quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Distribuir dinheiro sem pagar a conta?

Francisco Louçã

22 de Fevereiro de 2017, 19:48

Por

R
oberto Merrill e Sara Bizarro responderam à minha crítica ao Rendimento Básico Incondicional (RBI) com um texto argumentado e interessante, como deve ser entre quem tem ideias diferentes mas sabe conversar. Os leitores deste blog contrastarão esta refrescante atitude com a dos zelotas que encheram a caixa de comentários do texto anterior com insultos por acharem que a sua divindade, o RBI, tinha sido acometida por um sinistro pagão.

Não posso no entanto dizer que tenha ficado convencido com os seus três argumentos, embora haja alguma aproximação em algum deles.
O primeiro tema é este: é positiva ou negativa a “experiência finlandesa”? Esta consiste em reduzir o subsídio de desemprego a dois mil desempregados, pagando-lhes somente uma quantia fixa de 560 euros (em vez de mais do dobro que receberiam em média), com a promessa de a continuar a pagar uma vez que tenham conseguido emprego.
O relatório oficial da segurança social finlandesa constata o evidente, que os desempregados ficarão empobrecidos: “Surpreendentemente, os desempregados seriam os maiores perdedores. Para eles, rendimento básico substituiria apenas parcialmente o rendimento existente”. Mas Merrill e Bizarro, embora aleguem que o sistema finlandês se afastou do intuito inicial e manifestem algumas reservas, parecem aceitar esta engenharia de empobrecimento-agora-para-continuar-a-receber-depois, perguntando: “o estudo piloto da Finlândia é limitado nos objetivos pois dirige-se a uma questão muito específica embora fundamental: será que um RBI, que se adiciona ao salário do emprego, motiva as pessoas a saírem da armadilha do desemprego?”
Esta frase deixa-me a maior perplexidade. Tratar o desempregado como alguém que caiu na “armadilha do desemprego”, uma expressão muito usada nos meios neoliberais, parece-me roçar o insultuoso, atribuindo à pessoa a culpa pelo seu desemprego, como se se tratasse de um acto voluntário e como se tudo se resolvesse com um esforço pessoal, na falta do qual se fica preso na “armadilha”. Neste caso da experiência finlandesa, sair da “armadilha” é aceitar um salário baixo (compensado parcialmente por se continuar a receber um subsídio do Estado, os tais 560 euros). Ou seja, este mecanismo serve para habituar as pessoas a receberem salários mais baixos e a garantir às empresas que podem pagar salários mais baixos. Por isso, a “experiência finlandesa” parece-me tão perigosa quanto ela própria anuncia ser.
A segunda questão é mais misteriosa. Fazendo as contas aos 750 euros propostos em França por um candidato presidencial e a 14 meses de pagamento, apresentei a conta do RBI para os 10 milhões de habitantes que somos: 105 mil milhões de euros. Merrill e Bizarro têm a cortesia de indicar as suas contas para um valor diferente, e só posso elogiar o facto de indicarem o custo da promessa de um RBI. Na sua proposta, o Estado pagaria 450 euros a cada pessoa por doze meses, o que portanto implica gastar 54 mil milhões de euros. Ora, esta conta coloca-me vários problemas.
Primeiro problema: se tudo isto é para pagar 450 euros, ou seja, praticamente o nível de pobreza (440 euros em Portugal em 2016), então podemos arrumar a conversa e ir tratar de outros assuntos. Porque me tinham prometido que o RBI era para substituir a obrigação de trabalhar, para viver melhor, para nos podermos dedicar à vida cultural, para termos o tempo livre, para evitarmos a ameaça dos robots. Não é nada disso, é antes, para a parte necessitada da população, por exemplo os desempregados de longa duração ou quem tem o RSI, uma receita para continuar pobre.
Segundo problema: mesmo assim, para o Estado pagar 54 mil milhões, tem de conseguir dois objectivos de uma só vez – tem de despedir todos os médicos, professores, polícias e outros funcionários do Estado e fechar as escolas e hospitais com que gasta grande parte da receita de impostos, ou seja, reduzir a sua despesa a zero, e ainda assim tem de duplicar os impostos. Nem uma coisa nem outra são possíveis. Não há nenhuma forma democrática de o Estado conseguir estes 54 mil milhões.
Merrill e Bizarro fazem por isso uma sugestão misteriosa: “Na realidade, o necessário para implementar um RBI poderá ser inferior a 54 mil milhões: será grosso modo equivalente ao número de trabalhadores com salários baixos, ou médios baixos e precários.” Devo confessar que nem sequer percebo o português desta frase. O valor do RBI será “grosso modo equivalente” ao “número de trabalhadores”? Será que isto quer dizer que afinal o RBI só é pago a quem tem salário baixo ou é precário? Então não era “incondicional” e “universal”? Mas o que não se fica a saber é se então são 54 mil milhões ou valor “inferior” e quanto: há mesmo defensores do RBI que dizem que é pouco mais de 3% do valor calculado por Merrill e Bizarro, mas estes autores são prudentes e nada dizem desse espectacular desaparecimento de 97% da despesa.
Se, por outro lado, isto quer dizer que só os mais pobres recebem de facto, porque os menos pobres recebem mas também pagam, então é tudo um truque manhoso por afinal esconder um grande aumento de impostos para a parte da população que tem mais rendimento e, mesmo assim, as contas só batem certo se o total das receitas de impostos aumentar em pelo menos 54 mil milhões de euros (ainda presumindo que todos os funcionário públicos foram despedidos, incluindo os que cobram estes impostos). Se isto quer dizer que os advogados do RBI esperam colectar 54 mil milhões entre a “classe média” e os de cima, duplicando os impostos totais em Portugal, então boa sorte, vai ser preciso um pouco mais do que uma revolução para o conseguir e era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto.
Finalmente, os dois autores defendem a universalidade do pagamento, logo depois de insinuarem que afinal não é universal. Sugerem que, com o argumento “Eu, Daniel Blake”, ou seja, constatando como a segurança social é desagradável, se se pagar a todos por igual se retira esse sistema da vida das pessoas. Escrevem eles: “o RBI é realmente uma alternativa ao assistencialismo do Estado social a que chegámos, em que as pessoas em situação de pobreza se têm de subjugar a sistemas burocráticos ineficazes, opressivos e degradantes, que destroem a dignidade”.
É um argumento que me parece obscuro. De facto, as dificuldades dos pobres na segurança social não explicam porque se há-de pagar 450 euros por mês a quem está nas categorias superiores do IRS. A dificuldade de separar rendimentos e só pagar aos que precisam é a explicação para esta “incondicionalidade”, mas é uma explicação falsa: basta um simples filtro informático para criar a separação entre as classes de IRS. Alguns defensores do RBI resolvem este problema dizendo o seguinte: os mais ricos recebem mas pagam e pagam mais do que recebem. Não consigo perceber esta lógica de argumento. Era para todos mas afinal não era para todos. Todos recebem mas alguns pagam. Então para quê tanta confusão e tanta perturbação no sistema fiscal, mascarada por um discurso sobre incondicionalidade para logo explicar uma condicionalidade? Era mais transparente dizer simplesmente: queremos aumentar as verbas para a protecção social aos mais pobres e por isso cobramos um novo imposto sobre as fortunas, em vez de inventar uma filosofia que se revela ligeira nos propósitos.
Quanto à outra parte do argumento, a humilhação dos “Daniel Blake” nos centros de segurança social, as pessoas que se “subjugam a sistemas burocráticos ineficazes, opressivos e degradantes, que destroem a dignidade”, só posso concordar com a preocupação. Mas qual é a consequência desta preocupação, isso torna-se de novo misterioso entre os defensores do RBI. Será que querem dizer que pode deixar de haver segurança social (“o RBI é realmente uma alternativa ao assistencialismo do Estado social”, escrevem Merrill e Bizarro)? Para alguns dos autores do RBI, isso é evidente: substitui-se todo o subsídio e protecção social pelo RBI e despedem-se todos os funcionários da segurança social. Não sei se é isso que pensam Merrill e Bizarro, pois nada detalham sobre o assunto e evitam o problema. Deixo-os esclarecer o assunto.
Aceitemos então a ideia de que, não se sabendo como, o RBI substitui prestações sociais (que é o que nos dizem alguns dos modelos de contas do RBI, reduzindo desta forma a despesa do Estado para que a conta seja mais viável). Pergunto: quais prestações sociais são substituídas pelo RBI? Consideremos o RSI e CSI, que são pagos aos mais pobres e mais idosos. Essa conta tem lógica e percebo o argumento. Essas pessoas muito pobres ficariam a ganhar se recebessem 450 euros (mas registo a diferença de atitude: os ricos somam 450 euros ao seu rendimento, para depois pagarem impostos, enquanto os pobres não somam mas substituem o seu RSI pelo RBI). Mas isso substitui uma parte muito pequena da despesa com segurança social. Ainda seriam precisos 40 a 50 mil milhões de euros.
Se os defensores do RBI acham que a segurança social pode ser encerrada por alguns dos seus serviços serem “degradantes” ou se pretendem acabar com os subsídios de desemprego e subsídios de doença, por exemplo, então temos um novo problema. É que, se todos passam a receber 450 euros, quem tinha um salário maior e está desempregado vai perder uma parte do seu subsídio de desemprego, para o qual descontou. Idem para a doença. Ou seja, empobrece-se uma parte dos trabalhadores que estão desempregados e doentes, beneficiando alguns outros. Mau negócio.
Claro que, dito tudo isto, os funcionários e serviços da segurança social continuam a ser precisos, porque têm que pagar as pensões e reformas. Vou admitir que os defensores do RBI não propõem substituir todas as pensões pelo valor de 450 euros, porque então já seriam centenas de milhar de idosos que seriam empobrecidos com o esquema. Seria simplesmente “ir além da troika” e cortar muitas pensões muito mais do que Schauble alguma vez sonhou. Alguns defensores do RBI, de orientação neoliberal radical, assumem este caminho: é o caso da “experiência finlandesa” ou do que está a ser estudado na Índia.
Por isso mesmo, poucos defensores do RBI aceitam discutir as contas, e pela excepção felicito Merrill e Bizarro. Mas são estes pontos concretos que os defensores do RBI têm de explicar. O que não podem fazer é apresentar uma proposta que é dar dinheiro a toda a gente e depois acharem que é aborrecido terem de explicar de onde vem o dinheiro.
O RBI é dinheiro e só dinheiro. Não é distribuição de felicidade nem de cultura, é distribuição de “rendimento”, como o nome indica. Portanto, é preciso pagar ou saber como pagar. Como se trata de um esquema para protecção social, temos o direito de exigir um plano muito preciso para que a conversa seja útil e conduza a políticas úteis. Até agora, conduziu ao desastre da Finlândia e é bom que não se vá por esse caminho.
Fonte: Público

Comentários

  1. Acho que o RBI se pode pagar da mesma forma que se tem usado para pagar as guerras, mas sem o inconveniente das mortes e todo o sofrimento, imprimindo se mais moeda. Não é o que o BCE faz com o quantitive easyng para injectar milhões na banca e nas grandes empresas, as mesmas que vão investir em robôs para substituir as pessoas? Então porque não imprimir para dar as pessoas e com isso melhorar o consumo interno da EU.? Os impostos podem ir todos a vida basta ficar o IVA a 25% e já o estado vais buscar dinheiro para as despesas como a educação segurança etc. Com as coisas bem feitas do iva ninguém escapa semana ricos ou pobres portugueses ou turistas. O consumo é que gera procura e a procura gera investimento , logo é o consumo que gera trabalho para pessoas e robôs e computadores não é essa mentira que os economistas e média nos contam de que os investimento gera trabalhos, é falso isso, o consumo é que gera tudo isso. Sem consumidores não vale a pena haver produção e muito menos investimento em capacidade produtiva. Só o RBI podera resolver o problema do desemprego pois quando chegar aos 40 ou 50% não há sistema político mais ou menos democrático que resista a revolução e descontamento saíram às ruas. Os políticos sabem disso e como tal não vão esperar por esse momento e vão encontrar formas de pagar o RBI. O Francisco ainda vai mudar de opinião sobre o RBI pois as pessoas inteligentes sabem sempre reconhecer quando estiveram enganadas no passado. Cumprimentos, Carlos Portugal
  2. Não sei se o Dr. Francisco Louçã se apercebe dos risco iminente do fim do trabalho pelas maquinas e que o RBI será inevitável e terá de ser comer e calar e concordo consigo que diz que terá de substituir o estado e tornar tudo privado para pagar a conta pois faz sentido para existir um rendimento básico digno, tanto que a existência de maior parte dessas instituições deixaram de fazer sentido pois as pessoas com um rendimento básico ganham saúde (fim dos hospitais do estado), aprendem o que quiserem através da tecnologia(fim da escola obrigatória), deixará de haver crime (fim da policia) e o fim da necessidade de trabalhar ou estudar para trabalhar por causa da robotização/automação. Venha o RBI.
  3. Carissímo Professor Louçã,
    Permita-me partilhar consigo algumas ideias.
    Desde já felicito-o pelo destaque que tem dado a este tema. A frequencia com que escreve sobre o RBI tem vindo a aumentar. Congratulamo-nos por isso, mesmo se o modo como o faz não cumpre todas as regras da boa comunicação.
    Afirmações erroneas, alusões dúbias, fontes não referenciadas, conceitos insistentemente deturpados não são própriamente convidativas para um diálogo de boa fé.
    Compreenda portanto que dizer que isto seria uma “conversa de tolos” nada tem de ofensivo para alem do constato de ser uma conversa de tolos.
    Gosto do conceito do RBI e isso valer-me a etiqueta de “religioso” e “insultuoso”, é azedar logo o tom.
    Recordo-lhe que debatemos argumentos com milhares de pessoas e só não corre bem com o Louçã e com a Raquel Varela. Em que campo está o problema?
    Por exemplo insistir em afirmções que já lhe foram inumeras vezes desmentidas não ér muito cortez. Demosntrar desconhecimento quando as matérias estão acessiveistambém não. Começar uma frase com ” ouvi dizer…”, não serve. Ou ainda citar um “relatório oficial”. Qual? em que alinea?
    É norma as pessoas mais renitentes acabarem por entender à segunda ou à terceira explicação o que está em causa. Depois, concordam ou não.
    O Louçã, contra todas as expetativas, vai entendendo a um ritmo exasperante. Por exemplo,e felicito-o não obstante a demora, enfim entendeu que também existem concepções neoliberais de RBI. Ter mensionado “(…)um RBI neoliberal” é um passo fantástico para nos podermos entender.
    Quanto à sua objeção predileta que é não haver dinheiro para o RBI, ora pense com sinceridade: A fazer CONTAS teriamos libertado os ESCRAVOS?
    Já não sabemos como lhe explicar isto. Todas as pessoas já entenderam. Dizer que não há dinheiro é no mínimo uma frase esdrúxula. O RBI surge por justamente não haver dinheiro que chegue para todos. Se houvesse dinheiro não estariamos a ter esta conversa.
    E que se diz aqui é tão-somente isto: Inventámos um sistema em que o dinheiro não chega para todos. O que tem esse modelo de tão fabuloso para que não se tente nada?
    Isto porque sabemos todos ao ritmo das noticias, que esse dinheiro existe! Por exemplo, faça a soma simples de todas as quantias milionárias do último trimestre de noticias. Vê? esse dinheiro anda aí. Somente não está no sitio que seria humanamente expectável.
    O RBI é essa proposta que consistiria em redesenhar os circuitos do dinheiro de modo a que ninguem sofra ou morra por falta dele. Cada morte dessas não é morte natural, é induzida. Não lhe aflige isso?
    Mas outro aspeto ainda que decerto agradaria ao economista Louçã, é que o RBI pagar-se-ia a si próprio, tal como qualquer investimento inteligente. No fim, mesmo aqueles que eventualmente mais contribuissem para esse investimento, ver-se-iam recompensados.
    Uma boa não vence à custa de ninguem. Só uma ideia má faz perdedores e deve ser imposta à força, com violencia. Portanto, a conversa que nos convida sobre a “sua revolução” não se nos afigura como alternativa e está portanto toda conversada. Lamentamos que o Louçã só acredite em ideias desse calibre.
    Quanto ao tema da Finlândia, estamos bem documentados e portanto em situação de aprofundar qualquer aspeto que julgue interessante.
    Gostariamos só que considerasse o facto de existirem cinco periodos distintos nesta epopeia que produziram “material” distinto que não podemos baralhar:
    Antes do relatório Preliminar
    Esse mesmo relatório
    O relatório final
    As decisões governamentais
    O impacto que está a ter na vida nos elementos da amostra

    Mas a ideia essencial é que do montante total dos apoios, e que se mantem inalterado, 560 euros passam a estar garantidos independentemente do beneficiário reencontrar trabalho ou não. Esta parcela é portanto INCONDICIONAL. Estamos assim perante um RBI-parcial para efeitos de experiencia piloto. agradecia que o Professor Louçã confirmasse se entendeu isso, porque é essencial para desenvolvermos quaquer discussão funadamentada e proativa sobre o tema. De seguida podiamos abordar por exemplo os defeitos ou limitações da experiencia (que os tem certamente!).
    Teriamos ainda de lidar com o facto de ser uma experiencia que faz juz ao termo que aprendeu: É um RBI-neoliberal. Ou seja, seria ingénuo exigir a um governo de coligação de três partidos de centro-direita. Não vamos exigir nós aquilo que por cá não exigimos a uma outra coligação coligação, desta feita de três partidos de esquerda.
    Por último, permita-me felicitá-lo pela frequencia crescente que tem tratado este tema. Embora que pareca estranho para quem dizia acerca do RBI “Ninguem propoe uma coisa assim!…
    O RBI chegou ao Parlamento Europeu. 286 eurodeputados votaram a favor. Mariza Matias inclusive. Curiosamente só a CDU e o PSD é que votaram contra. Confuso, não é? Confesso que isso também me deixaria numa posição desconfortavel.
    O Louçã ainda é de esquerda? Que tem feito? Só pelo falar, não chegariamos lá.
    …..
    1. “A fazer contas não teríamos libertado os escravos” – é um argumento estranho, não acha? O fim da escravatura é uma quesão de liberdade humana, pagar um subsídio é uma questão de contas. Mas se acha que não se devem fazer contas a conversa não é para mim. Pensava que estávamos a tratar da promessa de um “rendimento básico”. Se não é isso bati a porta errada e peço desculpa, afinal não se trata de rendimento nem é preciso fazer contas.
  4. É bom que no meio da troca de palavras se encontrem alguns pontos comuns e um apelo ao pragmatismo. Um destes pontos comuns é a taxação dos rendimentos mais altos e do setor financeiro, somados á fuga ao fisco – de certeza que uma quantidade substancial dos fundos viria daqui.
    Como muitos dos defensores do RBI pretendem um complemento aos apoios sociais também disputo a sua universalidade: antes seria um pagamento complementar indexado á taxação dos rendimentos mais elevados, dirigido a quem ganhe menos que o valor médio.
    Quanto a automação, outra forma de conquista de rendimento adicional e universal (indireto) seria através da descida das horas de trabalho com manutenção de rendimentos (isto permite a adaptação gradual das economias á automação).
    Por fim, relembrava ao Dr Francisco Louçã que existe uma enorme diversidade de RBIs ou análogos, dos neoliberais aos de esquerda e que este debate é inevitável no futuro, como ficou evidente na recente votação no PE e no voto da Marisa Matias.
  5. Caro,
    confesso ser, em tese, apologista de uma rede generalizada de segurança financeira, incondicional, a todos os cidadãos. Tenho dúvidas sobre a sua capacidade de ser implementada, de uma assentada, e politicamente. Tenho visto argumentos a favor à direita sobre como pode ser financiado (basicamente eliminação do Estado Social), que são assustadores, e à esquerda, com os quais sou mais simpatizante (eliminação dos benefícios fiscais, aumento de impostos e criação de novos, taxação das transacções financeiras, tectos sobre subsídios de emprego e pensões, eliminação de alguns subsídios, etc), que, clamando o valor da engenharia financeira, carecem de confirmação numérica (não a encontro para portugal pelo menos).
    Parece-me, todavia, que, para a negociação possível de um programa do género, a contenda sobre o seu financiamento mascara um choque ideológico muito mais difícil de superar. São diferenças insanáveis entre a esquerda (que pede garantias da não eliminação mascarada das classes sociais e da manutenção da democraticidade dos serviços públicos essenciais) e a direita (que exige uma eliminação de várias funções do Estado por um lado, e a acusação da generalização da subsidio-dependência por outro – a sua clássica posição sobre a imutabilidade da natureza humana, normalmente preguiçosa, claro).
    Sendo assim, e defendendo eu uma versão justa e democrática do RBI, enviei essa luta para as Calendas.
    Mas uma coisa é inescapável: não é possível continuar a esconder o aumento do rácio entre postos de trabalho efectivos perdidos vs criação de novos postos de trabalho (em todo o mundo – não só portugal) através da criação de empregos/estágios precários, aumentando assim, ainda mais, as desigualdades. Talvez seja possível encontrar um caminho intermédio mais facilmente aceite, como diminuição dos tempos das jornadas de trabalho ou, até, se calhar, os impostos negativos.
    Obrigado pelos pontos que levanta.
  6. Sr. Francisco Louçã. Que números (brutos) considera que poderíamos arrecadar com o combate à evasão fiscal, renegociação das tais PPPs duvidosas como o caso da EDP que como sabemos reverte as suas mais-valias para credores e gestores privados desmesuradamente remunerados (com óbvias externalidades ambientais)? ou os milhões em fundos europeus que em grande parte são aplicados ineficazmente e de modo a favorecer a grande indústria e interesses. Com a robotização da indústria, realmente parece lógico haver uma responsabilidade das empresas em impostos, e/ou mesmo do robot que gerará uma multiplicação da rentabilidade do negócio. Percebo quando se preocupa com a desigualdade da aplicação de um modelo mal adaptado a situações particulares. Mas julgo que poderia ser aqui que o Sr. Louçã poderia entrar na discussão construtivamente para criar esta solução trans-institucional possível, pois tudo indica que este é o caminho que irá ser tomado. Experiências em vários países africanos demonstratarm um aumento significativo no auto-emprego gerado e maior consumo. Melhores cumprimentos.
    Sugiro esta ligação:
    1. Bastante dinheiro. Mas longissimo dos 54 mil milhões que Merrill e Bizarro precisam para que a sua proposta seja financiada. Os melhores cálculos sobre evasão fiscal referem um máximo de 30 mil milhõs que não teria pago imposto, portanto conte com 1/3 de receita fiscal se se conseguisse de uma vez só um milagre de eficiência fiscal. Falta o resto…
  7. Lamento que o Francisco Louçã se coloque na posição dos “velhos do restêlo”. Daqui a pouco será tarde para embarcar. A questão do RBI, não é portuguesa porque o avanço da robotização e da IA é global. Lamento, mas as ideologias humanas têm que conviver pela primeira vez com algo que substitui a própria espécie humana naquilo que lhe era intrínseco (trabalhar para sobreviver).
  8. Obrigado caro Louçã, por voltar a dedicar tempo de reflexão à discussão do Rendimento Básico (RBI) que como tinha dito no seu artigo anterior sobre o assunto aqui neste blogue já se vai discutindo bastante.
    Mesmo quando nos vemos incluídos na categoria de zelotas, ou de nos vermos a ser postos à parte, é sempre bom ver tão ilustre figura do nosso panorama político e intelectual dedicar tempo a este assunto, dignando-se a alguma aproximação e a toda uma argumentação.
    Para além de alargar o debate e a discussão, levando a sério esta ideia para a qual o tempo está a chegar, permite-nos a nós próprios burilar os nossos argumentos e reforçar a defesa dos seus pontos mais fracos e difíceis de defender.
    É sempre bom e estimulante ver o assunto aqui novamente discutido, mantendo o debate aceso um pouco por todo o lado numa altura em que o desemprego tecnológico cresce a um passo vertiginoso e exponencial com o advento da chamada ‘Quarta Revolução Industrial’.

    Como já foi dito, apesar do nosso movimento estar unido no ideal em si de proporcionar a todos os cidadãos um patamar mínimo de rendimento de modo incondicional e universal, a pluralidade de abordagens e de modelos económicos para o financiar e implementar é assaz tão diversa como o número de receitas e maneiras distintas de confecionar bacalhau.
    Como já foi dito a “experiência finlandesa” é deficitária e deve ser vista apenas como um experimento que pretende estudar um pouco as implicações de um Rendimento Básico. Na experiência em causa a população afeta nem sequer se trata de uma amostra aleatória da população total, mas antes de uma amostra de indivíduos todos eles desempregados.
    No entanto, é deste tipo de experimentos que precisamos e é com eles que podemos continuar a ter destaque na agenda política e mediática.
    É portanto com entusiasmo que vemos a Finlândia conduzir a liderança por esta ideia tornando-se o primeiro país europeu a implementar um plano através do qual os cidadãos desempregados recebem uma renda mensal básica.

    É pena que Portugal não tenha feito o mesmo, encetando pequenos experimentos como este, e que António Costa se tenha recusado a aceitar essa exigência do PAN para aceitar fazer parte da chamada geringonça: a coligação de Esquerda que permitiu a formação do atual Governo. O PAN foi firme e não aceitou fazer parte da geringonça sem que António Costa agendasse a viabilização de um rendimento básico universal (RBI) em Portugal.
    É por isso que votar no PAN, para que ele se mantenha como um partido com assento parlamentar com posições firmes e terminantes, continua a ser tão importante.
    E o Rendimento Básico continua a ser uma das suas grandes bandeiras. O PAN não só é simpatizante da idéia como tem vindo a realizar esforços para a trazer para a discussão pública, estudando a sua viabilidade e o crescente número de modelos económicos que têm sido apresentados com vista à sua implementação em Portugal, e tornando premente a entrada do Rendimento Básico para a agenda política de outros partidos políticos, tanto de esquerda como de direita.

    O RBI promete de facto, como diz, “substituir a obrigação de trabalhar, para viver melhor, para nos podermos dedicar à vida cultural, para termos o tempo livre, para evitarmos a ameaça dos robots”. Mas no período de transição em que vivemos para uma era de abundância em que a escassez material e todo o conflito social a ela subjacentes serão totalmente ultrapassados, temos que começar pelos mínimos aceitando a inevitabilidade da crescente precarização do trabalho e destruição da classe média, e das proteções sociais vigentes, com este reduto de sobrevivência.
    Mais tarde, há medida que a era da abundância venha a preponderar e a ter maior peso, os níveis de vida proporcionados pelo RBI aumentarão significativamente, possibilitando a todos bons níveis de vida sócio-económicos e grande liberdade para nos podermos dedicar a atividades culturais e artísticas, entre outras.
    A chegada dessa era da abundância, no prazo de uma ou duas décadas, é indiscutível e tem sido auspiciada por figuras ilustres que vão desde o futurista e visionário Ray Kurzweil até magnatas e filantropos como Bill Gates, Elon Musk ou Richard Branson. Uma boa referência para um melhor inteirar dessa auspiciada era da abundância, é sem dúvida a obra de Peter H. Diamandis, “Abundância: O Futuro é melhor do que você”, que pode ser encontrada online em formato pdf, com relativa facilidade (especialmente num contexto de abundância).
    O imbróglio com que somos atualmente confrontados é a descomunal e assustadora concentração de riqueza, que se tem tornado verdadeiramente desproporcional e que põem em causa a viabilidade do capitalismo continuar a ser possível sem um total repensar nos mecanismos de redistribuição que este cada vez mais exige.
    O RBI é uma tentativa elegante e simples, de nos consciencializar da necessidade de redistribuição face ao capitalismo desenfreado e de que a riqueza não está na sua maioria associada ao trabalho humano.
    Folgo em perceber o seu argumento como homem de esquerda e o seu medo de que o RBI ponha em causa os direito de quem trabalha ou já trabalhou, nomeadamente no que toca à proteção social e aos direitos adquiridos da classe média vigente. De facto, o RBI não é necessariamente uma ideia de esquerda e apela amiúde a neo-liberais e radicais de direita justamente pelas razões que indica.
    Mas há que perceber bem a real ameaça que começa a surgir a toda a classe média e a gritante e assustadora concentração de riqueza e de poder na mão de um ínfimo número de magnatas e senhores do dinheiro.
    Urge, portanto, viabilizar o RBI, taxando sobejamente as grandes fortunas e o grande capital, os luxos e as transações financeiras de que tanto logram os mercados puramente especulativos.

    O RBI só é uma receita para continuar pobre num período de transição para a tal era da abundância, permitindo um patamar mínimo para que essa transição seja feita com o mínimo de dignidade para as pessoas face às gritantes, fraturantes, assustadoras e avassaladoras lacunas que capitalismo desenfreado permite: com crescente acúmulo das grandes concentrações de riqueza.
    “Roma e Pavia não se fizeram num dia” e “Grão a grão enche a galinha o papo”… O financiamento do RBI pode parecer um obstáculo intransponível, mas muito antes do RBI poder vir a ser implementado é preciso que o assunto entre na ordem do dia e que a iminência de uma crescente ameaça de fim da classe média e de concentração descomunal de riqueza na mão de algumas centenas de magnatas.
    Quando diz que “Se, por outro lado, isto quer dizer que só os mais pobres recebem de facto, porque os menos pobres recebem mas também pagam, então é tudo um truque manhoso por afinal esconder um grande aumento de impostos para a parte da população que tem mais rendimento” tem alguma razão e de facto o RBI que tem sido proposto, nomeadamente com modelos económicos semelhantes ao do notável economista espanhol e defensor de longa data desta ideia, Daniel Raventós, não beneficia, em última análise, todos, sendo progressivamente prejudicial às classes mais altas. Mas não se trata de nenhum truque manhoso. Já anteriormente, lhe tentei explicar a importância da Incondicionalidade e da Universalidade do mesmo, e a tremenda simplificação e sentido de pertença humana e de cidadania que ele acarretaria mas pelos vistos não fui nada convincente. E a analogia de Scott Santens do cinto de segurança parece também não o ter convencido nada. Por isso não sei que dizer. Terei que deixar para altura um maior e mais convincente aprofundamento dessa questão.
    Resumindo:
    1) A “experiência finlandesa” é deficitária, mas é um bom começo para trazer a ideia para a ordem do dia, acalentando mais experimentos sociais semelhantes em outros lugares do mundo. Aliás, apesar deste experimento alusivo ao Rendimento Básico ser pioneiro na Europa, tem havido muitos outros, entre os quais: na Índia, no Canadá, nos EUA (“Y Combinator Research”), em África (“Give Directly”), e até no Brasil. Para além, do conhecido e notável exemplo de Rendimento Básico que existe para todos os cidadãos do Alaska há mais de 30 anos.
    2) Os defensores do RBI raramente apresentam contas e modelos económicos que sustentem a sua viabilização e quando o fazem eles são altamente defeituosos e inexequíveis.
    É perfeitamente compreensível a sua exigência para contas claras e para a apresentação de planos exequíveis que sustentem a ideia. Têm sido apresentados alguns e apesar de o RBI em Portugal ser bastante difícil de financiar e de implementar, seria absurdo excluir liminarmente a sua possibilidade ou importância no contexto dos tempos extremamente difíceis que nos assolam neste período de transição para uma era de abundância. Urge discutir e investir mais no estudo desta ideia e da sua viabilização económica, nomeadamente fazendo com que essa discussão e estudo entre para a agenda política dos diversos partidos, implementando pequenos experimentos como o da Finlândia que permitam uma melhor compreensão da realidade laboral e sócio-económica que nos assola.

    3) O RBI não é universal como dizem os seus defensores e se fosse seria absurdo dar a ricos e a pobres como se todos fossem iguais. Segundo Louçã isso nem ajudaria a acabar com a pobreza nem tornaria os ricos mais iguais aos pobres.
    Conforme tentei explicar, o RBI é de facto um mecanismo que pretende consagrar todos de modo universal: tal como o nosso Serviço Nacional de Saúde ou o acesso gratuito ao ensino da escolaridade obrigatória. O RBI deve ser entendido como um patamar básico de sobrevivência, incondicional e universal para todos os cidadãos, sendo essa universalidade um alicerce tão essencial à nossa cidadania e pertença humana, como o tem sido o nosso direito de votar ou os nossos documentos de identidade e fiscais como cidadãos.
    É nessa universalidade que poderemos encontrar o patamar básico para que todos nos possamos entender por muito díspares e divergentes que sejam as nossas posições, convicções e maneiras de estar na vida.
    A política, a cidadania, as relações humanas e com o meio-ambiente iriam sem dúvida ganhar muito com a instituição desse patamar básico para a universalidade humana.

    Aproveito para aqui deixar este excelente artigo de Scott Santens, porventura um dos mais importantes e proeminentes defensores desta ideia, à qual se tem dedicado a tempo inteiro, debruçando-se e apresentando um modelo econômico sobre a sua viabilidade nos EUA:

    Por fim, um outro link que também pode ser útil, com as perguntas frequentes (FAQ) que costumam assolar quem se inicia nesta discussão:

    E, já agora, deixo também, para ajudar à reflexão e à discussão desta ideia, os cinco maiores argumentos contra usados pelos oponentes ao RBI e os dez maiores argumentos a favor usados pelos seus defensores.
    Cinco maiores argumentos contra o rendimento básico:
    1) Ser um desincentivo para o trabalho.
    Os oponentes argumentam que a necessidade de trabalhar para sobreviver é eliminada se todos tiverem suas necessidades básicas atendidas, supostamente, reduzindo com isso a produtividade.
    2) Tratar-se de uma carga fiscal adicional para os contribuintes que trabalham.
    Mais pessoas – que de outra forma teria caído no paradoxo de não poder sair da pobreza para manter as ajudas da segurança social – seriam capaz de obter rendimento básico que de outra forma não as iria permitir obter nada do Estado, o que significaria mais um fardo para as pessoas trabalhadoras.
    3) Poder elevar a taxa de inflação.
    Lojas, empresas e, em particular, os proprietários iriam aumentar os seus preços; Eles iriam saber que as pessoas estavam a receber o rendimento básico, portanto, e iriam querer cobrar mais.
    4) As pessoas iriam ter dinheiro vindo do nada.
    Receber benefícios estatais pela segurança social parece ser imoral. E as políticas mais expansivas do rendimento básico parecem ainda o ser mais e ser motivo de uma ainda maior oposição.
    5) Tanto as pessoas ricas como as pessoas pobres receberem rendimento básico.
    Muitos terão uma reação de aversão à idéia do rico receber ainda mais dinheiro que lhe seria dado.

    Dez maiores razões para apoiar o rendimento básico:
    1) O rendimento básico nos ajudará a repensar como e por que trabalhamos.
    Um rendimento básico pode ajudá-lo a fazer outro trabalho e reconsiderar velhas escolhas: Ele permitirá que cada um se forme e adquira conhecimento pois cada um terá dinheiro suficiente para manter um padrão decente de vida enquanto o faz. Por isso, ajudará cada um de a decidir o que realmente quer fazer.
    2) O rendimento básico contribuirá para melhores condições de trabalho.
    Com a segurança de ter rendimento básico como uma rede de segurança, os trabalhadores podem desafiar e afrontar seus empregadores mais facilmente quando acharem suas condições de trabalho injustas ou degradantes.
    3) O rendimento básico irá reduzir a burocracia.
    Como um esquema de rendimento básico é um dos mais simples modelos de impostos e benefícios, ele reduzirá toda a burocracia que envolve a segurança social, tornando-a menos complexa e cara, sendo mais justo e mais emancipatório.
    4) O rendimento básico tornará obsoleta a fraude de benefícios
    Como uma extensão de (3), a fraude de benefício iria desaparecer como uma possibilidade porque ninguém precisa cometer a fraude para obter um rendimento básico: é concedido automaticamente. Além disso, um rendimento básico incondicional irá fixar os efeitos do limiar e da armadilha da pobreza induzidos pelos atuais regimes sujeitos a condições de rendimento.
    5) O rendimento básico ajudará a reduzir as desigualdades.
    Um rendimento básico também é um meio para compartilhar a riqueza produzida por uma sociedade para todas as pessoas, reduzindo assim as crescentes desigualdades em todo o mundo e diminuindo problemas sociais em larga escala.
    6) Fornecerá uma rede de segurança mais segura e substancial para todas as pessoas.
    A maioria dos sistemas de combate à pobreza existentes, sujeitos a aferição, exclui as pessoas por causa da sua complexidade, ou porque as pessoas nem sabem como aplicar ou se qualificam. Com um rendimento básico, as pessoas atualmente excluídas das prestações terão automaticamente os seus direitos garantidos.
    7) O rendimento básico contribuirá para reduzir o número de horas de trabalho e uma melhor distribuição dos postos de trabalho.
    Com um rendimento básico, as pessoas terão a opção de reduzir suas horas de trabalho sem sacrificar os rendimentos que auferem. Podendo, portanto, gastar mais tempo a fazer outras coisas que acham significativas. A nível macroeconómico, isto irá induzir uma melhor distribuição dos postos de trabalho, porque as pessoas que reduzem as suas horas aumentarão as oportunidades de emprego para aqueles que estão atualmente excluídos do mercado de trabalho.
    8) O rendimento básico recompensará as contribuições não pagas.
    Um grande número de atividades não pagas atualmente não são reconhecidas como contribuições económicas. No entanto, nossa economia depende cada vez mais dessas contribuições gratuitas (a wikipédia é disso um bom exemplo, bem como o trabalho dos pais a a educar os seus filhos, caridade, proteção do bem estar animal e do ambiente, e muitas outras). Um rendimento básico reconheceria e recompensaria essas atividades.
    9) O rendimento básico fortalecerá a nossa democracia.
    Com um nível mínimo de segurança garantido a todos os cidadãos e menos tempo no trabalho ou preocupação com o trabalho, a inovação em termos políticos, sociais, económicos e tecnológicos seria uma parte mais viva da vida quotidiana e das suas preocupações.
    10) O rendimento básico é uma redistribuição justa do avanço tecnológico e do legado científico e de conhecimento dos nossos antepassados.
    Graças aos enormes avanços em nossas capacidades tecnológicas e produtivas, o mundo do trabalho está a mudar. No entanto, a maior parte da nossa riqueza e tecnologia é como uma conseqüência da nossa condição de estar “nos ombros de gigantes”: Nós somos mais ricos não como resultado de nossos próprios esforços e méritos, mas dos de nossos antepassados. O rendimento básico é uma forma de civilizar e redistribuir as vantagens desse progresso contínuo.

    Mais uma vez, obrigado, caro Louçã!
  9. Apoio um rendimento de cidadania para todos. Isto porque, primeiro e mais evidente, o fim do trabalho/emprego é uma realidade. Segundo, há uma mudança de mindset que faz com que cada vez exista mais gente que não se identifica com a ideia que o trabalho /emprego dignifica o ser humano. Ele , apenas, dignifica a sua existência material. Por último, porque acredito na empatia económica que só a bondade humana pode alcançar.
    Haverá alternativas ao RBI? Claro que sim. Acreditando nisso eu gostava de perceber quais são as do Francisco Louçã (F.L.). Confesso a minha ignorância. Será que o próprio , ou qualquer outro, poderá apresentar artigos de referência sobre este assunto?
    Perante tal elenco de certezas, que mais este artigo do “Público” deixa perceber, imagino um autor que adora voar mas que tem medo do abismo… Mas, ao contrário do que muitos poderão imaginar, as revoluções não acontecem pela fome ou pela sede. Elas ocorrem pela mudança de consciência.
    Esta, a consciência, é imaterial. Por que dependeríamos do material para a justificar esta revolução? Assim sendo, não entendo a sua obsessão pelo dinheiro,…
    A luta é pela mudança da consciência. Esta independe da vontade das finanças públicas. E, pelo que observo, da sua também. Acredito…
  10. Sim, sem dúvida que é preciso pagar, mas esse pagamento não poderá decorrer da impossível quadratura do círculo em que necessariamente redundam as discussões no âmbito interno do ‘economics’, que é a de afectar 54 milhões a um projecto de mudança social à custa de cortes, despedimentos, perda de direitos, etc. O pagamento tem de ser concebido numa óptica que não a dos custos e suportado pelos rendimentos do capital, a par com uma reforma profunda do sistema fical e da segurança social, daí a necessidade de princípios que contrariem a lógica interna ao sistema, que é a do dogma da escassez e da soteriologia do crescimento. Nessa perspectiva, o RBI será sempre um custo, uma extravagância, uma impossibilidade. Mas a evidência do seu potencial transformador terá de se construir pedagogicamente num rumo oposto ao do individualismo e do egoísmo do homo oeconomicus, Os contextos de experimentação em curso podem fornecer evidência dos efeitos positivos a alcançar, mas é preciso ir muito para além do excel, da folha de pagamentos, da despesa. Há um outro lado no projecto que é o do investimento numa sociedade radicalmente mais justa e feliz. Será a partir destes princípios transformadores (que encontramos desde Ruskin a Polanyi e, mais recentemente, em Gorz, Petrella ou Latouche) que devem ser pensadas as contas do dinheiro gratuito nos contextos sociais concretos onde a urgência da mudança se faz sentir (a nível Europeu será um desafio fascinante, o único, talvez, capaz de projectar a velha UE para um patamar de prosperidade e decência). Fazer as contas a partir da própria lógica do sistema que a implementação do RBI pretende aniquilar não nos levará longe. É preciso pagar, pois é! Mas só será possível fazê-lo de forma eficaz, quando tivermos por certa a evidência de que o paradigma subjacente é outro. O velho já vimos que não funciona.
  11. O Francisco continua o pragmático que encontrei em Odeceixe, e que apesar de ser ambientalista não teve pruridos em colocar um gerador à minha porta para propagandear a sua doutrina.
    Deixe-me por as coisas ao nível do deve e haver para ver se nos entendemos. Não deve o Francisco contra argumentar com argumentos mais ou menos arranjados, há-de o Francisco perceber que a automação leva milhões de cidadãos para o desemprego “armadilhado ou não”, deve o Francisco perceber que o actual sistema de S.Social não funciona, assim há-de o Francisco contribuir para melhorar o RBI ao invés de rebatê-lo para num exercício solitário se mostrar mais sabedor que milhares de concidadãos.
    1. Espero que reconheça que, se promete dinheiro, tem de pagar. E não vejo por que me há-de pedir a mim soluções para a sua promessa – eu lamento, mas não concordo com ela.
  12. Tentar fazer com que o “mercado” não resulte em miséria é tentar resolver a quadratura do círculo feirante.
    Nunca ninguém conseguiu definir uma forma de “mercado” que não produzisse a miséria de uns e excesso de meios de outros. O objectivo do “mercado” é exactamente esse: uns conseguirem extorquir os outros. Não perceber isso é fazer de conta que não se tem a mínima ideia do que é o “mercado” e o negócio.
    Além disso, o caro Louçã sabe que mesmo que o estado tivesse dinheiro para o RBI o resultado a médio, longo prazo seria anulado pelas leis da “oferta e da procura”.
    O “mercado” é a prática da chantagem (dita oferta) e do suborno (procura). Se os chantagistas poderem extorquir mais com a mesma mercadoria, não irão deixar de o fazer. Chamam a isso inflação. Além disso as importações aumentariam e as exportações desapareceriam, como se observou no assalto feito pela UE a Portugal, com os fundos e a exigência que acabassem com a produção interna (uma espécie de RBI lato).
    Inundar um “mercado” com dinheiro, disponibilizando-o às “classes baixas” é um exemplo já visto há muito pouco tempo. Leva à destruição das defesas desse “mercado” e respectivo saque pelos chantagistas externos. É um esquema simples, dão um isco financeiro à plebe, se ela morder depois extraem-lhe tudo o que tiverem e vierem a ter no futuro próximo (a tal dívida).
    Portanto o RBI não resolve os efeitos de miséria que o “mercado” produz na população. O “mercado” absorve facilmente esse dinheiro e mantém a miséria. É uma pena, esse antídoto pueril não resolve absolutamente nada.
    O “mercado” é uma patologia anti social, cuja cura não é para “economistas” e as suas teorias feirantes.
    O caro Louçã está a desviar a questão para a proveniência do dinheiro, quando sabe que isso é indiferente ao “mercado”, uma vez que o “mercado” actuará sempre para saquear (absorver) tudo o que houver. Seja pouco ou muito, com o respectivo resultado da miséria.
    O antídoto para os efeitos do “mercado” exige os conhecimentos que a universidade e os seus “economistas” não têm. Chama-se a isso a ignorância medieval da universidade.
  13. Palavras bonitas mas distorcidas, levadas a generalidades de acordo com a teoria preconcebida. Refiro o desemprego, por estar desempregado, sabendo o quanto difícil é carregar com o estigma de desempregado, no meu caso por justa causa decidida em tribunal. Pode-se cair na situação de desempregado das mais diversas maneiras. Arranjar novo trabalho não passa só por aceitar qualquer tarefa que surja – pode mesmo não surgir nada. Interessante é haver instituições que funcionem, não o faz de conta de que o artigo do Francisco Louçã é um exemplo. Sem uma economia funcional, servida por uma justiça eficiente, não há caridade que valha a um desempregado.
  14. Não estou tão céptico e creio que a discussão do RBI é realmente das mais interessantes a ter-se, tendo em conta o panorama de um futuro sem pleno emprego. É nessa perspectiva que o RBI me parece atractivo. Com um valor suficiente para alguém ‘sobreviver’ mas baixo o suficiente para incentivar a procura activa de emprego caso se queira ter uma vida de ‘maiores luxos’. Um valor que permite a alguém arriscar no seu negócio, dedicar-se aos estudos ou à cultura sem morrer à fome mas também vivendo abaixo da média nacional.
    Mas partilho completamente das suas questões, em particular a questão de como angariar os tais 54 mM€.
    Muitas vezes o que oiço dizer é que se corta aqui e ali, nos funcionários da SS, em todos os subsídios, etc, etc. Generalidades que nunca chegam aos tais 54 mM€. E mesmo para chegar perto desses valores é preciso fazer decisões políticas de muita duvidosa generosidade tais como acabar com subsídios de invalidez, doença, parentalidade, deficiência, etc.
    Por outro lado, se o RBI é para redistribuir riqueza o q estamos é a criar um imposto RBI e um imposto negativo aos mais necessitados. Para isso não é preciso tantas conferências e invenções: aumente-se o IRS e distribua-se mais dinheiro aos mais necessitados. A máquina fiscal já está montada e oleada e com certeza será mais barato que criar o novo esquadrão RBI. Não é preciso reinventar a roda.
    Mas comecemos pelo argumento contra mais forte: os defensores do RBI que apresentem as contas que permitem chegar aos 54 mM€. Mas sem ‘batotas’ de aumentar impostos, senão voltamos aos tempos do nosso Gaspar que tanto ia cortar nas ‘gorduras do estado’ que acabou por fazer um brutal aumento de impostos.
    1. A questão aqui é maior, é que no futuro o emprego vai ser escasso e extremamente técnico uma vez que a automatização vai tomar conta do mesmo. Nao vai haver necessidade de empregados humanos como conhecemos hoje.
  15. Caro F. Louçã,
    Escreve que a “experiência finlandesa” ‘consiste em reduzir o subsídio de desemprego a dois mil desempregados, pagando-lhes somente uma quantia fixa de 560 euros (em vez de mais do dobro que receberiam em média), com a promessa de a continuar a pagar uma vez que tenham conseguido emprego.’
    Sucede que não é exactamente isso, como pode verificar aqui:

    Note que cada desempregado-cobaia que se mantenha desempregado durante todo o periodo da experiência acaba por receber do estado finlandês, no total, o mesmo que receberia se não tivesse sido escolhido para a experiência. Perante uma oferta de emprego nesse período, numa empresa privada, o desempregado-cobaia pode escolher a passagem à categoria de empregado-cobaia: fica então a receber menos do estado finlandês (no limite, apenas os quinhentos e tal euros), e fica a receber adicionalmente o que a entidade patronal entender pagar-lhe, sabendo naturalmente que o novo empregado é um dos tais escolhidos e que, por isso, é capaz de aceitar um salário amputado (talvez quinhentos e tal euros a menos)…
  16. Caro Francisco
    A troca de argumentos evidencia a manifesta irredutibilidade e concomitante incomensurabilidade dos mesmos, ou seja: o que o RBI tem de inovador, revolucionário e potencialmente transformador não pode ser redutível a meras operações contabilísticas (a não ser de modo experimental e de alcance limitado, como tem sucedido até aqui). A força do argumento situa-se no plano dos princípios éticos e visa uma alteração radical da sociedade que, do meu ponto de vista, se prende com a necessidade de sair da economia e dos dogmas inscritos no maldito livro azul. Querer forçar os valores subjacentes ao RBI (expressos nos princípios da universalidade e da incondicionalidade) a um leito de Procrustes contabilístico, é inconsequente se a lógica da argumentação não se distinguir daquelas outras em que o “factor trabalho” é sempre entendido como “custo”, despesa a evitar e conter. A mudança profunda inscrita no ideário do RBI (no meu, pelo menos) não equivale a prometer a cultura, o lazer e a felicidade permanente por decreto. E, sobretudo, nunca poderá significar perda de rendimentos e benefícios sociais para quem os tem sob a forma de migalhas. O RBI não pode tirar o que quer que seja a quem não tem mínimos condignos. Mas terá fatalmente de encolher (e não é nenhum truque manhoso) alguma coisa do lado dos rendimentos do capital, da especulação financeira, etc. O RBI terá de se afirmar pela severa contenção da pleonexia e pôr fim ao horror da gratuidade e à destruição da inteligência social. Dir-me-á que sem contas não serve de nada debater o assunto. Compreendo. Para si tudo será sempre… canhões ou manteiga. Tem a razão do homo oeconomicus do seu lado. E é a esse paradigma, precisamente que o RBI pretende por fim. Daí a irredutibilidade.
    Um Abraço
    1. Mas quer prometer “rendimento” e depois dizer que não se pode “reduzir a operações de contabilidade”? Não fui quem inventei a promessa de distribuir “rendimento”, ou seja, “contabilidade”. Não vale é fugir do jogo que marcou, caro amigo. É mesmo de dinheiro que se trata. Portanto, é preciso pagar.


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