terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Macroscópio – Nem tudo se resume ao Congresso do PSD. Mesmo

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Talvez fosse o tema óbvio para este primeiro Macroscópio da era de Rui Rio à frente do PSD. Foi tal no entanto a quantidade de comentários produzidos nos últimos dias, designadamente aqui no Observador, sendo que de muitos deles já o Miguel Pinheiro deu conta na nossa newsletter da manhã, 360º, que optei por ir navegar para outras águas. E para recuperar alguns textos interessantes dos últimos dias, sendo que uma parte deles aborda o sempre delicado tema do papel da mulher nas nossas sociedades, e na nossa política (e juro que não o faço por causa de Elina Fraga).
 
Tomemos um pretexto próximo para falar de mulheres: a uma mulher chanceler da Alemanha poderá suceder uma mulher chanceler da Alemanha. Isto porque depois de uma mulher ter substituído Martin Schulz na liderança do segundo maior partido, o SPD (refiro-me a Andrea Nahles), agora foi a vez de Angela Merkel escolher uma outra mulher para o segundo lugar mais importante da CDU, o que a coloca na melhor posição na linha de sucessão. Trata-se de Annegret Kramp-Karrenbauer, alguém que o Handelsblatt descreve como uma conservative Catholic: A Catholic, Ms. Kramp-Karrenbauer is expected to reunite corners of the CDU splintered by Ms. Merkel who was seen at times as too liberal, especially when it came to refugees, and too interventionist when it came to business. The chancellor spearheaded both a return to nuclear power and then away from it following the Fukushima disaster. Ms. Kramp-Karrenbauer supported Merkel’s refugee policies but also wasn’t afraid to speak out when refugees broke the rules. When a group of male refugees refused food from female servers, she countered: “Then there will be no food.”
 
A chegada das mulheres a lugares de topo na política ocorre numa altura em que muitos Estados europeus criam leis de quotas para forçar a entrada de mulheres para as administrações das grandes empresas. Na The Economist da semana passada vinha um interessante balanço dessa experiência, Ten years on from Norway's quota for women on corporate boards. Há muitos dados neste trabalho, sendo que, de uma forma geral, “Gender quotas at board level in Europe have done little to boost corporate performance or to help women lower down”. Hovue aspectos positivos mas também surpresas negativas: “Perhaps the most puzzling shortcoming of the quotas is that they have had no discernible beneficial effect on women at lower levels of the corporate hierarchy. The expectation was that they would encourage companies to promote more women in order to fill the upper echelons faster. That, in turn, would help shrink the wage gap between men and women. But a study in Norway found the quotas had no effect on the representation of women in senior management in the firms where it applied.”
 
Não nestes lugares de direcção, mas noutras actividades e empregos, continua no entanto a haver grandes diferenças de representação dos dois sexos, algo que algumas feministas gostam de atribuir ao preconceito ou a estereótipos culturais, mas que Rod Liddle, da Spectator, defende ter a ver com diferenças reais entre homens e mulheres. Em The truth about men and womenrecorda que “Very few women work in construction. Very few men are midwives. There are reasons for this disparity which are nothing to do with sexism.”
 
Suspeito que este ponto de vista teria a dose necessária de incorrecção política para criar problemas a Rod Liddle numa Universidade americana, pois nos seus campus o ambiente é cada vez mais fechado, como relata de novo uma mulher, Amy Wax, professora de Direito na Universidade da Pensilvânia, num ensaio publicado no Wall Street Journal, What Can’t Be Debated on Campus, um texto onde se interroga sobre “if it’s still possible to have substantive arguments about divisive issues”. A história relatada por Amy Wax começa com a publicação, no The Philadelphia Inquirer, de um texto que co-assinou com Larry Alexander intitulado Paying the price for breakdown of the country's bourgeois culture. A controvérsia estalou sobretudo por causa de uma passagem desse texto de opinião – “All cultures are not equal. Or at least they are not equal in preparing people to be productive in an advanced economy. The culture of the Plains Indians was designed for nomadic hunters, but is not suited to a First World, 21st-century environment. Nor are the single-parent, antisocial habits, prevalent among some working-class whites; the anti-“acting white” rap culture of inner-city blacks; the anti-assimilation ideas gaining ground among some Hispanic immigrants.” –, teve algumas participações civilizadas com bons argumentos que questionavam aquele ponto de vista, mas deu também origem a uma das mais perniciosas formas de pressão social: um abaixo-assinado de uma parte dos seus colegas na Universidade. Resultado? Trágico: “As for Penn, the calls to action against me continue. My law school dean recently asked me to take a leave of absence next year and to cease teaching a mandatory first-year course. He explained that he was getting “pressure” to banish me for my unpopular views and hoped that my departure would quell the controversy. When I suggested that it was his job as a leader to resist such illiberal demands, he explained that he is a “pluralistic dean” who must listen to and accommodate “all sides.”
 
Uma outra reflexão sobre este mesmo ambiente claustrofóbico é a de Andrew Gimson na Standpoint em Sex, politics and the new blasphemy. Eis uma passagem interessante e reveladora: “The Pharisees and their spiritual descendants never grow loveable. The longer they tell us what to do, the more hypocritical and power-hungry they look. So the sexual harassment scandal needs careful handling. Those who say it is about power rather than sex are correct. It is indeed about the abuse of power. But the cure for it can become a power grab too: a pretext for minute interference in relationships which were already being adequately managed by the usual processes of give and take. The whole dreary panoply of best practice and correct procedure can supplant common sense and common decency.”
 
Este ambiente também contribui para que, muitas vezes, se trate de fechar os olhos a realidades inquietantes apenas porque estas não cabem nos formatos culturais pré-formatados. Um relato interessante de uma situação que pode configurar essa espécie de autismo é o de Paulina Neuding, na Spectator, onde se interroga sobre Violent crime in Sweden is soaring. When will politicians act?. Depois de descrever como “Shootings, hand-grenade attacks and gang warfare have made some city areas no-go zones”, a autora critica o estado de negação dos responsáveis suecos: “Yet it’s still hard for Swedish authorities to be frank about what’s going on. It’s widely known that gang members are mainly first- and second-generation immigrants, and problems are rampant in what police euphemistically refer to as ‘vulnerable areas’. Thus the gang wars serve as a constant reminder of Sweden’s failed migration and integration policies. This is a problem for the government (and even the opposition) in a country that prides itself on being a ‘humanitarian superpower’. And yet politicians, in government and opposition, seem particularly concerned that violence in immigrant suburbs is a PR problem, a threat to the image of Sweden, and that the remedy is spin”.
 

Claro que isto tem consequências, muito especialmente na criação de um vazio político que, em muitos países, tem vindo a ser preenchido por forças populistas. Não me surpreendi por isso ao ler o relato, no Politico, da conferência sobre segurança que se realizou no último fim-de-semana em Munique. Imaginada, há 55 anos, por Ewald von Kleist, um antigo oficial anti-nazi da Wehrmacht, o encontro reúne habitualmente as elites ocidentais das áreas da defesa, segurança e relações externas. Hoje é uma sombra do que foi, o que levou o jornal a escrever: Witnessing the Collapse of the Global Elite, uma vez que “Last weekend’s security conference in Munich was a stark reminder that this class has nothing of substance to offer a world in turmoil”. É interessante ver algumas das explicações possíveis para o que está a acontecer: “Perhaps this is the inevitable price of the success of the West in creating societies prosperous beyond the dreams of 100 years ago. Perhaps it is the result of a culture that admires military courage but only from a safe distance, that makes democratic political life such a course of humiliation that few sane people will endure it, that has replaced intellectual brilliance with a Henry Ford-style industrialization of the life of the mind. Whatever it is, it hung over the conference like the February fog rising from the city’s slushy streets. This was not the Munich of Neville Chamberlain, but it was surely a long, long way from that of Ewald von Kleist, too.”
 
É neste quadro de “fechamento das mentes” que destaco a próxima edição, em Espanha, do mais recente livro de Mario Vargas Llosa, La llamada de la tribu, antecipada pelo El Pais em Vargas Llosa y sus siete maestros. Neste livro o escritor Prémio Nobel explica “su viaje del marxismo al liberalismo gracias a la lectura de Karl Popper, Friedrich von Hayek, Isaiah Berlin y Ortega”. Uma viagem que, como reconhece o próprio El Pais, fez de Vargas Llosa “quizá el escritor más vilipendiado entre los autores vivos de la lengua española”. O livro será editado em Espanha pela Alfaguara, sendo que o diário madrileno também anuncia uma entrevista de fundo a publicar já no próximo domingo. Estejam atentos.

Termino por hoje chamando a atenção para uma crónica de Gabriel Mithá Ribeiro no Observador que, de alguma forma, também é uma denúncia deste “espírito dos tempos”. O autor, que já editara um ensaio sobre O Ensino da História na colecção da Fundação Francisco Manuel dos Santos, regressou aos compêndios pelos quais estudam os estudantes portugueses em A verdade a que temos direito. O que encontrou foram versões que deixam muito a deseja pelo ser facciosismo. Eis uma passagem do seu texto, onde introduz “comparações entre a abordagem, por um lado, do nazismo alemão (1933-1945) em que a violência de matriz endógena ocidental é deslegitimada sem hesitações (e bem!) e, por outro lado, do maoísmo chinês (1949-1976) em que a violência de matriz exógena (não-ocidental) obedece a lógicas que a legitimam (e mal!).” Os exemplos que depois transcreve são elucidativos.
 
E assim vai indo este nosso mundo, pelo que por hoje é tudo. Tenham bom descanso e boas leituras.
 
 
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