terça-feira, 16 de agosto de 2016

IMPOSTO E IMPOSTORES

Jacinto Flecha
IMPOSTO E IMPOSTORESEsta coluna semanal pode ser reproduzida e divulgada livremente
de Jacinto Flecha
Comodamente aposentado atrás de uma seteira, prossigo minha palpação, percussão e ausculta meticulosas do mundo que me rodeia. Meu estetoscópio social vem diagnosticando roncos e sibilos da mais alta gravidade, sugerindo apontar para tumores específicos minhas setas terapêuticas semanais, com vaga inspiração nas Viagens de Gulliver e ao ritmo de Ridendo castigat mores.
Tendo indicado neste primeiro parágrafo minha idade, profissão, objetivos, fontes de inspiração, estilo, periodicidade, esta minha autoapresentação requer do prezado leitor, como forma de cortesia, declarar seu grande prazer em conhecer-me; e de mim, retribuir no mesmo tom.
Dito isto e feito aquilo, passo a espetar meu alvo de hoje, não sem antes advertir que alguma das minhas setas pode atingir você. Não se preocupe, pois podemos caminhar em sintonia com meus 26 leitores… quando os alvos forem os outros.
Começo por fazer-lhe uma pergunta incômoda: Você gosta de pagar imposto?
Eu também, não. E vou contar-lhe uma curiosidade que encontrei na minha atividade observacional. Examine com atenção o singular que usei, e compare-o com o plural: imposto e impostos. Notou alguma diferença? Não me refiro ao fato de o singular indicar um só, e o plural referir-se a mais de um. Uma diferença mais sutil é que, quando digo imposto, fica claro que resultou de imposição, foi impingido contra minha vontade e meus interesses; no plural, a imposição fica muito diluída.
Parece que o plural, no caso, é um artifício de marketing governamental, pois vários impostinhos não incomodam, ao passo que um impostão causa um tumulto daqueles… Como os 20% da Inconfidência Mineira (o quinto), que era um só, e bem grandinho. Hoje pagamos o dobro disso; porém, como está dividido em mais de 50 impostinhos, nós espoliados não estamos nem aí… Prosseguimos trabalhando 5 meses do ano para pagá-los, e nem parece imposto, imposição.
A propósito, mais uma pergunta incômoda: Você sabe quem impôs tudo isso?
Se pretende responder com um só nome, desista. É também perda de tempo procurar os responsáveis por mais de 50 impostos. Nenhum espécime do plantel político assume a culpa desse confisco, mas todos nadam de braçada sobre ele. A nós compete apenas pagá-lo, sob pena de multas e outros aborrecimentos… impostos.
Essa diluição diafanizadora, manipulada pelo marketing, torna cômodo descarregar no governonossa insatisfação com esse confisco e com sua má aplicação; pois governo é uma entidade impessoal, camuflada, acobertada, inatingível.
Faço-lhe mais uma pergunta incômoda: Com que autoridade o governo faz esse confisco e essa aplicação arbitrária?
A resposta é bem mais incômoda: Com a autoridade que você e eu lhe demos.
É isso mesmo, e nem tente desconversar. De acordo com a ficção em que se baseia a democracia representativa, o poder vem do povo, e o povo o delega aos seus representantes. Portanto, você e eu elegemos quem deve resolver as coisas em nosso nome. Renunciamos ingenuamente às nossas responsabilidades, ao dever de zelar pelo nosso patrimônio, e os confiamos a outros que nem conhecemos. Nada impede que usem e abusem do que é nosso, não temos nem o direito de reclamar.
Dando uma olhada na História, vemos que nem sempre foi assim. Os mandatários cobram imposto desde tempos imemoriais, confirmando que morte e imposto são coisas inevitáveis neste mundo. Muitos mandatários nomeavam cobradores de impostos com remuneração proporcional ao que arrecadassem. Para ganhar mais, estes exageravam e extorquiam, daí sua péssima reputação.
Qual o nome desses cobradores de impostos? Sim, isso mesmo: impostores. O substantivo impostortransformou-se em adjetivo pejorativo, para designar l.a.r.ápio agindo arbitrariamente em nome de outro.
Será que as coisas hoje são diferentes? Você se considera bem servido pelos representantes que foi obrigado (isso também foi imposto) a eleger? Em outros termos: Eles fazem o que você gostaria que fizessem? Examine bem, e não tenha medo de concluir que somos governados por um regime deimpostores.
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(*) Jacinto Flecha é colaborador da Agência (ABIM)

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