terça-feira, 16 de agosto de 2016

Macroscópio – Portugueses desiludidos, mas Jogos Olímpicos são e serão sempre tempos de glória

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

Foi mais um dia de desilusões para os portugueses. As duas esperanças de medalhas – Fernando Pimenta na canoagem e Nelson Évora no triplo salto – não conseguiram chegar ao pódio. Tal como todos os atletas portugueses que já entraram em prova, com excepção de Telma Monteiro, no judo. Se nos poucos dias que faltam para os Jogos do Rio terminarem não conseguirmos mais nenhuma medalha, tratar-se-á da pior prestação nacional desde os Jogos de Barcelona, em 1992, onde Portugal não conseguiu qualquer medalha. Mas não desesperemos, ainda há esperança e, sobretudo, ainda há grandes provas para ver, grandes atletas cujas prestações nos continuarão a impressionar. Para quem, como sucede connosco, tem apenas quatro em quatro anos estas duas semanas de reencontro com muitas disciplinas que, neste país de futebol, quase nada ligamos, é sempre fascinante conhecer as histórias que se escondem por trás dos grandes feitos desportivos. Por isso recolhemos algumas dessas histórias, daquelas que vale a pena ler pelo que nos revelam e ensinam.

Vou começar por recuperar algumas histórias sobre alguns dos grandes heróis destes Jogos, aqueles que já fizeram e continuam a fazer história. Eis algumas delas:


Simone Biles, a ginasta norte-americana que hoje se despediu dos Jogos com a conquista de uma quarta medalha de ouro (num total de cinco medalhas). Sobre ela recomendo o texto de João Francisco Gomes no Observador, Contra Simone Biles, quase não vale a pena tentar, onde se conta que “Nascida em 1997, Simone Biles teve de passar por dificuldades antes de chegar aos ginásios. A mãe era viciada em droga e não tinha condições para cuidar de Simone e da sua irmã, Adria. Acabou por abandonar as crianças, que foram adotadas pelos avós. À revista Time, a ginastarevelou que, ao crescer, imaginou como seria a sua vida “se nada disto tivesse acontecido”. “Pergunto-me se ela se sente mal com o que aconteceu, se desejaria ter feito as coisas de forma diferente”, confessa.”

Indispensável é também conhecer o fantástico interactivo do New York Times, onde se explica como consegue as suas quase inacreditáveis prestações.

Interessante é também tentar perceber como funciona o cérebro das grandes ginastas, algo que o Huffington Post aborda em The Incredible Brain Of Simone Biles: “Some researchers have attempted to see how the brain’s structure and function may change as a result of gymnastics training. In a series of experiments, researchers at South China Normal University scanned the brains of world class gymnasts and found that the nerve connections between the cortex and the spinal cord were stronger in gymnasts compared with non-gymnasts. They also found increased connectivity in the brain regions responsible for sensory and motor functions, as well as attentional systems. Moreover, the brains of the champions appeared to have greater efficiency in several brain regions that correspond to motor and attention functions.”

 
Usain Bolt não apareceu de rompante nestes Jogos, como Biles, pois domina as provas de velocidade pura desde Pequim 2008. O seu domínio, assim como o de outros jamaicanos, é tão avassalador que Marta Leite Ferreira, do Observador, até foi falar com físicos como Carlos Fiolhais para tentar perceber o fenómeno. A conclusão, ou uma das conclusões, é que Este planeta não foi feito para Bolt. Já quanto a explicações mais concretas, a verdade é que “Usain Bolt consegue gerar toda esta energia pelo facto de ter mais fibra muscular de contração rápida.Graças a isso, o velocista jamaicano consegue gastar muito menos tempo no chão e ter mais propulsão para a frente. Além disso, tem fascículos musculares mais longos (o conjunto de fibras que transmitem impulsos elétricos maiores). Também tem o tendão de Aquiles mais curto e os dedos dos pés mais compridos, que lhe permitemaplicar mais força no chão durante mais tempo. Mas esta é só uma parte da receita. A outra corre-lhe no sangue: os jamaicanos são naturalmente mais propensos a corridas em sprint por causa de um gene especial, o ACTN3.”

Este gene, o ACTN3, também merece a atenção de Michael Brooks que, no Guardian, se interroga: Why are Jamaicans so good at sprinting? As suas explicações não se ficam pela genética ou pela abundância de alumínio em algumas regiões daquela ilha caribenha, vão mais atrás e não deixam de ter uma leitura mais política: “The fact that my grandfather, Usain Bolt and many other Jamaican-born athletes are so fast is, in scientific terms, an anomaly. Anomalies are often the harbingers of a profound scientific insight. So what might we learn from this one? The answer has nothing to do with reinforcing prejudices about the sporting abilities of black people. It’s about facing up to the consequences of past events.”

E já que estamos no Guardian, sugiro que não percam mais um gráfico interactivo de grande qualidade e que ajuda a perceber como o jamaicano ganhou mais uma corrida do heptómetro: How Usain Bolt made history with his third 100m gold medal victory.

 
Michael Phelps é a outra grande estrela destes jogos, alguém que, com 23 medalhas de ouro num total de 28 medalhas conquistadas em quatro Jogos Olímpicos diferentes (Atenas 2004, Pequim 2008, Londres 2012 e agora Rio 2016) tem tantos títulos é recordes que nunca seria este o espaço para os recapitular. Por isso o texto que recomendo é o relato de Hugo Tavares da Silva, no Observador, da sua despedida em glória, com mais uma medalha de ouro: Michael Phelps. O maior do Olimpo acabou como queria. Pequeno extracto: “Michael Phelps fechou a loja no Rio de Janeiro, com os olhos a brilhar, carregados de lágrimas por cair — venceu os 4x100m estilos. A natação ficou órfã do maior dos maiores. Ele garante que não será como em 2012 e que desta é de vez. O menino com olhar assustado que começou nos JO em 2000, com um quinto lugar, deu lugar a um super-homem com 28 medalhas. É o maior atleta olímpico da história. Este conto de fadas começou em 1992, quando tinha sete anos.

Uma das especialidades em que Phelps foi mais forte foi no estilo mariposa, uma forma de nadar atlética que não é para qualquer um. Mais uma forma de nadar que ainda não existia no início dos Jogos Olímpicos da era moderna, pelo que é interessante ler esta peça da New Yorker, The murky history of the butterfly stroke: “The dramatic arm stroke can be traced back to around 1930, when most competitive swimmers still used the traditional breaststroke. The International Swimming Hall of Fame credits an Australian, Sydney Cavill, as the inventor of the butterfly armstroke, while others credit a German, Erich Rademacher, and still others say it was an American, Henry Myers. What we can say is that, at around the same time, these swimmers were all experimenting with recovering their arms out of water instead of in it.”

 
O triunfo do Reino Unido e as ambições da China
Portugal é um país pequeno que nunca poderá ambicionar a coleccionar medalhas como fazem as grandes potências desportivas. Contudo é interessante ver como alguns países conseguiram transformar-se rapidamente em devoradores de medalhas graças a programas estatais muito bem direccionados. Destaco dois: o Reino Unido e a China.

Quanto ao Reino Unido, Janan Ganesh explicava no Financial Times de hoje como é que Yesterday’s politicians fuelled the British gold rush in Rio. O político a que se refere em particular é o antigo primeiro-ministro John Major, que decidiu canalizar para o apoio ao desporto os dinheiros da lotaria. Com sucesso: “As a case study of total and intended success, of a top-down project going to plan, there is little to match this in the annals of British technocracy. Among the wider lessons for government is that money matters. Athletes were victims of a national make-do-and-mend culture that was presumably meant to be charming. They now have expensive coaches, specialised infrastructure and enough direct income to give up other work.” Major, de resto, talvez por ter sucedido a Margaret Thatcher, é um político que poucas vezes é recordado apesar dos seus sucessos fazerem com que seja dos poucos que ainda hoje pode entrar num pub sem ser mal recebido: “He kept Britain out of the euro. He established the fundaments of the Northern Ireland peace accord. He fought a war in the Gulf that did not become a protracted vision of hell”, recorda o colunista do FT.

O Wall Street Journal também recordou este processo, mas destacando a disciplina onde o sucesso tem sido maior, o ciclismo de pista. Em The Rise of Britain’s Cycling Empire recapitula-se o que aconteceu: “In 1996, Great Britain took 300 athletes to the Olympic Games in Atlanta. It came home with just one gold medal, a 36th-place finish in the overall table—sandwiched between Ethiopia and Belarus—and with its Olympic program in crisis. How to return Team GB to prominence wasn’t tough to figure out. In the years that followed, Britain turned around its national sports programs thanks to a flood of cash from the U.K. lottery. But one question did require careful consideration: Which sport should the country build around? The answer was a small, relatively obscure sport in which Britain had precious little Olympic history: track cycling.”

Já sobre a China é interessante ver como os Jogos Olímpicos foram sendo utilizados para sarar as feridas das humilhações sofridas às mãos das potências europeias no século XIX e XX. É que fez a The Atlantic em How China’s ‘Century of Humiliation’ Haunts Its Quest for Olympic Glory. Desse texto destaco esta passagem: “China only sent athletes to the Olympics four times up to 1952—winning no medals—and then went on a three-decade hiatus during the international isolation of the Mao era. But after winning its first gold at the 1984 Los Angeles games, the stage was set for the Olympics to symbolize something much more to China than athletic competition. At the turn of this century, this sentiment was formalized when a cabinet-approved government document called on different ministries and provincial governments to cooperate for the purpose of “winning honor” at the 2004 and 2008 Olympics

 
Surpresas e grandes feitos
Uma das grandes surpresas destes Jogos foi a vitória, inesperada, do atleta sul-africano Van Niekerk nos 400 metros planos, arrasando de passagem um record “impossível” de bater, que vinha de 1999 e pertencia a esse monstro do atletismo que foi Michael Jonhson. Dois jornais espanhóis, o El Pais e o El Mundo, fizeram a análise comparada do record de 1999 – obtido nuns Mundiais disputados em Sevilha – e do novo record de Niekerk. E fizeram-no com a ajuda de gráficos que mostram como decorreram as duas corridas históricas:
  • Despertando de la hazaña de Van Niekerk, no El Pais, é uma análise do catedrático de biomecânica Xavier Aguado Jodar onde se considera que “Van Niekerk estuvo impresionante. El segundo 100, que fue el más veloz, lo completó 3 décimas más rápido que Johnson en Sevilla (9,8 frente a 10,12s). Hasta el 200 llevaba una velocidad promedio ligeramente superior a los 35 km/h. Johnson, que hizo una carrera más compensada, no consiguió llegar a los 35 de promedio en ningún tramo de 200. Niekerk completó la carrera en tan solo 163 pasos, con una amplitud media de 2,45m en cada paso.”
  • Van Niekerk, el secreto del récord estaba en la zancada, no El Mundo, explora sobretudo este ultimo ponto, o do tamanho das passadas do novo campeão, e ainda nota que “Van Niekerk tiene otro peculiar récord, además, al ser el único atleta que ha bajado de 10 segundos en 100 (9.98), de 20 en 200 (19,94) y de 44 en 400 (43.03). Bolt, todo hay que decirlo, no ha explorado el 400.

Outra corrida espectacular foi a dos 400 metros femininos, com um final dramático em que uma atleta das Bahamas decidiu mergulhar para a meta para conseguir bater a sua rival norte-americana. O New York Times explica muito bem, em The Anatomy of a Dive Across the Finish Line, não só a legalidade desse estratagema, como as suas vantagens e inconvenientes: “Sprinters know the quickest way across the line is a well-timed lean; trust me on that,” Michael Johnson, the former Olympic 200 and 400 champion, wrote on Twitter late Monday night. The research is clear: Once you leave your feet, you start decelerating faster than if you keep striding and pushing off. But the initial propulsion forward can still make the difference at the finish line even if it is so tricky to get timed just right and also rather painful upon completion (an Olympic track is an abrasive surface). “I’ve never done it before,” Miller said. “I have cuts and bruises, a few burns. It hurts.”


Finalmente, para terminar os meus destaques sobre atletismo, uma chamada de atenção para mais um especial do Observador, de novo de Hugo Tavares da Silva e dedicado à disciplina onde Nelson Évora se distinguiu, mesmo não tendo alcançado nenhuma medalha. Em Hop, skip, jump. A história do triplo salto conta-se como surgiu a disciplina e refere-se que foi nela que emergiu a tradição da volta olímpica, depois de uma vitória brasileira após um período de domínio dos japoneses na especialidade: “Em 1952, em Helsínquia, a cantiga foi outra, com cheirinho a samba e língua portuguesa. E foi aqui precisamente que se conheceu pela primeira vez “a volta olímpica”. Tem a palavra Adhemar da Silva, o primeiro bicampeão olímpico brasileiro: “Um dos juízes disse: ‘O público quer que você dê uma volta’. E eu com muito prazer o fiz, porque eu queria encontrar um meio de agradecer àqueles que me ajudaram a ganhar a medalha de ouro. Foi essa volta que ficou conhecida como ‘a volta olímpica'

Sobre este atleta recordemos ainda um outro especial do Observador, este de Bruno Vieira Amaral, A história dourada de Adhemar Ferreira da Silva, pois “A maior glória olímpica do Brasil foi também músico, actor e escultor.”

 
Recordar duas tragédias
Acabo este apanhado com dois textos mais longos, ambos da imprensa portuguesa e que recordam duas tragédias olímpicas. O primeiro saiu no Expresso, é da autoria de Ana Sofia Fonseca e recorda-nos Munique 1972 e o ataque palestiniano que vitimaria vários atletas israelitas. Em O dia em que a tocha olímpica chorourecorre-se às memórias de portugueses que estavam lá e viveram tudo muito de perto. Por exemplo: “De olhar colado aos helicópteros, Lopes Marques revive a madrugada. Ninguém lhe tira da cabeça que esteve com um terrorista. A prova de remo fora um desencanto, e doía-lhe saber que o resultado podia ser outro, se não tivesse entrado na água com o espírito naufragado: “Dá para acreditar que não enviaram os barcos a tempo? O amadorismo era enorme.” (…) Estava sozinho. Escuro que nem breu. De repente, uma luz acorda-o sem cerimónia. A porta do quarto aberta, uma lanterna a correr as camas. O remador enfurecido: “Deixem-me dormir!” A porta fechada, duas voltas no travesseiro: “Pensei que era uma partida de algum dos portugueses... Só me assustei na manhã seguinte, ao perceber que não era. Andaram na aldeia e parece que estiveram no nosso edifício. Acredito que possa ter sido um dos terroristas...”

A outra tragédia é uma que os portugueses nunca esquecerão, a de Francisco Lázaro que morreu ao disputar a maratona nos Jogos Olímpicos de 1912 em Estocolmo. Em A morte ao sol do carpinteiro que se fez mito na maratona Tiago Palma record no Observador a história deste homem humilde que foi descoberto porque corria ao lado dos eléctricos por não ter dinheiro para o bilhete entre Benfica e o Bairro Alto: “Era uma diversão que um acaso tornaria séria. É que num desses elétricos seguia o diretor da revista Tiro & Sport, que surpreendido pela qualidade de Lázaro, desceu, interpelou-o, perguntando-lhe de que clube era, pois nunca o tinha visto antes. Lázaro não corria em clube algum. Surpreendido, o diretor do jornal convidou-o a participar numa prova de maratona inédita no país, a “Maratona Portuguesa”, que a revista organizara a pedido (e patrocínio) do Conde da Penha Longa. Sim, o desporto era realmente ocupação de “condes” endinheirados e não de pobres. Mas Lázaro, o “pobretanas” Lázaro, aceitou participar. Seria a sua primeira prova.”

 
E Telma, claro está
Não podia este Macroscópio terminar sem uma evocação de Telma Monteiro, a nossa única medalha até ao momento. E faço-o através de um texto que eu próprio escrevi e onde recordo que um dia o grande poeta e escritor Alexandre O'Neill disse que Portugal era o país onde se estava sempre a dizer "a culpa não foi minha". Telma Monteiro não é dessas, antes defende que “atribuir a culpa do nosso insucesso a outros guia-nos ao próximo fracasso”. Por isso, por ter dado a volta à vida de menina de um bairro social, por nunca ter desistido, por se ter sempre superado, a sua "garra" não é apenas a do povo português, como ela generosamente disse. Infelizmente para nós, que nos deixámos corromper por elites sempre à procura de rendas ou de desculpas. O país da choraminguice. E o país de Telma Monteiro é assim não apenas uma reflexão sobre uma medalha olímpica, mas também sobre o que nos revela a sua autobiografia de Telma Monteiro, que li por estes dias.

Possa o seu exemplo inspirar-nos, e posso este longo Macroscópio ajudar todos aqueles que, além de apreciarem as façanhas desportivas, gostam de conhecer as histórias, as lições e a raça dos grandes campeões. Tenham boas leituras, bom descanso e, sendo caso disso, continuem a ter umas boas férias.

 
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