interessante constatar que, se excluirmos algumas franjas mais radicais, o debate se trava sobretudo entre dois campos que querem “menos” Europa, um acreditando que o pode fazer permanecendo na União Europeia, outro defendendo que só rompendo com ela é possível recuperar a soberania do Parlamento. Uma perspectiva interessante da forma como pensam os ingleses é a dada por John Curtice, um professor de ciência política de Glasgow, numa entrevista ao Le Point: "Les gens ne veulent pas que Bruxelles leur dicte leur conduite". Que sintetisa bem o problema da forma como os britânicos vivem a sua identidade: “Deux pour cent des Britanniques affirment se sentir européens avant toute autre appartenance. Quinze pour cent mettent l'Europe en deuxième ou troisième choix ; c'est tout. L'écrasante majorité des personnes interrogées se dit soit anglaise, soit britannique. À noter qu'il n'y a pas de nationalisme britannique, mais un vrai nationalisme anglais, comme il y a des nationalismes écossais, gallois, nord-irlandais.”

Continuo no Le Point (até porque tenho frequentado pouco a imprensa francesa) para vos sugerir o primeiro de dois textos sobre o que se está a passar nas presidenciais austríacas, nas quais o candidato da extrema-direita chegou largamente à frente na primeira volta. Em L'Autriche et les autruches Laurent Neumann procura explicar o que aconteceu, e não tem dúvidas sobr que tema mobilizou os austríacos: “Ce n'est pas la crise économique qui a pesé dans ce vote protestataire, ni même l'augmentation récente du chômage, mais bien la crise migratoire. Toute la campagne électorale a tourné autour de ce seul et unique sujet. Immigration, frontières, islam, question identitaire… La majorité au pouvoir a eu beau promettre le renforcement des contrôles aux frontières et même la construction d'un mur de quelque 250 km, rien n'y a fait.”

O segundo texto sobre a Áustria é um ensaio, mais longo, de Armin Thurnher, publisher director do semanário de Viena Falter, intitulado The Austrian Malady: Turning Right in the Refugee Crisis. Onde aponta o dedo à coligação no poder: “One can understand the concerns of a small country that takes more than its share of refugees and feels abandoned by the other EU member states. But instead of using the crisis to build up an effective EU border protection regime, those in government have preferred to play the national card prior to the European card.
The lengthy grand-coalition has led to political paralysis. Platitudes about carrying on, cooperation and consensus have corroded all political distinctions."

Continuando a falar de problemas europeus, e do que rodeia a crise dos refugiados, que não desapareceu e muito menos está resolvida, há nela um elemento perturbante que muitas vezes é esquecido: a forma como neste êxodo em direcção à Europa tem arrastado as crianças. Uma reportagem do Politico, Europe’s quiet crisis: ‘missing’ migrant children chama-nos a atenção para o facto de “Tens of thousands of migrant children are “missing” in Europe, victims of both criminal gangs and the EU’s failing refugee policy.” Como? Isso mesmo, como se mostra neste exemplo:
Padre Mengoli, a priest from Bologna, runs a center for migrant children. He explained how the system works: “Let’s say an unaccompanied minor enters Italy. He or she is placed in what is called ‘first reception.’ Let’s also say he escapes and makes it all the way to Germany. If, and I say if, the center reports the missing child to the Italian police, the police should then update the international database so all authorities know about this child. If they don’t do that, and if the minor is eventually found and reported as found in Germany, he is still officially missing according to Italian authority databases. It’s a mess.”

Por falar em crianças e em refugiados, recuemos até ao ponto de origem, a Síria, e aí até uma das cidades mais sacrificadas, Allepo. Até porque foi aí que Uri Friedman, da The Atlantic, encontrouThe Last Pediatrician in Aleppo, alguém que lhe disse simplesmente “We represent a last hope, the final defenders of life in this city.”

Mudemos agora completamente de assunto e vamos até à China para conhecer melhor o seu actual líder com a ajuda da New York Review of Books. Em Who Is Xi? ficamos a conhecer melhor uma figura cujo papel nos equilíbrios globais é cada vez mais importante. Um texto que nos deixa um pouco mais inquietos: “More than halfway through his five-year term as president of China and general secretary of the Chinese Communist Party—expected to be the first of at least two—Xi Jinping’s widening crackdown on civil society and promotion of a cult of personality have disappointed many observers, both Chinese and foreign, who saw him as destined by family heritage and life experience to be a liberal reformer. Many thought Xi must have come to understand the dangers of Party dictatorship from the experiences of his family under Mao’s rule.” O texto explica a seguir porque é que isso, afinal, não parece estar a acontecer, bem pelo contrário.

Quase a terminar, uma chamada de atenção para o tema de capa da The Economist da semana passada (a desta semana é dedicada a Trump) onde se abordava a forma como medimos a riqueza através do famoso “produto interno bruto”. Em The trouble with GDP a revista defende que “Gross domestic product (GDP) is increasingly a poor measure of prosperity. It is not even a reliable gauge of production”. Eis um exemplo apenas, entre muitos, um exemplo que mostra como esta medida não captura evoluções que nos proporcionam mais bem estar sem que possam traduzir-se num “estamos mais ricos”: “The number of TV channels or over-the-counter painkillers available in America, for instance, is overwhelming. Yet in 1970 there were just five of each. Though people may complain about too much choice, this greater variety is to a great extent a boon. But it is invisible to GDP measures. For GDP, the output of a million of shoes in one size and colour is the same as a million shoes in every size and colour.” Garanto-vos que é um tema fascinante, pois introduz uma outra discussão bem interessante: que sentido faz medir a riqueza com os actuais critérios se, com a mesma "riqueza" um cidadão tem hoje acesso a muito mais bens do que há alguns anos? E como se pode avaliar realmente essa evolução?

Chego aqui com a sensação de que me ocupei de temas porventura demasiado sérios para um fim-de-semana, pelo que escolhi um texto mais descomprometido para fechar este Macroscópio. Um texto sobre dietas e como elas estão sempre a mudar para, depois, produzirem menos efeito do que muitos esperam. O Verão acabará por chegar, pelo que o tema não podia ser mais oportuno. Leiam por isso Si quieres saltarte la dieta, hazlo con la ciencia en la mano. Eu, que sou um especialista em dietas, li com prazer este texto, mesmo sendo verdade que ele me deixou nalguns pontos algo acabrunhado. A pior parte foi a sobre o genes, já que defende que “La mejor excusa para quienes quieren saltarse la dieta es que no resulta sencillo cambiar nuestro peso natural. Jeffrey Friedman, el biólogo que descubrió la leptina, la molécula que regula la saciedad, lo explicaba en Materia: “Nuestro peso está regulado por genes, de la misma manera que la estatura. Tú no le pedirías a alguien que mide 1,90 que midiese 1,80, porque así es como son. Hay genes que hacen a unas personas más pesadas y otras más ligeras.”

Não sei que pensar, mas deixo-vos a todos a pensar e, espero, a descansar. Até segunda-feira.

 
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