O Banco de Portugal apresentou, na passada sexta-feira, o acordo com a Lone Star para o fundo americano ficar com o banco que um dia foi Espírito Santo. É uma solução complexa, que ainda não corresponde propriamente a uma venda mas que permite ao “banco de resolução” escapar ao prazo que ameaçava a sua existência, 3 de Agosto de 2017. Agora ainda temos pela frente alguns meses até a Lone Star ficar à frente dos destinos do Novo Banco, muitos detalhes ainda terão de ser finalizados, mas escapando à (natural) troca de galhardetes entre o Governo, os partidos da geringonça e os partidos da oposição, tentemos perceber o que se passou realmente e conhecer as primeiras análises à decisão do Banco de Portugal, apoiado desta vez por António Costa e Mário Centeno.
Para ajudar os meus leitores a fazerem um ponto da situação recorro ao Observador e ao Jornal de Negócios. No Observador o texto a ler é Isto é um acordo, ainda não é a venda. O que há para resolver no Novo Banco, de Edgar Caetano, Ana Suspiro e João Cândido da Silva. É um texto organizado em seis pontos:
- Costa garante custo zero para os contribuintes. Será assim?
- Operação depende de troca de obrigações, ruinosa para os credores
- Bancos têm razões para ficar satisfeitos com a solução?
- O Estado fica com 25% e tem direito a quê?
- A venda ficou mesmo fechada ou ainda há questões pendentes?
- Quem é o comprador do Novo Banco?
Do quinto destes pontos extraí uma passage que ajuda a perceber como a venda ainda continua por encerrar: “Há várias matérias ainda em aberto. Portugal comprometeu-se com a Comissão Europeia a vender até agosto deste ano, mas o acordo agora alcançado com o fundo Lone Star permite às autoridades portuguesas ganhar tempo para fechar o dossiê. E uma matéria central, reconheceu Mário Centeno, na negociação entre o Fundo de Resolução e o comprador, será a troca “voluntária” de 500 milhões de euros de obrigações em títulos com um prazo mais alargado.”
Dos vários textos do Jornal de Negócios, aquele por onde a leitura se deve iniciar é o que explica porque É preciso injectar 1.500 milhões para vender o Novo Banco. Nele Maria João Gago escreve que “O Estado recebe zero pela venda do Novo Banco, mas é preciso injectar 1.500 milhões na instituição. Este custo é da Lone Star e dos obrigacionistas. Banco tem folga para cobrir perdas com activos problemáticos. Mas o Fundo de Resolução pode ter de gastar 3.890 milhões.” Como leituras complementares recomendo ainda O que ganha e perde o Estado com acordo de venda feito para o Novo Banco? e Perguntas e respostas sobre a troca de dívida. Do mesmo Jornal de Negócios retirei este esquema que ajuda a perceber a solução encontrada pela equipa chefiada por Sérgio Monteiro:
Passando às análises começo por António Costa, director do Eco, que em Novo Banco: Ainda bem que se fez este péssimo negócio procede a uma análise relativamente detalhada, e longa, dos principais pontos do acordo, análise da qual retira que todas as outras alternativas eram piores ou inexequíveis: “E alternativas, há? Há, mas são… inviáveis. Se os termos deste negócio são o que são, a nacionalização seria assumir estes riscos já à cabeça (…) e arriscar outros, pesados, no futuro. Alguém pode dizer que a fatura ficaria fechada aqui? Não nos esquecemos do que ainda há a pagar do BPN (…). E a CGD, que ainda agora recebeu mais 2,5 mil milhões em capital público. Além disso, há outro ‘pormaior’: quem disse que a Comissão Europeia, e as Direção-Geral da Concorrência (DGComp) aceitaria tal decisão? Se impôs tantos entraves e limitações à posição de 25% no capital, isto é, sem votos e sem administradores, o que leva a considerar que aceitaria a nacionalização? Nada.”
Bruno Faria Lopes não se desvia muito desta opinião na crónica publicada no Jornal de Negócios, A venda menos má do BES menos mau, mesmo levantando alguns problemas que merecem ser considerados, em especial sobre a troca de obrigações “voluntária”. Nela defende que “A venda não é boa porque surpreende, por outro lado, os credores institucionais e estrangeiros do banco - isto já depois da surpresa no final de 2015 para alguns credores do Novo Banco. Não admira que a emissão de dívida subordinada da Caixa tenha sido feita antes: o juro a pagar teria sido ainda maior do que 11%. A operação de troca de dívida acontece porque nem o Lone Star quer pôr mais capital, nem o Estado quer arriscar mais dinheiro público - arranja-se esta ideia de partilha do fardo com os privados (…). Mas os privados desconfiam que um negócio desta importância não vai abaixo por 500 milhões e sabem que o poder negocial do Estado é baixo - a adesão está longe de ser garantida (…). Resta saber porquê correr o risco de danificar ainda mais a imagem externa portuguesa por 500 milhões de euros.”
Regresso ao Eco para ler Paulo Ferreira, que não se desvia desta linha e, em Sim, esta venda do Novo Banco é a melhor solução, faz também uma análise mais política: “O PS começou por criticar a aplicação do mecanismo de resolução decidida pelo Banco de Portugal e pelo anterior governo. Mas sem ela, esta solução não teria sido possível. O PSD e o CDS criticam agora a venda feita à Lone Star. Fazem mal, porque com os dados que temos em cima da mesa não havia melhor solução nem o anterior governo conseguiu vender o banco. E o Bloco de Esquerda e o PCP criticaram antes e criticam agora, com receio de eventuais custos futuros para os contribuintes e com argumentos que ficam a dever à verdade. Alguém lhes explique que a nacionalização que defendem não teria custos incertos no futuro. Teria custos assegurados no presente.”
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Quatro pequenas pérolas
Deixo agora o novo banco para vos recomendar quatro trabalhos jornalísticos – na verdade, mais do que jornalísticos – que bem merecem a vossa atenção.
Começo por um daqueles que é muito raro encontrar na imprensa portuguesa, pois trata-se de um ensaio que reúne densidade histórica e pertinência política. Refiro-me a O consenso, a crónica deste domingo de Vasco Pulido Valente no Observador. O parágrafo inicial, que reproduzo a seguir, é melhor do que qualquer introdução que eu pudesse escrever: “Espero que, apesar dos acanhados limites da sua inteligência e da sua quase completa incultura histórica, os promotores do consenso — que hoje vão do Presidente da República ao mais pequeno oportunista do CDS; e, como de costume, vêm da classe dirigente e dos grupos privilegiados da sociedade portuguesa — percebam a figura triste e nociva que andam a fazer. O consenso foi desde o duvidoso princípio do nosso liberalismo a suprema ambição de quase todos os regimes e governos (tirando, claro, o Terror de D. Miguel, o de Afonso Costa e a Ditadura de Salazar). Nem sempre se chamou consenso. Teve vários nomes: conciliação, partilha, fusão, pastel, marmelada, amalgação, convivência, juste milieu, regeneração e união nacional (muito antes do Estado Novo). E conduziu invariavelmente às piores catástrofes, quando não conduziu ao longo monopólio do poder de um único partido.” Se por acaso o deixaram escapar este fim-de-semana, nunca é tarde para o descobrirem e darem por bem empregue o tempo de leitura.
Sempre na categoria de “leituras longas”, ou “long reads” como já institucionalizaram os anglo-saxónicos, o Financial Times de hoje publicava uma interessante e reveladora entrevista com Donald Trump, realizada por três dos seus jornalistas mais conhecidos – Lionel Barber, Demetri Sevastopulo e Gillian Tett. Em Trump on Merkel, Twitter and Republican infighting — FT interview vai-se bem além da pergunta-resposta (que de resto nunca é apresentada como tal), fazendo-se também uma análise a estes dois meses e meio de Trump na Casa Branca. Eis uma pequena passagem: “If his foreign policy is less revolutionary than first feared, Mr Trump’s domestic agenda remains controversial. He was propelled to office on a populist wave as Republicans, and enough blue-collar Democrats, rallied to his cause, abandoning Hillary Clinton, the establishment favourite. (…) The president has championed the cause of US manufacturing, cajoling foreign and US corporations to think again about locating jobs and factories in America. However, the self-styled dealmaker is finding governing harder than he imagined, even though the Republican party enjoys majorities in the House of Representatives and Senate.” (O Observador realizou uma síntese desta entrevista em "Gostei muito de Merkel. E ela disse-me o mesmo".)
Já o Guardian tem um trabalho de Jason Burke que, pelo que me foi dado ver durante o fim-de-semana, agitou bastante as águas e gerou alguma controvérsia, mas que contém informação preciosa sobre as características dos terroristas que têm atacado nas nossas cidades. O título é desafiador – The myth of the ‘lone wolf’ terrorist – e a investigação, bastante exaustiva, suporta-o: “The lone-wolf paradigm can be helpful for security services and policymakers, too, since the public assumes that lone wolves are difficult to catch. This would be justified if the popular image of the lone wolf as a solitary actor was accurate. But, as we have seen, this is rarely the case. The reason that many attacks are not prevented is not because it was impossible to anticipate the perpetrator’s actions, but because someone screwed up. German law enforcement agencies were aware that the man who killed 12 in Berlin before Christmas was an Isis sympathiser and had talked about committing an attack. Repeated attempts to deport him had failed, stymied by bureaucracy, lack of resources and poor case preparation. In Britain, a parliamentary report into the killing of Lee Rigby identified a number of serious delays and potential missed opportunities to prevent it. Khalid Masood, the man who attacked Westminster last week, was identified in 2010 as a potential extremist by MI5.”
Fecho com uma leitura aparentemente mais leve, ou talvez não. No dia das mentiras o Observador, em vez de inventar a sua proverbial “mentira”, tratou de saber porque é que 1 de abril é quando um político quiser. Neste especial Vítor Matos não recorda apenas algumas mentiras que ficaram famosas, como recorda que a mentira, em política, não é invenção recente: “A mentira faz parte da vida e fez sempre parte da política: Nicolau Maquiavel, em O Príncipe, escreveu em pleno Renascimento que “os homens são tão ingénuos e tão conformados com as necessidades do momento, que quem engana encontrará sempre quem se deixe enganar”. Também estipulou que os príncipes que “souberam com inteligência enganar os cérebros dos homens, no final ultrapassaram aqueles que se basearam na verdade”. Ora, se Trump, Clinton e Bush, ou Costa, Passos e Sócrates nos enganaram é porque houve uma maioria que se deixou enganar.” Conclusão pessimista? Talvez não se lermos a conclusão do artigo: “A mentira é tão útil e tão pouco penalizada na política, que os norte-americanos têm há muito esta piada fácil: “Como é que se percebe que um político está a mentir? Ele mexe os lábios”.
Espero que não fiquem a pensar que, ao acabar com estas frases a minha selecção de hoje subscrevo este cinismo maquiavélico, até porque apenas vos quero dar pistas para que, pensando, não se deixem enganar. Tenham bom descanso e melhores leituras.
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