Renton, Sick Boy, Spud, Begbie e Tommy... onde é que eles hoje estão, pararam de correr?
Trainspotting (1996) é daqueles filmes que nos diz onde é que estávamos - quando (tínhamos 16 anos?) ouvimos o chamamento de "Choose life", Lust for Life, Born Slippy... e tínhamos amigos que tomavam drogas ou então tomávamos drogas. (Mas podemos nunca ter estado com o filme, isso também dirá alguma coisa de nós).
O regresso, 20 anos depois, é uma manobra irresistível. E é insensata. O filme, estreado há semanas no Festival de Berlim, está aí e há que lidar com ele: T2 Trainspotting, Danny Boyle, Irvine Welsh, Ewan McGregor, Ewen Bremmer, Johnny Lee Miller, Robert Carlyle... a equipa que fez de Leith, arredores de Edimburgo, a casa de banho mais infecta da Escócia. Duas décadas depois onde é que eles estão? Ficaram parados?
Leith gentrificou-se, abundam os cafés hipsters, Edimburgou-se tornou-se cosmopolita, dizem-nos de lá. Renton, Sick Boy, Spud, Begbie e Tommy são fantasmas nesse novo mundo. Onde é que nós estamos? Mário Lopes, em "Esta já não é a casa de banho mais infecta da Euscócia", vai atrás da pergunta e faz um retrato a várias vozes: Raquel Ribeiro, escritora, colaborado do PÚBLICO e professora de Estudos Portugueses na Universidade de Edimburgo (para os escoceses, diz-nos, "Trainspotting é como o Braveheart; quando chegas à Escócia tens que ver o Braveheart e tens que ver o Trainspotting); Eduardo Pinto, produtor teatral freelancer em Coimbra ("foi dos primeiros filmes que vi que me levou a procurar outras coisas", a procurar mais da literatura de Irivine Welsh); Pedro Fradique, programador do Lux, em Lisboa ("Quando ouvíamos o Born Slippy no Alcântara ou no Kremlin, era um clímax que todos partilhávamos").
Não se devalorizam as emoções de um reencontro nem a importância das biografias de cada um (as de cada espectador que cruzou com Trainspotting na sua vida) se se considerar que Danny Boyle, realizador, tem sido sobretudo um turista audiovisual, que tudo isso começou há precisamente 20 anos, que os seus filmes têm falado através de grotescos slogans (nas palavras e nas imagens), que T2 pode nada ter a ver com a boa e velha nostalgia nem com o acerto das nossas contas existenciais - pode ter a ver, sobretudo, com o acerto das contas deles nas bilheteiras.
Nos filmes, estamos condenados a dividir-nos. Esta semana, um título de terror, Os Olhos da Minha Mãe, de Nicolas Pesce, leva Jorge Mourinha a escrever que "é o mais singular filme de terror que vimos em muito tempo" e Luís Miguel Oliveira que é uma "homenagem, cheia de pose, à aristocracia cinematográfica do gótico e do macabro. Cheia de pose, e cheia de mais coisa nenhuma". Será talvez a altura, já agora continuando em território dividido, de "limpar" os filmes dos Óscares (prémios que procuram o reconhecimento, a oficialização) antes da cerimónia da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood: La La Land, Moonlight, Elementos Secretos, Vedações. Isto será - e para nos colarmos às palavras, comentários e aos filtros ideológicos e políticos a que não é possível escapar neste momento no cinema americano - passar do suposto branqueamento da fantasia (uma parte da América em fuga, a cantar e a rir?) ao suposto ajuste de contas do realismo. Mas a questão também é - e remeto para as páginas de fim-de-semana do PÚBLICO - encontrar, por entre esses filtros no olhar, o espaço que fica para o cinema.
Ainda se pode apanhar Speak Low if You Speak Love, de Wim Vandekeybus, que andou em tournée por Portugal. Mas agora o palco é para outra figura maior da dança mundial, Akram Khan: colocou uma das suas peças de referência, iTMOi (In the Mind of Igor), inspirada na Sagração da Primaver, nos corpos dos bailarinos da CNB, transformando o Teatro Camões, em Lisboa, num palco para o sacrifício.
Chamo-vos à atenção para o intrigante perfil que Isabel Lucas traça do escritor norte-americano George Saunders, com quem conversou nos EUA por causa de Pastoralia, que acaba de sair em Portugal: o seu território é o das classes pobres cujo sofrimento Saunders capta pelo humor, porque só rindo consegue passar a dor da humilhação.
E há uma "peça de resistência", literalmente, no próximo Ípsilon: "Quão desigual é o mundo da arte?". A partir de uma exposição-questionário (na Whitechapel Gallery, em Londres) em que o colectivo novaiorquino Guerilla Girls, armado com máscaras de gorilas, números, posters e humor, luta pela igualdade de género e diversidade étnica na arte, Mariana Duarte junta-se ao inquérito, fala com programadores e curadores em Portugal, e detecta gestos de mudança - mas ainda há muito a fazer, as estatísticas dos museus ainda reflectem a posição privilegiada do homem branco, escreve Mariana, guerilla girl.
Nenhum comentário:
Postar um comentário